29 set Mais de R$ 500 milhões foram investidos em obras da ponte Hercílio Luz nos últimos 33 anos
Desde 1982, quando a Ponte Hercílio Luz teve o trânsito interditado por problemas nas barras de olhal, mais de meio bilhão (R$ 563,5 milhões) já foram empregados com a justificativa de recuperar o monumento e devolvê-lo ao uso público. No entanto, 33 anos depois, o resultado dos 16 contratos, além de não eliminar o risco do cartão postal de Santa Catarina cair, a situação do trânsito entre o continente e a ilha continua sendo grande gargalo da mobilidade urbana da Capital. Por esses motivos, MPTC (Ministério Público do Tribunal de Contas) quer que o governo do Estado reconheça os riscos que um colapso poderia causar, e elabore um plano de contingência em caso de desastre. “A Ponte produz o mesmo efeito negativo para Santa Catarina do que a seca no Nordeste. Enquanto isso, os motoristas passam trabalho para sair e entrar na ilha todos os dias causando imenso prejuízo econômico enquanto poderíamos ter pelo menos mais uma ponte com esse dinheiro”, diz o procurador Diogo Ringenberg, autor da representação e do estudo histórico sobre todos os contratos desde a interdição.
“Já pensou quais são as consequências de uma coisa desse tipo para o entorno, em termos de segurança? Até eu como cidadão que passa todo dia por debaixo da ponte”, grifa o procurador sobre questionamentos levantados na Câmara de Transporte e Logística da Fiesc, em março deste ano. Segundo os engenheiros presentes no encontro, o risco existe, e é iminente. “Imagina peças de 70 quilos arremessadas a 700 metros de distância em plena Beira-Mar?”, diz outro trecho da reunião grifado pelo procurador.
Também por meio de um parecer em outro processo de auditoria no cartão-postal e que se arrasta desde 2012 no TCE-SC (Tribunal de Contas de Santa Catarina), o MP de Contas pede a devolução de R$ 82,4 milhões pagos aos dois consórcios contratados entre 2006 e 2008, cujos contratos foram rescindidos pelo Estado em 2014. Um dos consórcios, segundo o mesmo documento, deveria realizar as obras de revitalização e o outro fiscalizar a entrega desses mesmos serviços. Para o MPTC, ambos deixaram de executar corretamente seus contratos. O Consórcio Florianópolis Monumento deveria fazer as obras de restauração e Prosul-Concremat, fiscalizar a execução do contrato.
No caso do consórcio que deveria fiscalizar a execução das obras, o procurador Diogo Ringenberg pede a devolução total dos R$ 19,4 milhões, pois, segundo ele, a obra foi entregue com apenas 31% do total contratado e no dobro do prazo estipulado, além de não ter sido cobrado uma multa de 10% do contrato pelos atrasos sucessivos na entregue dos serviços. Já sobre o consórcio responsável pela execução dos serviços, pela falta dos demais 69% da obra e também por que diante da demora na entrega os serviços, as obras entregues já perderam as garantias técnicas para manter a ponte sem riscos. Neste último caso, o dano aos cofres públicos, segundo o MPTC, é de R$ 63 milhões.
“Neste caso, o Deinfra fez de conta que a obra estava sendo realizada e os dois consórcios fizeram o que quiseram no contrato. Pedimos a devolução total porque as três plataformas, que ainda não sustentam o peso da ponte e não chegam a tocar na sua estrutura, já tiveram seus prazos técnicos de uso terminados. Tudo deverá ser feito novamente com prejuízo total ao erário”, explica Ringenberg. A auditoria do TCE entrou 21 irregularidades nos dois contratos. Entre as principais são as que desconsideraram a lei de licitações para promover termos aditivos e dos valores dos dois contratos e que praticamente todos os serviços executados fossem subcontratados, incluindo fundações e estrutura metálica, contrariando o edital de concorrência e uma das cláusulas de contrato, sendo motivo, inclusive, de rescisão contratual.
Ponte não caiu de teimosa
Em 1982, a Steinman Boynton Gronquist & Birdsall, empresa responsável pela ligação entre a ilha e o continente em 1926, avaliou que o reparo na barra de olhal rompida não era suficiente para restaurar as condições de estabilidade. Em 2009 e 2014, o próprio Deinfra, em trabalho de inspeção de campo, apontou diversos problemas estruturais que colocam em risco a higidez da ponte, até hoje não houve reparo das barras de olhal.
Em resposta a pergunta “Há risco real de acidente?”, os mesmos técnicos do Deinfra respondem que “sim, o estado de deterioração da obra bem como o não funcionamento da articulação das barras de olhal levam a existência de alto risco de colapso no caso de ocorrência de situações críticas, por exemplo, ventos constantes superiores a 100km/h.”
Leia na íntegra em Notícias do Dia Online, 28/09/2015.
Meio bilhão, zero retorno
O Ministério Público de Contas pediu ao Tribunal de Contas de Santa Catarina que determine ao governo do Estado a criação de um Plano de Contingência e alerte aos moradores que moram perto da Ponte Hercílio Luz, em Florianópolis, sobre o risco de colapso natural da estrutura do cartão-postal. As medidas estão numa resolução emitida sexta-feira. O documento soma o valor gasto com as tentativas de reforma da ponte, interditada desde 1982. No total, foram R$ 562 milhões no período que abrange 11 governadores estaduais (nove eleitos e dois vices que assumiram), 16 contratos e incontáveis estudos técnicos. Apesar do volume de dinheiro aplicado na restauração, hoje ainda não há sequer a nomeação da empresa que irá, efetivamente, concluir o restauro.
Nesta soma estão os valores dos contratos firmados pelo governo estadual para manutenções emergenciais e restauração da ponte, além de financiamentos e potencial prejuízo causado ao município pela não utilização da estrutura. O procurador Diogo Ringenberg, responsável pelo trabalho, afirma no documento que “os valores até então investidos na manutenção e recuperação da estrutura, muito pouco repercutiram em favor da sociedade catarinense. Depois de tantos anos e muito dinheiro público comprometido, nada mudou. A precariedade da conservação da ponte é potencialmente a mesma de 1980”. Adiante, arremata: “É forçoso concluir que a gestão pública das obras destinadas a devolver ao uso a ponte é fortemente marcada pelo irrazoável e ilegítimo”.
Consta na ação que a ponte, desde sua concepção na década de 1920, já era um “sorvedouro” de verba pública, pois o valor de sua construção só foi quitado meio século após inauguração. O custo total da construção teria representado o dobro do orçamento do Estado na época.
No documento, o procurador argumenta pela necessidade urgente de duas medidas de prevenção em caso de colapso da estrutura. A primeira delas determina que as pessoas que morem ao redor da ponte, bem como os estabelecimentos comerciais ali alocados, sejam oficialmente notificados por escrito sobre o risco de desabamento. A segunda medida determina que o Estado formule um plano de contingência para o caso de desabamento da Ponte Hercílio Luz.
Estudos mostram perigo iminente
Ringenberg se baseou em estudos da Associação Catarinense de Engenheiros e declarações de empresas que trabalharam na ponte, além do próprio Departamento Estadual de Infraestrutura (Deinfra). Todos advertiram para os riscos de colapso. Uma carta enviada ao governo estadual em 1982, escrita pela empresa americana responsável pela construção da Hercílio Luz, a Steinman Boynton Gronquist & Birdsall, advertia que o reparo na barra de olhal (causa inicial da interdição) não era suficiente à estabilidade da ponte. A empresa determinava também medidas como monitoramento diário, especialmente em dias de tempestade, remoção das pessoas ao redor e proteção ao tráfego.
O MPTC comparou os gastos da Hercílio Luz com a Ponte de Laguna, que tem dois quilômetros de extensão a mais e custou R$ 597 milhões. Já a ponte JK, em Brasília, foi erguida com R$ 160 milhões que corrigidos, chegariam a R$ 360 milhões.
Diretoria de Controle analisará gastos das últimas três décadas
A resolução contendo toda a investigação do Ministério Público de Contas sobre os gastos com a Ponte Hercílio Luz foi protocolada no Tribunal de Contas do Estado no final da tarde de sexta-feira. Segundo informações da Corte, o processo agora será submetido à Diretoria de Controle de Licitações e Contratações (DLC), que analisará o conteúdo dos documentos.
Ontem, a Defesa Civil de Florianópolis disse que não trabalha com a hipótese de colapso na Ponte Hercílio Luz. A informação é do diretor José Cordeiro Neto. Segundo ele, notificar os moradores também não está previsto. A Secretaria de Defesa Civil do Estado foi procurada, mas informou que a responsabilidade por um plano de segurança em relação à ponte é da entidade municipal.
O Deinfra, por meio de assessoria, afirmou que todos os esforços e recursos do poder público dispensados na ponte são direcionados para a preservação da estrutura enquanto patrimônio histórico tombado. O órgão lembra também que o trabalho emergencial que está sendo realizado pela Empa – responsável por erguer as quatro torres de sustentação inferior – serve como prevenção para o caso de um possível colapso.