Projetos sociais que envolvem a prática do surfe incentivam qualidade de vida, educação e cidadania em SC

Projetos sociais que envolvem a prática do surfe incentivam qualidade de vida, educação e cidadania em SC

Projetos sociais desenvolvidos no litoral catarinense proporcionam um aprendizado sobre o esporte que envolve mais do que manobras e técnicas. As aulas incluem bate-papo sobre boas condutas, notas boas na escola, alimentação, drogas e uma verdadeira relação de respeito com a natureza. O surfe passa a ser encarado pelos novos aprendizes que experimentam das sensações do “outside” em dropar a onda, como um estilo de vida que envolve gerações.

Conheça as experiências de quatro projetos, sem fins lucrativos, desenvolvidos em Florianópolis, na Guarda do Embaú, Imbituba e Itajaí, que incentivam a qualidade de vida, a educação e a cidadania por meio do esporte. As inciativas integram a série de reportagens do SC+, e mostra uma Santa Catarina mais unida para promover atitudes transformadoras.

Florianópolis

O Drop do Bem é um projeto social voltado para crianças e adolescentes do Sul de Florianópolis, a partir dos 7 anos de idade, com o objetivo de inclusão social por meio da prática do surfe. A ação, que iniciou as atividades em 2015, conta com o apoio da Associação de Surf da Armação e Matadeiro (ASM), do Instituto Anjos do Mar, da Escolinha de Surf do Matadeiro Surf Camp e outras instituições apoiadoras.

“O projeto surgiu quando observamos que não tínhamos mais crianças praticando o surf, notamos que muitos caiam precocemente nas drogas e outros eram sedentários. O projeto em si não é somente surfar, o principal intuito é passar bons exemplos, questões como respeito ao outro e a família, espírito de equipe, orientações socioambientais, dicas de preservação e segurança básica no mar”, explica o empresário e voluntário Bruno Moraes, de 38 anos.

As aulas, que ocorrem na terça-feira no contraturno escolar e aos domingos, envolvem 50 crianças e adolescentes. Todo o trabalho é realizado por professores de educação física, surfistas e voluntários. Segundo Moraes, a receita para manter o engajamento no projeto foi trazer a família para praia. “Todos os pais também contribuem diretamente nas atividades, alguns surfam e ajudam dentro d’água, outros contribuem com a preparação e cuidado dos equipamentos utilizados”, explica.

Entre as ações desenvolvidas no projeto estão práticas de atividades físicas, noções de natação, treinamento sobre salvamento no mar, e o incentivo para estimular atitudes de boas condutas, por meio da simplicidade em se preocupar com o coletivo. A programação das atividades envolvendo a equipe do Drop do Bem envolve palestras em escolas, limpeza de praia e a preocupação com a qualidade de vida dos envolvidos.

Grande Florianópolis

Na Reserva Mundial do Surf Brasileiro também são realizadas atividades promovidas por voluntários. O educador físico George Washington de Almeida Junior, de 56 anos, o professor Madeira, foi quem iniciou as ações sociais da Escola Natação, Surf e Preservação da Guarda do Embaú, na Grande Florianópolis. Criada há 27 anos, as atividades ocorrem durante a temporada de verão para interessados a ter os primeiros contatos com os esportes, sem esquecer, é claro, de cuidar da natureza tão exuberante quanto a do local.

“Quando eu vim morar na Guarda e vi a necessidade de implantar um trabalho de educação física, pois na época não tinha nem a disciplina nas escolas. Reuni uma garotada na beira do rio e com pranchas usadas, até quebradas ao meio, começamos a fazer a iniciação”, recorda.

Segundo o professor Madeira, muitos voluntários que atuam no projeto já foram alunos. “Já estamos mobilizando gerações para passar esse conhecimento”. Ele explica que os resultados acontecem em poucos meses. “O que mais inspira é ver a mudança que nosso trabalho exerce sob as pessoas. É muito importante para nós vermos quando uma criança ou um adulto consegue aprender nos três meses a desfrutar a praia e encarar seus medos. Isso causa o sentimento de aproximação com a natureza e melhora a qualidade de vida deles”, afirma.

Durante cada temporada, pelo menos 120 pessoas participam das atividades. O projeto não tem nenhum apoiador fixo e atualmente conta com o apoio do comércio local e de doações. Apesar da escolinha não ter o objetivo de formar profissionais, foi o berço para o início dos treinos do surfista Ricardo dos Santos, o Ricardinho, ídolo local, assassinado em 2015.

A escolinha está vinculada ao projeto Atletas da Natureza, que trabalha na promoção de palestras sobre conscientização ambiental e de preservação do meio ambiente. “Não queremos ver simplesmente um campeão de esporte, mas também na vida, no sentido da formação total do ser humano, ver uma sociedade mais feliz e integrada com a natureza”, completa Madeira.

As iniciativas desenvolvidas pela escola, que envolve a praia e a beira do Rio da Madre, também contribuíram para inspirar o palhocense Rodrigo Haeming, que atua como voluntário no projeto desde 1992, a escrever o livro “O rio que conta histórias”. A proposta do autor é oferecer uma ferramenta a mais para promover a educação ambiental.

Imbituba

O projeto social Escola de Surf do Bananinha, na Praia do Porto, em Imbituba, atende mais de 150 alunos e existe há 17 anos sob a coordenação do professor de surfe e fundador Leandro Elias, o Bananinha, de 41 anos.

“Fui morar na beira da praia, peguei minha prancha e fui surfar. Foi quando chegaram quatro adolescentes do morro da frente de casa, filhos de pescadores, entre eles usuários de droga, e me fizeram várias perguntas de como eu tinha aprendido a surfar. Diante do interesse deles, resolvi ensinar. Outros adolescentes começaram a se interessar também e isso cresceu de uma forma louca, eu nem tinha noção como podaria mudar a vida de tantas pessoas”, lembra.

De quatro alunos, em dois anos o professor passou a atender 60 e os números de interessados não pararam de crescer. “Para pobres, o surfe é um desafio, por ser um esporte caro. Mesmo assim eu me dediquei para que essas crianças conhecessem o surfe”, explica. Desde então, o surfista tem formado novos surfistas, e até atletas que vêm ganhando destaque ao participar de competições internacionais como Anderson Júnior e Giovani Picaski.

As aulas ocorrem três vezes na semana e a exigência do professor para participar das atividades é ter boas notas na escola. “Como não sou formado e tenho até a oitava série, eu cobro o boletim das crianças e incentivo dando uma roupa de borracha para quem conseguir as melhores notas. É muito gratificante notar o impacto que isso provoca na educação, pois em todos esses anos, nenhum deles repetiu o ano. Participamos da formação deles, muitos se tornaram mergulhadores profissionais e trabalham como salva-vidas.”, afirma.

Bananinha também não mede esforços para incluir altistas, surdos, mudos e pessoas com deficiência de locomoção no esporte e chega a viajar para cidades vizinhas, como Laguna, para ajudar. Ele trabalha como motorista e com o próprio dinheiro do salário ajuda nas despesas com as pranchas e parafina. Além disso, conta com doações de roupas, acessórios e promove ações de conscientização socioambiental afim de abranger toda a comunidade.

Itajaí

Na Escola de Surf Atalaia, os participantes e voluntários surfam na onda da cidadania. As atividades ocorrem há 15 anos, na Praia do Molhe do Atalaia, em Itajaí, e recebe por ano uma média de 2 mil pessoas.
A cada aula realizada nas manhãs de domingo, quem tem interesse em aprender a surfar faz a doação de alimentos e leite como troca das orientações dos monitores.

Segundo o professor de surfe Arlindo Camilo Machado Filho, de 47 anos, mais conhecido como Ney Machado, a essência do projeto está em fazer bem ao próximo. “Se eu conseguir incentivar que uma dessas crianças venha a se tornar adultos que ajudem outras pessoas, isso é o que me motiva, não tem dinheiro que pague. O nosso lema é ‘Ainda se faz o bem’, e com isso queremos formar pessoas que sigam promovendo esse tipo de atitude”, reforça.

O projeto conta com 15 monitores, que receberam o treinamento específico para auxiliar nas atividades. Para Sandro Nunes, de 41 anos, que participa como instrutor, a iniciativa propõe oferecer mais opções para os jovens não se envolverem com vícios. “Minha ajuda é para tentar amenizar um pouco a questão das drogas e trazer o esporte como um estilo de vida saudável em unirmos o prazer, educação e preservação ambiental”.

Interessado em participar de práticas sociais, Cassiano Portes, de 38 anos, se sensibizou com a proposta de aprender o esporte e poder ajudar a quem precisa. Desde que começou a participar das atividades há 3 anos, trouxe toda a família para a praia. “Aprendi a surfar e hoje ajudo como instrutor. Foi um despertar novo, fiquei mais tranquilo, formei laços de amizade e toda a minha família ficou motivada pela causa. Sou reconhecido no Instituto Cenecista Fayal de Ensino Superior, onde faço o curso de engenharia civil, por fazer parte da escola, e, as pessoas sempre me procuram para fazer doações e participar”, afirma.

O projeto também trabalha com a socialização do esporte para pessoas com deficiência. Além disso, Ney Machado faz palestras em escolas sobre alimentação saudável, meio ambiente, boas práticas de convivência e surfe.

Serviço

Drop do Bem – Projeto Social ASM
Sede: Florianópolis
Início das atividades: 2014
Contato: asmmatadeiro@gmail.com
Mais informações no site
Aulas: terça-feira nos dois turnos e aos domingos

Escola Natação, Surf e Preservação da Guarda do Embaú
Sede: Guarda do Embaú
Início das atividades: dezembro de 1989
Contato: gwa.madeirasc@gmail.com
Aulas: ocorrem durante a temporada de verão, de dezembro a março. As aulas são as terças-feiras e quintas-feiras. Para adultos o horário é a partir das 8h e para crianças, às 10h.

Escola de Surf do Bananinha
Sede: Imbituba
Início das atividades: 2000
Mais informações no site
Aulas: terça-feira, quinta-feira e sábados, das 14h30 às 16h.

Escola de Surf Atalaia
Sede: Itajaí
Início das atividades: 2002
Contato: neymachado0710@gmail.com
Aulas: ocorrem na Praia do Molhe do Atalaia. No inverno a partir das 9h, inscrição é um quilo de alimento e um litro de leite para doações a comunidades carentes.

(G1, 17/07/2017)