20 jan Nossa Casa Amarela
Da Coluna de Sérgio da Costa Ramos (ND, 20/01/2022)
O Mercado Público completará 123 anos no dia 5 deste fevereiro, quando a cidade poderia receber um grande presente, além do conserto
do teto móvel, que permaneceria retrátil, embora operado de maneira manual.
Que tal manter abertas as portas do emblemático casarão amarelo no domingo, dia 6, numa experiência de revitalização do Centro Histórico? Grandes capitais mantém abertos os seus históricos mercados aos domingos, fazendo deste dia a principal atração dos seus corações citadinos – como Les Halles, em Paris, La Boqueria, em Barcelona ou o Covent Garden, em Londres.
O Mercado Público não pode ser visto como um marco qualquer do organismo da cidade: é o próprio DNA do Centro Histórico, a prova de se haver tornado principal fralda da cidade. Os cheiros do Mercado estão indelevelmente entranhados em cada poro, em cada milímetro do tecido ilhéu, desde os tempos em que se estabelecia nos baixos da Praça XV, ao lado do Miramar.
Em 1898 o prédio se tornaria vizinho do Largo da Alfândega, sempre cumprindo o papel social de centro de convivência de “vivos” e “víveres”, grande miscelânea de sons, cores, cheiros e mesas para o frutos do mar e a arte popular. A Casa é o palco vivo da alma nativa, colorida pelos alhos rosados, pimentões verdes e vermelhos, tomates, berinjelas, abobrinhas, acelgas, alcachofras, abóboras, beterrabas, ervas doces, azeitonas verdes e negras, carnes, embutidos e peixes de todos os matizes. Tudo ali se encontra: do “gris” puro ao cinza esbranquiçado das tainhas, do róseo dos salmões até o amarelo-ouro das ovas. Uma festa dos sentidos, um “aquário” e uma aquarela de cores, uma extensão do mar e de seus frutos.
Sua primeira localização já era perfeita, ancorado no sopé da Praça da Matriz. Mas implicaram com o local e com os seus cheiros, argumentando que “não ficava bem” um mercado logo ali na boca da Praça, na sala de visitas da cidade. Com um mínimo de asseio, a Casa Amarela poderia ter continuado ali mesmo, pois o cheiro de um mercado é o cheiro da sua gente. A mudança, diga-se, não prejudicou o comércio de gêneros, nem o ponto de encontro entre pessoas, hábitos, costumes e folclores.
E é ali, neste ponto hoje “mediterrâneo” da cidade, que se processa e se aperfeiçoa, todos os dias, a fotossíntese do viver ilhéu. A única e lamentável ausência é a do mar, batendo no antigo cais de “desova” dos peixes, ancoradouro das canoas bordadas e coloridas, que chapinhavam no trapiche daquela feira de sons e cores. Do alto de suas torres amarelas, 123 anos de cheiros e temperos nos contemplam e nos emocionam.