24 mar Evitar o desperdício de água ainda é a melhor atitude para prevenir o desabastecimento
Domingo (22), na data em que se celebra o Dia Mundial da Água, há mais razões de preocupação e reflexão do que de comemorações. No Relatório Mundial sobre Desenvolvimento de Recursos Hídricos 2015 divulgado na sexta-feira (20), a Organização das Nações Unidas (ONU) adverte que a demanda do mundo por água crescerá em 55% até 2050, quando o planeta deverá comportar uma população de 9,1 bilhões de pessoas, contra os atuais 7,2 bilhões. Mas a crise hídrica que compromete o abastecimento principalmente no sudeste do Brasil tem pelo menos um aspecto positivo: a mudança de atitude em relação ao cuidado com a água. Enquanto medidas de conservação do solo e da água são apontadas por especialistas como a forma de solucionar definitivamente esse problema, a curto prazo economizar é a principal atitude para diminuir o risco de desabastecimento.
Apesar da proximidade com regiões que estão sendo atingidas pela seca, o estado catarinense não foi comprometido. “Nunca se tinha visto tão perto um problema de abastecimento. O mais perto que a gente tinha era o Nordeste. Hoje, a gente vê que está em São Paulo, e que o problema pode ser gestão, pode ser ambiental. É mais provável que tenha sido um conjunto de fatores.” avalia Israel Matiola, chefe do setor operacional da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan). De acordo com ele o alerta serviu de exemplo para a empresa ficar mais atenta. “Se aconteceu com a Sabesp, uma das grandes do país, que tem muito mais condições, muito mais estrutura, daqui a muitos anos pode acontecer aqui. Hoje, nós não temos previsão.”
Consciência
O outro elemento importante desta equação, apontado pelo engenheiro, é o consumidor. Na avaliação dele, a população começa a ficar mais consciente ao acompanhar as dificuldades dos paulistanos em conviver com problemas de abastecimento. O que a empresa observa é que, mesmo assim, a consciência é maior de quem está nas pontas de rede e nos locais mais altos. O problema são os consumidores que estão no início da distribuição, onde a água é abundante e de qualidade, a pressão é boa e o volume também. “Essas pessoas têm a impressão de que não falta. E se não falta nunca, gasta à vontade, porque o preço da água é muito barato em relação ao benefício e à necessidade dela”, adverte Matiola.
O fundamental, para o chefe do setor operacional, é cuidar do ciclo hidrológico. “A água doce disponível no planeta é pouca, mas renovável. Pode-se até gastar à vontade desde que se mantenha o ciclo hidrológico. O problema é quando o fator climático começa a mudar e já não chove o esperado, ao mesmo tempo em que a população cresce, o que representa o começo da quebra do ciclo.” A gestão das empresas de saneamento também deve estar voltada para o cuidado dos mananciais para que o ciclo seja ecologicamente sustentável.
A população consumidora pode colaborar instalando sistemas de reaproveitamento de água, assim como a captação de chuva. Na avaliação de Matiola, o mais simples é a captação da água da chuva por um sistema de calhas, um poço ou uma cisterna para o armazenamento. “É possível usar essa água para o vaso sanitário e para a limpeza de calçada, por exemplo. É um desperdício utilizar água tratada para o vaso sanitário.”
Tecnologia
A Casan vem desenvolvendo alternativas para diminuir o desperdício e agilizar o atendimento nos casos de vazamentos. Um sistema de telemetria remoto que mede o volume de água que passa pelos hidrômetros e um controle de pressão são as ações mais imediatas. Esses sistemas são acoplados aos hidrômetros de grandes consumidores como prédios, shoppings, hospitais. O monitoramento é feito por uma central que acompanha a vazão e o volume disponibilizados.
Para diminuir os prazos de atendimentos, a empresa também está desenvolvendo um software para ser utilizado via tablet. As equipes que estão nas ruas vão receber automaticamente a ordem de serviço e o prazo para executar a manutenção, de acordo com uma ordem de prioridade.
Outro programa que está em desenvolvimento é um aplicativo para smartphones que tornará possível tirar fotos do vazamento e, através de uma conexão com a internet, enviar diretamente para o site da empresa. “Estamos trabalhando para diminuir o tempo de resposta. No nosso site já é possível alertar a Casan.” Para Matiola, o grande fiscal e a melhor forma de a empresa saber de um vazamento ainda é pela população. “É a inspeção visual, é a população que avisa que está tendo um vazamento na rua ou que está sem água”, ressaltou.
Parlamento catarinense prioriza ações de preservação da água
A criação do Dia Mundial da Água foi proposta em 1992 pela Organização das Nações Unidas (ONU) com a publicação da Declaração Universal dos Direitos da Água. O documento lista em dez itens a importância desse recurso para a vida e a necessidade de sua preservação para o futuro do planeta. A declaração também defende que “a utilização da água implica em respeito à lei. Sua proteção constitui uma obrigação jurídica para todo homem ou grupo social que a utiliza. Esta questão não deve ser ignorada nem pelo homem nem pelo Estado.” O Parlamento catarinense, atento às necessidades específicas de Santa Catarina, busca, por meio das comissões permanentes, dos fóruns parlamentares e iniciativas individuais, proteger e fiscalizar o uso desse recurso essencial para o desenvolvimento.
Um dos destaques das políticas de preservação está relacionado ao fato de o estado estar localizado em sua maior porção sobre o Aquífero Guarani, um dos mais importantes mananciais de água potável do mundo. Em Santa Catarina ele abrange uma área de 49.200 km². Toda a Bacia do Rio Uruguai, por exemplo, está sobre o aquífero. Cerca de 2,1 milhões de pessoas no estado estão concentradas sobre ele, sendo mais de 550 mil somente nas áreas de recarga direta. Aqui também estão alguns de seus principais afloramentos, onde a água se aproxima da superfície. O Fórum do Aquífero Guarani e das Águas Superficiais, criado em 2003 e que retomou suas atividades a partir de 2012, trabalha em torno de medidas básicas para avançar na sua preservação.
A ausência de uma política que pense a gestão da água afeta o aquífero de diversas maneiras, desde a perfuração indiscriminada de poços artesianos até a utilização de agrotóxicos. Esta é a justificativa do Projeto de Lei (PL) 6/2015 apresentado pelo deputado Padre Pedro Baldissera (PT), que propõe a sinalização de 37 locais inseridos na Zona de Recarga Direta do Aquífero Guarani. Para o parlamentar, esta não é uma ação simplesmente indicativa à população, mas principalmente para informar o perigo de contaminações no entorno de onde ocorre a recarga. “Nós temos pesquisas do projeto Rede Aquífero Guarani e Serra Geral que apontam perigo de contaminação significativo nessas regiões. Prova disso é o fato de que os rios das bacias estudadas e as águas dos poços artesianos pesquisados apresentam o mesmo tipo de contaminação. Além disso, com a sinalização é possível iniciar também um processo de educação ambiental onde existem esses locais de recarga”, explicou.
Iniciativas individuais
O deputado Baldissera também reapresentou este ano o PL 586/2013 que cria uma política estadual de incentivo à produção orgânica, com o objetivo de reduzir a aplicação de agrotóxicos diminuindo os danos ao solo e aos mananciais hídricos.
Já o deputado Narcizo Parisotto (DEM) protocolou em 11 de fevereiro o PL 12/2015, que visa instituir uma campanha de conscientização para o uso racional da água. De acordo com o deputado, a ideia é abrir um grande debate envolvendo entidades públicas e privadas, associações e o governo do estado. “Queremos comprovar que, quando cada um faz sua parte, é possível alcançar resultados positivos.” O projeto sugere algumas temáticas como: formas de evitar o desperdício, os sistemas de captação e armazenamento da chuva e a reutilização da água. No momento, o PL tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Barragem do Rio do Salto
A construção da Barragem do Rio do Salto, no município de Timbé do Sul, também é tema de um fórum parlamentar na Alesc. A obra, que se arrasta por mais de 30 anos, teve em 2014 sua licença ambiental anulada por determinação do Ministério Público (MP) que exigiu um novo Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o respectivo Relatório de Impacto Ambiental (Rima). Os documentos são necessários para o requerimento de uma nova Licença Ambiental Prévia (LAP) à Fatma para desencadear o processo de licitação da obra, orçada em R$ 109 milhões.
Na última semana, o processo foi novamente questionado pelo deputado Valmir Comin (PP), presidente do fórum que acompanha a obra. O parlamentar fez novo pedido de informações à Casan solicitando que sejam esclarecidos todos os detalhes referentes aos procedimentos do processo de liberação e construção da barragem. “Até então estavam alegando problemas de impacto ambiental. Agora dá para entender que isso é uma desculpa. Nossa região não merece esse tratamento”, disse.
O desagravo do deputado se deve à informação de que, com o intuito de ampliar o valor do investimento nas obras da adutora Chapecozinho, o Estado teria aberto mão de recursos que seriam investidos na barragem. Para o parlamentar, a obra é essencial, pois contribuirá não somente com a garantia do abastecimento urbano, mas também com a regularização do nível de água, o que evitaria enchentes. A rizicultura, o agronegócio e ainda projetos turísticos também seriam favorecidos. “Não consigo entender o que foi acertado. Nosso povo e nossa gente merecem respeito, isso foi omitido de nós parlamentares que lutamos por essa obra há anos.”
Complexo lagunar de Sombrio e Caverá
A comissão permanente que trata do Turismo e do Meio Ambiente na Assembleia atua na fiscalização e na proposição de ações de preservação dos recursos hídricos do estado. Atualmente a comissão está envolvida diretamente com a proposta de criação de uma unidade de conservação no complexo lagunar de Sombrio e Caverá, no Sul de Santa Catarina.
A proposta foi encaminhada pela Associação dos Municípios do Extremo Sul Catarinense (Amesc), que também elaborou um relatório técnico sobre o atual estado de preservação das lagoas. O documento foi entregue ao presidente da Fundação do Meio Ambiente (Fatma), Alexandre Waltrick, em reunião da comissão. Com base nos encaminhamentos tomados pela entidade, o presidente da comissão, deputado Gean Loureiro (PMDB), deve agendar uma visita de inspeção às duas lagoas para verificar o que pode ser feito. De acordo com o parlamentar, é possível que a visita seja feita na segunda quinzena de abril. “Dependemos de uma pré-análise da Fatma para conhecermos não somente os problemas, mas também as soluções possíveis.”
Segundo o prefeito do município de Sombrio, Zênio Cardoso, a retificação dos canais que abastecem as lagoas e a proliferação desenfreada de um tipo de grama têm causado o assoreamento e a diminuição da lâmina de água, além de dificultar a atividade dos pescadores artesanais. O complexo lagunar é responsável pelo abastecimento de oito municípios do entorno.
Poder Executivo
O governo do Estado, por sua vez, tem desenvolvido ações para a reestruturação dos Comitês de Bacias Hidrográficas. Os comitês desempenham um papel como órgão consultivo e deliberativo, esclarece o diretor de Recursos Hídricos da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável (SDS), Bruno Henrique Beilfuss. “São como braços da secretaria, que têm o papel de executar, dar as diretrizes, fazer a articulação local, ou seja, definir o que se quer dentro da bacia hidrográfica.”
De acordo com o diretor, a função dessa reestruturação é dar melhores condições de trabalho para os comitês fornecendo apoio logístico e apoio técnico para que eles possam realizar o seu papel. “O modelo é pensar em uma entidade, organizada de forma regional, que possa dar esse suporte geral aos comitês, fortalecendo a sua estrutura.”
Além da continuidade dos Planos de Bacias Hidrográficas, a secretaria também está focada no planejamento do Plano Estadual de Recursos Hídricos. “É uma ação conjunta com o SC Rural e o Banco Mundial que estão previstas dentro do plano do SC Rural até 2016”, explicou Beilfuss.
O plano visa o aprimoramento do instrumento de outorga. “Esse é um instrumento básico em termos de gestão de água que orienta o direito de uso. Sem conhecer quem são os usuários, quais são as demandas e a disponibilidade de água não é possível fazer a gestão como bem público”. A intenção do governo é buscar meios de dar agilidade ao processo e melhorar a qualidade na decisão.
(Alesc, 20/03/2015)