Colírio que redime

Colírio que redime

(Por Sérgio da Costa Ramos, DC, 09/10/2014)

Diante da visão da Lagoa da Conceição na manhã de ontem, penso, existo e reflito:

– Sou um privilegiado por estar vendo esta paisagem – e por mais que já a tenha visto, nunca me cansarei de revê-la, uma vez ou um milhão de vezes.

Para combater a feiura moral que impregna o país, como o seu ondulante mar de detritos, abrigo-me na Lagoa da Conceição – espécie de lenitivo para os sentidos, conforto para a alma e para o coração.

Contemplo a Lagoa do alto do “Morro do Padre Doutor”, como a elevação das sete voltas era conhecida desde o século 19. A conjunção carnal do Atlântico com as dunas, a Joaquina e a Mole, é obra digna do Paraíso, assinada “pessoalmente” pelo Todo-Poderoso e reverenciada pelo próprio imperador D. Pedro II, ali recebido pelos bons ofícios do padre D. Boaventura Cardoso, “cura” da freguesia, em 1865.

É indizível a sensação do brusco aparecimento do “umbigo da Ilha” à beira do Atlântico, verdadeira água-marinha abraçada pela cama de areia fina e debruada pelo puro verde das encostas.

As dunas são paisagens naturais assinadas pelo Supremo Pintor há dez milhões de anos atrás, como cantaria o saudoso roqueiro Raul Seixas. São aquarelas pintadas pelas correntezas dos rios, das lagoas, dos mares – e modeladas pela força eólica dos ventos. Movediças, elas estão sempre “nuas”, ou vestidas apenas por uma vegetação rasteira, assemelhando-se a colossais cones de farinha de trigo.

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Virgílio Várzea, nosso maior “marinhista”, ele próprio um marinheiro que conheceu os cinco oceanos e navegou os sete mares, deixou um retrato deste “recanto de terras e águas que é dos mais belos do planeta”. No livro A Ilha, publicado em 1900, ele capricha neste quadro de arrebatadora beleza:

“Poucos lugares do globo possuirão praias tão bonitas quanto as da Ilha de Santa Catarina, com suas dunas e suas duas Lagoas. Brancas, de uma alvura reluzente ao sol, ou de um vago amarelo rebrilhante, abertas em meia-lua, as areias se espreguiçam mansamente entre as enseadas em calma…”

Elas, as dunas, se deitam ao sol – e, no verão, as donas se deitam sobre as dunas, totens de pura beleza.