22 abr Tecnologia pioneira da UFSC figura em plataforma de boas práticas da ONU e Ministério do Meio Ambiente
Sustentável, econômica, viável e socialmente comprometida. Essas características foram reconhecidas pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (ONU Meio Ambiente) ao selecionarem, para compor o Banco de boas práticas da Agenda Ambiental na Administração Pública (A3P), uma tecnologia pioneira no Brasil desenvolvida na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O sistema, implementado pelo Projeto Tecnologias Sociais de Gestão da Água (TSGA), coordenado pelo professor Paulo Belli Filho do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFSC, é uma cisterna subterrânea que armazena a água da chuva, filtrando-a e evitando contaminação utilizando como materiais básicos areia e brita.
No total, a chamada pública “Boas práticas A3P” recebeu a inscrição de 297 iniciativas. Dessas, 125 foram escolhidas e distribuídas em temáticas relativas à sustentabilidade, sendo a cisterna selecionada para participar da categoria uso racional da água. “Para nós, figurar nessa plataforma de boas práticas é uma repercussão muito significativa, porque ela é como uma vitrine que expõe soluções boas e viáveis, mas que às vezes são pouco disseminadas”, explica Valéria Veras, engenheira sanitária e ambiental e coordenadora do projeto de comunicação do TSGA.
Construída em 2014, a cisterna foi implantada com o objetivo de ser uma unidade pedagógica em Tecnologia Social (TS) na Escola Rural Rio dos Anjos, em Araranguá, município da Região Sul de Santa Catarina. As tecnologias sociais possuem três características principais: precisam ser simples, de modo que a utilização seja acessível, viáveis, pela necessidade de estar de acordo com as realidades culturais, sociais, econômicas e ecológicas do local, e efetivas. Como a cisterna atua nesse sentido, Valéria conta que “toda a comunidade começa a vê-la como algo que trabalha a gestão da água de forma sustentável, e ocorre valorização desse recurso em diversos aspectos”.
Possuindo cerca de 65% de seu volume total preenchido por areia, a cisterna filtra a água da mesma maneira que um filtro comum de areia, eliminando a maioria dos micro organismos que possam estar presentes na água captada e que possuem capacidade de ocasionar doenças infecciosas. O sistema apresenta também outros diferenciais. Por ser subterrâneo, não sofre interferências climáticas e poupa espaço útil do terreno – na escola rural Rio dos Anjos, construiu-se uma quadra de vôlei de areia na superfície da cisterna, para usufruto da comunidade. Além disso, a tecnologia possui vida útil elevada, podendo chegar a 40 anos sem precisar de reforma.
Nesses 40 anos de vida útil, a equipe do projeto calcula que a cisterna pode gerar uma economia de cerca de R$ 71.040,00. O cálculo considera as taxas atuais do Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto (Samae) de Araranguá e a potencialidade de armazenamento da cisterna. Pelo Decreto nº 6460/2014, o Samae estabelece para a categoria C de consumidor (Poder Público) o valor de R$ 7,40 por m³ se forem utilizados entre 10 a 20 m³ de água por mês, por outro lado, a cisterna é capaz de fornecer até 9.600 m³ em 40 anos de forma gratuita. Assim, o orçamento de R$ 11.687,00 de implantação do sistema é amortizado em aproximadamente 6 anos e meio.
Para a construção da cisterna, foram empregadas geomembranas, mantas de liga plástica, utilizadas como revestimento impermeabilizante que isola a água e evita a mistura de materiais, e mantas geotêxtil de proteção, que reforçam e protegem as geomembranas, e auxiliam na filtração e drenagem da água. Entre outros materiais, estão também calhas, tubos e conexões, bomba, peneira, brita e areia.
Mais do que trazer economia, o sistema atua de maneira sustentável e em consonância com novas políticas públicas que priorizam uma melhor gestão dos recursos hídricos. Em 2017, foi aprovada a Lei 13.501/2017, que inclui o incentivo e a promoção da captação, preservação e aproveitamento de águas das chuvas entre os objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos.
A cisterna funciona da seguinte maneira: a partir de calhas acopladas ao telhado da edificação, a água da chuva é coletada e passa, inicialmente, por um pré-filtro. Em seguida, é encaminhada via tubulação para a entrada da cisterna. No reservatório contendo areia, a água é filtrada e pode ser conduzida, com o auxílio de uma bomba, até o reservatório de consumo para ser distribuída.
Inicialmente, a água captada pela cisterna está sendo utilizada para irrigação e limpeza, mas Valéria explica que um processo de desinfecção pode torná-la adequada para consumo humano. Entretanto, destaca que “o consumo humano é mínimo, já que a água usada para beber é muito pouca. Nas finalidades em que mais se consome, que denominamos de finalidades menos nobres, como limpeza, pode ser usada a água da chuva, por isso é tão importante a captação”.
Outro aspecto que a engenheira destaca é o envolvimento da comunidade tanto na implantação quanto na utilização da tecnologia. Além de reuniões em conjunto com a comunidade escolar e parceiros para o planejamento de ações necessárias para construção e implementação da cisterna, foram ofertados cursos gratuitos e presenciais de formação e de captação em diferentes regiões do estado que abordaram diversos temas, como saneamento rural e recuperação de mata ciliar. Dessa forma, Valéria enfatiza que o projeto incentiva a formação de multiplicadores de conhecimento sobre gestão eficiente e sustentável de recursos nas regiões em que foram implantadas unidades demonstrativas pedagógicas de tecnologias sociais.
O projeto TSGA também disponibiliza cursos online em sua página, com o objetivo de oferecer um estudo autônomo e gratuito a qualquer pessoa interessada nas temáticas agroecologia, tecnologias sociais e gestão social de bacias hidrográficas. Iniciado em 2007, o projeto TSGA encontra-se em sua terceira fase. Tendo como objetivos a disseminação e consolidação de tecnologias sociais para o uso eficiente da água e saneamento básico rural, a formação e capacitação para a gestão da água e a educação ambiental visando o fortalecimento da consciência ecológica, idealizou em sua primeira etapa a construção de uma estrutura física, o Núcleo TSGA.
Na segunda etapa do projeto, o Núcleo TSGA foi inaugurado. O prédio, que conta com estruturas para aproveitamento de água da chuva, telhado verde, materiais de construção alternativos e arquitetura que dispensa climatização e iluminação artificial, recebeu do Inmetro e da Eletrobras a “Etiqueta de Eficiência Energética de Edificações Comerciais, de Serviços e Públicos”, classificada no padrão A (nível máximo de eficiência). Atualmente está sendo viabilizada a ocupação do Centro TSGA. “Buscamos estruturar esse núcleo para fazer parcerias com entidades e instituições da sociedade civil, trabalhando a gestão da água nos níveis estratégico e político, agregando instituições para a elaboração de projetos que possam contribuir para a formulação de políticas públicas”, comenta Valéria.
É também por isso que Valéria destaca a importância da visibilidade que compor o quadro do Banco de Boas Práticas da A3P agrega. “Um dos objetivos do TSGA é a disseminação do conhecimento gerado pelo projeto, para nós, quanto mais visibilidade tivermos dessas práticas, mais pessoas serão beneficiadas”. O programa A3P, por ser um registro das melhores práticas na área de responsabilidade socioambiental, possibilita o conhecimento público de programas e projetos bem-sucedidos desenvolvidos pelo setor público dentro de diretrizes socioambientais. Dessa forma, relata Valéria, “o objetivo de multiplicar o conhecimento produzido pelo projeto vai sendo atingido, e o conhecimento, quando compartilhado, só aumenta.”
Mais informação sobre o projeto no site.
(UFSC, 18/04/2019)