24 ago Entrevista Anita Pires, presidente da FloripAmanhã: A gente só pode ser livre juntos
A presidente da FloripAmanhã, Anita Pires, destacou em entrevista ao ND a força do associativismo no mundo atual, e como o trabalho é feito em Florianópolis. Membro da Academia Brasileira de Eventos e Turismo e uma referência do assunto na cidade, ela reforça que a necessidade de união é cada vez maior e aponta as novas tendências do mundo moderno. “Não significamos nada se não estivermos conectados ao nosso mundo.”
Qual a importância do associativismo para cuidar de uma cidade?
A FloripAmanhã é uma organização no terceiro setor, criada com o objetivo de ser um laboratório que capta a inteligência das universidades, das instituições, das pessoas, para pensar em uma cidade com qualidade de vida. Sabemos que a maior parte das cidades estão vivendo crises muito grandes nesse sentido. E aí, como podemos motivar as pessoas para que entendam que a cidade é nossa, é delas, e não é do prefeito? O prefeito é nosso gestor que a gente elegeu para nos ajudar a cuidar da cidade. Tínhamos que encontrar uma forma de motivar as pessoas, orientar para separar seu lixo, cuidar da sua calçada, do espaço público, zelar pela sua segurança, e por aí vai. E essa sempre foi uma luta muito grande porque, principalmente no Brasil, não temos esta cultura. A Europa, que já sofreu e vivenciou tantas guerras, tem. O Japão é outro exemplo. Eles pensam de forma coletiva, mas nós ainda olhamos só para o nosso umbigo. Então, tivemos que pensar juntos, encontrar ferramentas que nos permitisse conversar com as pessoas e com as entidades.
“A gente tem que ter a capacidade de motivar as pessoas e de fazer com que entendam que só vamos encontrar soluções se estivermos cooperando e coproduzindo. A solução das grandes transformações que o mundo precisa não vem individualmente. Só chegará onde houver capacidade de cooperação, generosidade, de humildade. Temos que ter um olhar inteligente para o mundo e para as pessoas.”
Como a FloripAmanhã consegue dar atenção a todos os setores?
Nos especializamos. Nossa expertise hoje é reunir entidades, pessoas – isso é muito rico e não uma coisa individual, é construída coletivamente. O que procuramos fazer é criar sinergia entre pessoas, entidades, associações, para que juntos possam fazer as transformações necessárias. Hoje, a nossa demanda chega a perguntas como ‘onde que vou castrar o meu gato?’, como se a gente tivesse essas soluções todas.
E tem resultados concretos?
Cito exemplo recente, uma experiência muito interessante com agricultores da região. Quando Florianópolis recebeu a chancela da Unesco de cidade criativa, há exigências que a gente assinou e de quatro em quatro anos eles verificam se estamos fazendo aquilo. No caso da gastronomia, é uma cadeia produtiva, que nasce lá na lavoura, nos pequenos agricultores, faz todo um trajeto e chega à mesa do restaurante. Antigamente, os restaurantes compravam só do Ceasa de São Paulo, que percorria 500 km para chegar ao nosso Ceasa. A Unesco definiu que a busca de insumos não deve estar a mais de 100 km do destino, evitando a mobilidade, poluição, logística… Então, agora estamos construindo a rede dos pequenos agricultores e a logística de como pode ser feita a distribuição desses produtos. O restaurante vai levar as demandas ao produtor; o IFSC faz um trabalho de recuperação de temperos, fazeres antigos… Então, nosso papel é criar a sinergia. Depois que a rede está formada, caímos fora.
Que exemplos de uniões fazem a diferença?
Uma das grandes dificuldades foi criar um canal entre todas as entidades da cidade, para que pensassem juntas. Mas a pandemia, a maioria já percebeu que a gente tem que trabalhar juntos, e que as vaidades têm que ser colocadas de lado. Tivemos outro exemplo muito interessante, há sete anos, em relação à chancela da rede mundial de cidades criativas. A gente precisava muito das universidades, porque o tema é gastronomia, vinculado a outros campos criativos. Quando você fala em gastronomia, fala em design, em produtos, em agricultores, pesquisa. E as universidades, em vez de estarem juntas, estavam brigando sobre assuntos de ordem conceitual. Ficamos um ano com elas, e você nem imagina como é estimulante. Hoje, elas cooperam, fazem pesquisa juntas, repassam subsídios, insumos.
Surgiram outros movimentos?
Outro exemplo é o movimento Floripa Sustentável, que junta todas as entidades para pensar e tentar superar as dificuldades que a cidade tem, de desemprego, miséria, fome, falta de habitação, oportunidade dos jovens para acessarem os estudos, enfim. É aquela velha história que escutávamos dos nossos avós: ‘duas, três cabeças pensam melhor que uma’. Criamos também a Rede de Economia Criativa de Florianópolis. A economia criativa é a que mais cresce no mundo, e a que mais gera postos de trabalho e receita, com menos necessidade de infraestrutura, como o cinema, moda, arquitetura, design e o carnaval. Chamamos todas as entidades e os grupos que trabalham nessas áreas, para descobrir qual o cenário de Florianópolis, que tem talento muito forte para a economia criativa, com um povo que gosta de inovação, que ousa. Estamos já fazendo eventos com outras cidades, com a rede de cidades criativas da Unesco – que no Brasil são dez.
Qual o impacto da pandemia no associativismo?
Foi um aprendizado e um remédio muito amargo, mas acelerou a capacidade das pessoas de perceberem que sozinhas não vão resolver nada. Ninguém sozinho nesse planeta vai construir qualquer coisa nova. A busca da vacina, o mundo inteiro, as universidades, os cientistas, todos correndo atrás de vacina de forma conjunta é um exemplo maravilhoso. Em Florianópolis, o que a gente percebeu? Primeiro, o setor empresarial, principalmente as organizações do terceiro setor. Alguém tinha que correr para acudir as pessoas que ficaram desempregadas, que viviam de biscate, pois ficaram sem nada. Então, começamos a trabalhar com o setor empresarial, da indústria, com quem tinha dinheiro. Para fazer o quê? Em primeiro lugar, cestas de alimentos e de material de higiene, desde máscara, escova de dente, pasta dental e alimentação. Teve uma participação muito grande.
“Fizemos uma campanha de cesta de alimentos que deu milhares de cestas para organizações e a prefeitura, no caso da Rede Somar. O setor empresarial, que muitas vezes só visava lucro, percebeu também que tinha que abrir mão, apesar do setor estar parado, e buscar o que tinha guardadinho de lucro para socorrer as pessoas.”
As pessoas ficaram mais sensíveis?
A gente nunca viveu uma crise dessas. Acredito – não sei se é otimismo demais – que sim, que as pessoas ficaram mexidas. Hoje, os princípios ambientais e sociais estão mais incluídos nas empresas. Isso quer dizer que o capitalismo está mudando, que a questão do lucro da empresa não pode ser só para quem é sócio, para quem é dono. A empresa tem compromisso social, e tem que incluir na sua relação uma outra forma de trabalhar, e de devolver para quem trabalha o que ela produz. Todas as guerras e pragas que o mundo viveu foram uma fonte de inspiração para coisas novas, e como isso aconteceu no auge da inovação e da tecnologia, já estamos percebendo quanta coisa está sendo criada pelas academias, pelos pesquisadores, pelas entidades, desse novo olhar para o mundo. Não existe construção de democracia, de sociedade sozinha. Não significamos nada se não estivermos conectados ao nosso mundo.
“A academia tinha que produzir para a sociedade, que não pode utilizar dinheiro público para fazer pesquisa. A coisa tem que ser o contrário: olhar para sociedade e para as suas necessidades e, a partir disso, trabalhar os recursos humanos que estarão a serviço da sociedade.”
Quais são as tendências daqui pra frente?
Se de um lado tivemos grandes iniciativas globais, hoje essas questões não são mais tão importantes. O que é importante é a gente voltar para a cidade, para o pequeno agricultor, as pequenas lojinhas de bairro, dar força para que ressuscite na nossa cidade, no nosso país, pequenas iniciativas de cooperação. Os sindicatos, que foram muito fortes, mas que morreram, até por corrupção, hoje estão dando lugar às grandes redes, construção de pontes, de pactos.
Como a polarização atrapalha o associativismo?
É muito contraditório. Quando temos as redes sociais, que deveriam ser o nosso grande canal de construção coletiva, e é, existe outra coisa – não só no Brasil, mas também no exterior -, da divisão, que não é nem mais entre direita e esquerda. São questões de políticas ideológicas, que não nos unem. Percebo que o que acontece na rede social não é você expor seu ponto de vista, e eu colaborar com aquilo que penso, ou respeitosamente discordar de você. O que ocorre é que um quer impor as ideias do presidente, outro quer impor ideias da extrema esquerda, outro da extrema direita, e isso vira uma guerra, que não faz bem pra ninguém. Não constrói e dá um péssimo exemplo para as gerações que estão chegando. Temos que derrubar muros de desrespeitos e preconceito, péssimos para construir uma sociedade mais feliz e igualitária.
Quais os próximos planos do “Adote uma praça?
O Adote uma Praça é um dos nossos programas mais legais. Florianópolis estava em uma situação em que as praças públicas tinham sido tomadas pelo tráfico, por moradores de rua… e aí começamos a conversar com a prefeitura. Precisávamos ter uma legislação que permitisse ao empresário investir o seu lucro com alguns benefícios. E isso começou, é um trabalho maravilhoso. A FloripAmanhã trabalha em conjunto com a prefeitura e com os empresários, e trabalhamos pela manutenção dessas praças e na busca de empresas ou organizações que queiram investir. Sugiro que quem quer passear, fazer algo diferente em um domingo, que vá lá no Monte Serrat para ver a praça construída onde era um depósito de água da antiga Casan. Era um local abandonado, cheio de mato. Com a comunidade e as associações, conseguimos primeiro trazer o espaço da Casan para a prefeitura, em uma articulação que leva meses, anos. Quando a prefeitura recebeu essa propriedade, trabalhamos pela adoção. Hoje é uma praça construída e mantida pela WOA e pela comunidade. Ficou muito linda, a vista mais bonita da cidade é lá daquela praça. Conseguimos recentemente a adoção de um espaço que vai ser um parque maior que o de Coqueiros, lá na frente da Marinha. Já está com um projeto pronto. É uma parte do Estreito que está muito abandonada. E agora, o Sebrae e a FloripAmanhã criaram um movimento chamado Estreitar, que é o Distrito Criativo do Estreito, para acelerar o desenvolvimento dessa região linda, que temos que valorizar.