Como estimular uma “mobilidade inteligente” nas cidades? O papel de empresas, governo e sociedade para estimular uma nova cultura

Como estimular uma “mobilidade inteligente” nas cidades? O papel de empresas, governo e sociedade para estimular uma nova cultura

Há 10 anos, Viena, capital da Áustria, é considerada a cidade com maior qualidade de vida do planeta, segundo ranking da consultoria Mercer. Mas além de ser um país próspero, um item que é considerado fundamental para a cidade se manter na liderança do ranking é a infraestrutura de transportes e mobilidade.

“Com um euro por dia, é possível utilizar diversos modais usando apenas um bilhete: trem, metrô, ônibus, bicicletas elétricas. A integração entre o transporte público e privado é excelente”, explica Andreas Gyarfas, arquiteto de formação e executivo do Ascendal Group, multinacional com foco em mobilidade urbana com atuação na Europa, Ásia e América Latina. Ele foi um dos convidados, participando direto de Viena, de debate sobre smart mobility promovido pelo Grupo de Cidades Inteligentes, iniciativa do fórum empresarial WTC Curitiba, Joinville e Porto Alegre.

O encontro reuniu participantes da chamada tríplice hélice – setor público, privado e universidades – e tem como objetivo não apenas debater ideias e tendências, mas promover a conexão entre mercado, governos e sociedade para estimular novos projetos de mobilidade inteligente nas cidades.

“A concentração urbana se tornou um grande problema nas metrópoles e isso pressiona as prefeituras para tomarem ações rápidas. Mas hoje há uma tendência irreversível do modelo de compartilhamento, com os usuários preferindo pagar por um serviço de locomoção do que adquirir um bem, que é caro – esta demanda deverá ser multiplicada por cinco nos próximos cinco anos. Há uma forte tendência de longo prazo dos cidadãos se tornarem multimodais. “, resume Cedric Lacour, diretor de Desenvolvimento e Novas Mobilidades da Renault, que também foi um dos speakers do encontro, a partir de sua base na França.

Um dos melhores exemplos globais de smart mobility é o projeto piloto de compartilhamento de carros (car sharing) que capitais europeias como Madrid e Paris inauguraram há alguns anos. Há dois modelos: no free floating, o usuário seleciona um carro disponível na hora e paga apenas pelo tempo que ele usa, com custo de € 0,30 por minuto. Já no station based, é feita uma reserva antecipada e o usuário retira o carro em uma estação municipal, usando somente um aplicativo no celular – o pagamento é por hora.  “Notamos que 16% dos usuários deste sistema nestas cidades já venderam seus carros particulares ou pretendem se desfazer deles em breve”, conclui Cedric.

Estas (e outras) experiências, que já se consolidaram na Europa, começam a ser testadas agora no Brasil. Na região metropolitana de Curitiba, onde a Renault tem uma unidade, o sistema de car sharing já é utilizado por funcionários da montadora francesa. E recentemente, a Federação das Indústrias do Paraná (FIEP) também disponibilizou carros 100% elétricos para seus colaboradores.

“O Brasil tem tecnologia disponível para começar projetos de mobilidade inteligente. A questão passa por um processo cultural e pela atuação dos gestores públicos, que podem atuar mais como integradores, construindo ações junto com sociedade e iniciativa privada, mas deixando claro quais as regras, garantindo a segurança jurídica para investimentos”, ressalta Jean Vogel, presidente do Grupo Cidades Inteligentes.

Neste sentido, um exemplo de parceria entre setor público e privado é o projeto em Joinville com o Waze Carpool. Uma iniciativa foi usar os dados de tráfego da empresa de tecnologia para redefinir o sentido em ruas da cidade que tinham problemas crônicos de engarrafamento, com objetivo de reduzir o tempo das viagens. Em outra ação, o Perini Business Park – parque empresarial pelo qual circulam cerca de 10 mil pessoas por dia – criou um programa de incentivo à carona compartilhada que, entre setembro e novembro de 2019, gerou um total de 13.970 caronas, com uma economia de 54,4 toneladas de emissão de CO², segundo dados do Waze Carpool.

“O brasileiro foi perdendo a cultura da carona. Mas podemos resgatar esse comportamento agregarmos a isso uma plataforma de tecnologia”, ressalta Douglas Tokuno, diretor de Operações do Waze Carpool no Brasil. “É muito fácil pensar em mobilidade urbana hoje. Não em obras mas na tecnologia a serviço do usuário. A pandemia acelerou várias tendências, então trazer o poder público para este debate é fundamental para incentivar novos modais”, comentou em live sobre o tema de mobilidade inteligente promovida pelo Grupo de Cidades Inteligentes no dia 09.11.

Sem uma sinergia entre gestão pública e setor privado, grandes projetos de infraestrutura e mobilidade correm sérios riscos. Um exemplo foi o descompasso entre o tempo de execução das obras do novo aeroporto internacional de Florianópolis – a cargo da empresa suíça Zurich Airport, vencedora da concessão – e do acesso rodoviário ao terminal. “O Floripa Airport foi construído em 16 meses enquanto o acesso de 2,8 km levou seis anos para ser concluído. Existem algumas travas com o poder público que às vezes a iniciativa privada não vê, e isso pode passar de um mandato para outro. O governo não precisa entregar tudo, mas sim deixar claras as regras do jogo para que as empresas possam se planejar”, opinou Simon Locher, gerente de Relacionamento Institucional da Zurich Airport, também presente na live.

Um dos principais recados que o debate sobre smart mobility deixa é a importância de reconhecer o momento de mudança que impacta não só os usuários finais (sociedade), mas a indústria e os governos. “Todos estes players começam a evoluir. O cliente, para uma montadora, não é só quem compra o carro, mas todos que precisam se locomover. Em vez de produto, a venda é do serviço. E os governos deixam de ser apenas homologadores mas também passam a participar de projetos e soluções de mobilidade, como é o caso de Madrid e Paris”, analisa Andrei Kuhnen, responsável pelo desenvolvimento de plataformas e sistemas na Renault América Latina. “Além disso, novos parceiros entram no jogo, como as plataformas de compartilhamento, o uso de inteligência de dados, entre outros. O ecossistema agora é outro”, conclui.

(SC Inova, 13/11/2020)