05 out Revista da Pesca entrevista Anita Pires, presidente do FloripAmanhã
A florianopolitana Anita Pires é empresária do ramo de desenvolvimento e turismo, presidente da organização não governamental (ONG), FloripAmanhã e da Associação Brasileira de Organizadores de Eventos (ABEOC/SC). Ex-diretora geral da Secretaria de Estado do Planejamento no governo Luiz Henrique da Silveira, também já foi professora, jornalista e atual politicamente no PMDB. Anita se define como uma militante ligada aos movimentos sociais e empresariais, mais acima de tudo, “aos interesses da mulher”.
Como presidente de uma ONG cujas preocupações incluem a luta por um Plano Náutico para a capital catarinense. Anita Pires conversou com a Revista da Pesca. Navegação e Lazer principalmente sobre o uso do mar na ilha onde se situa Florianópolis e a luta para preservar a cidade.
A FloripAmanhã reune algumas dezenas dos principais empresários e personalidades da capital e foi criada a pouco mais de um ano.
O que pretende a FloripAmanhã?
A ONG FloripAmanhã nasceu de um projeto já discutido em Florianópolis há dez ou quinze anos, que resume as preocupações de segmentos da sociedade com o crescimento da cidade sem planejamento nenhum.
A FloripAmanhã se propõe a ser um elo de ligação, sensibilização e motivação entre o setor privado e setor público. E, principalmente da sensibilização da sociedade para a responsabilidade de cada um de nós tem como a nossa cidade. Temos como plano de ação inicial, resgatar a cidadania da população de Florianópolis. Quem é cidadão cuida da sua calçada, cuida da sua rua, não joga lixo no chão, é cordial no trânsito, recebe bem os turistas, etc. E para issso, buscamos a parceria dos veículos de comunicação, TV e jornais, para colocar essa idéia no ar já a partir de novembro. E, ao lado disso, temos outra campanha que já está em andamento, “Adote uma praça”, que é o de adoção de praças e de plantio de árvores na cidade. Além de um outro, que se chama “Embeleze a sua escola”. A gente começou com um projeto-piloto de dez escolas, junto com a Secretaria de Educação, para recuperar os jardins das escolas, arborizando, pintando e envolvendo a comunidade escolar na discussão do meio ambiente. Se a gente não conseguir educar as crianças na escola, nós nunca vamos conseguir colocar um limite nesta questão ambiental.
Nós temos uma pérola nas mãos, uma das mais belas ilhas do mundo e vemos que o ser humano tem sido completamente incompetente na gestão dessa ilha. Em primeiro lugar, porque a vocação dela é turismo, e nós não temos conseguido criar o mínimo de infra-estrutura para trazer um turista de qualidade para cá, que deixe dinheiro aqui para gerar emprego e renda, e desta forma atacar de frente a questão da segurança, da marginalidade.
No final de setembro tivemos uma reunião muito boa com a Secretaria de Desenvolvimento Sustentável, com a Floram, que é a entidade da área de meio ambiente da prefeitura da capital, com o Instituto de Planejamento da cidade, com o Instituto de Marinas do Brasil, com empresários, para ver se conseguimos aprovar um plano náutico pra Ilha. E pressionarmos o Governo do Estado para que seja regulamentado o gerência mento costeiro. Porque esta lei foi aprovada pela assembleia, mas não está regulamentada, precisa de um decreto do governo estadual.
Algumas coisas a gente não está conseguindo integrar porque os poderes públicos também não se
o município, o município não conversa corn as suas secretarias, a sociedade não conversa com o poder público, e este não conversa com a sociedade, E aí nós temos uma série de leis e de regras que batem de frente. Então, o que se precisa é ter uma grande negociação para que se defina com o poder público onde é que estão as normas. Não existe legislação da ocupação da orla. É preciso que o poder federal, o Património da União, o governo do estado e os municípios estabeleçam quais são as regras, cheguem a um consenso e que esse consenso também seja discutido com o Ministério Público.
O que a ONG prega é que a sociedade tem que estar junto com o governo ajudando a encontrar as alternativas. Pois o governo não consegue resolver sozinho, e hoje há um processo democrático efeti-vo, a própria legislação exige que o governo converse com a sociedade para que se construa uma norma que atenda as necessidades de preservação, de uso do solo, de geração de trabalho e renda.
Nesta gestão, que começou tia dois meses, quais os projetos prioritários?
Acho que o grande trabalho da Hori-pAmanhã é o de ser uma espécie de instrumento de negociação, de pac-tuação e de integração das diversas instituições para buscar alternativas pra cidade e, além disso, criar no cidadão de Florianópolis a consciência de que ou nós cuidamos da cidade, ou ela será inviabilizada dentro de quatro ou cinco anos.
Nós temos rios que viraram rios de esgoto, lagoas que viraram lagoas de esgoto. São questões graves. É isso que nós queremos enfrentar, levantar essa polémica, conversar com o
poder público e com a sociedade de modo geral. E criar um grande pacto, um grande consenso.
A Senhora sente que o poder público está aberto a essas conversas?
Sim, está muito aberto. Tem confessado a fraqueza, fragilidade que ele tem hoje pra resolver essas coisas.
Como o mar, na Ilha de Santa Catarina, poderia ser melhor utilizado?
peixes vão se acabar. E outra coisa é que o nosso futuro está no mar, como fonte de sobrevivência. Não só no mar, mas nos rios, como água potável. O pior é que nós não estamos sabendo integrar as universidadês, na busca de alternativas para a utilização sustentável do mar. Se conseguíssemos colocar as universidades a serviço do mar, da preservação e da transformação do mar, que é uma fonte de riquezas seja sob a forma de esporte, náutico, seja sob preservação e recuperação das espécies. Assim, o desafio é integrar o poder público com o mercado, o setor empresarial.
Na sua opinião, a legislação de uso do litoral é adequada?
O gerenciamento costeiro, que é fundamental, poderia estar mais avançado. E a gente sabe que o norte do estado até já está bastante avançado, mas aqui no sul não. Então, estamos lutando pela regulamentação do gerenciamento costeiro. Conversamos com o governador para construir esse consenso o mais rápido possível, para aprovar esse decreto. Ele está disposto a assinar, mas para isso, é necessário que o decreto represente um consenso entre todos os municípios. Enfim, na realidade nós não temos legislação. Ainda há uma contradição muito grande entre aquilo que o município faz, aquilo que a Fatma diz, aquilo que o IBAMA diz, e o que o MP diz. No Chile, eles chamam isso de medo de pactuação. Precisa que os órgãos ambientais discutam juntos e que haja uma descentralização do licenciamento ambiental. O município não pode ficar esperando três, quatro anos para que o Ibama se manifeste a respeito de alguma coisa, ou que a Fatma dê um parecer e o Ibama dê outro, ou que os dois dêem um parecer e o Ministério Público conteste. Essas coisas são um atraso de vida pra ocupação adequada da orla marítima brasileira e também para o uso da água e do mar.
Há necessidade de uma grande discussão, não de uma audiência pública com 200 pessoas pra discutir isso, mas que você faça representação da sociedade, do município, governo estadual, do governo, federal. Eles precisam sentar e definir entre eles, que são técnicos, qual a é melhor forma. E por fim, que se dê ao município autoridade para que ele possa fazer alguns licenciamentos ambientais, e que não dependa da Fatma aqui em Florianópolis, nem do Ibama lá em Brasília. Isso tudo fiscalizado, claro.
A Revista da Pesca entrevistou uma das procuradoras da República que cuida do meio ambiente, a Dra. Analúcia Hartmann e ela disse que não é contra marinas nem contra o uso do mar na Ilha de Santa Catarina e culpou os governos estadual e municipal pela lentidão no estabelecimento de planos diretores e planos de uso dessas áreas, que iriam permitir o desenvolvimento de projetos dentro da lei. Como a FloripAmanhã vê esse conflito? A ONG tomará alguma iniciativa de diálogo com o MPF e demais entidades?
Ela tem razão, não tem norma, não tem marco lógico. O que nós temos feito é tentado ajudar o poder público, juntando município, estado e governo federal para elaborar o pro-jeto de lei do plano náutico. Ela tem razão, não existem regras.
A regra às vezes é mal feita, e tem alguns empresários que querem fazer do jeito deles, aí o Ministério público chega lá e embarga. E o empreendedor mais sério acaba não investindo também, porque já sabe que por não haver regras, ele vai se incomodar.
É possível conciliar os interesses comerciais dos empresários com a necessidade de preservação de determinadas áreas naturais?
Ou nós fazemos isso ou morremos todos abraçadinhos, no meio da poluição, da insegurança, da marginalidade. Há no Brasil um relaxamento ético, uma falta de compromisso e todo mundo quer se apropriar da cidade, esquecendo que a cidade não é minha, a cidade é nossa. Ou nós fazemos o nosso lugar ou ele não vai existir, esta é verdade.
Existe algum limite para a ocupação de um ecossistema frágil como o da Ilha de Santa Catarina?
Acho que existe limite sim, e por não ter tido até então, é que está acontecendo tudo isso. A saída é a legislação, é o marco lógico de uso do espaço, do solo e do mar, e conscien-tização. Além de fiscalização, que o poder público não tem conseguido, por isso a sociedade precisa estar consciente para também fiscalizar.
Há quem diga que a FloripAmanhã foi criada por empresários que tiveram obras embargadas, para servir de instrumento de pressão e poderem defender seus empreendimentos. É isso?
Não, de jeito nenhum. Eu não sou construtora civil, sou presidente da ONG, a minha empresa é esta pequena empresa que trabalha com desenvolvimento. Tem empresários de todos os tamanhos, tem empresários, como o do Costão do Santinho, que vive da briga pela preservação ambiental e tem pequenos empresários, professores universitários. Mas no começo passou essa imagem negativa, realmente. No entanto, a maioria hoje é de pessoas aposentadas, professores universitários e mulheres.
Quais as principais propostas da ONG?
Elo de integração, sensibilização e de motivação do setor privado com o setor público; queremos que a sociedade entenda, que além de direitos, ela tem deveres – que ela participe do adotando uma praça ou embelezando a sua escola. Em breve será lançado um evento que nós estamos chamando de “Verão inteligente”, seria um evento pra cidade, para os turistas, baseado em tecnologias modernas pra mostrar as riquezas naturais que a ilha tem. E nós queremos que este projeto dê visibilidade á produção cultural artística que tem na cidade, e que até hoje nós não soubemos mostrar.
Além disso, estamos criando uma câmara de especialistas em meio ambiente. Uma dúzia de “experts” na área ambiental, porque nós não somos especialistas nessa área. A ONG às vezes precisa se manifestar a respeito de algumas coisas que são extremamente polémicas, mas nós não temos subsídios para isso porque não temos o conhecimento técnico necessário.
A ONG não consegue se manifestar em quê, por exemplo?
Por exemplo, na ampliação do aeroporto, que não tem estrutura não tem pista, não tem o equipamento necessário para receber mais voos e voos internacionais.
Existe o dinheiro pra ampliar o aeroporto, mas até hoje não conseguimos porque na hora em que a gente define como é que vai ser feita esta ampliação, que os estudos são feitos, etc, chega lá um grupo de pessoas, de uma ONG e entram com um pedido de impugnação. Aí ate o Ministério Público, que não tem muita gente, ir lá e estudar, vão-se mais seis meses, um ano ou dois.
(Revista da Pesca – Navegação e Lazer, 10/2006)