08 set Falta de políticas para preservar mananciais coloca abastecimento em risco na Grande Florianópolis
A proximidade da época mais quente do ano preocupa o pescador Ildo Hercílio Pereira, 74 anos. A água que desce do Morro do Ribeirão e abastece a sua casa e demais moradias na Caieira da Barra do Sul está cada vez mais escassa. No verão, a cachoeira seca, e o abastecimento da Casan (Companhia Catarinense de Águas e Saneamento), que nem sempre é regular, não é a melhor opção. Sem saber até quando a água continuará brotando entre as rochas, a única certeza do pescador é a de que “a água fornecida pela Casan não é boa para beber, nem para tomar banho”.
Mas não é só no Morro do Ribeirão que a água límpida pode desaparecer. Segundo relatório do TCE (Tribunal de Contas do Estado), publicado na última semana, os órgãos competentes não têm implantado medidas de proteção dos mananciais subterrâneos e superficiais — aquíferos Ingleses e Campeche, Lagoa do Peri e os rios Vargem do Braço e Cubatão, em Santo Amaro da Imperatriz. Isso poderá em breve comprometer o abastecimento de mais de um milhão de usuários na Grande Florianópolis.
O processo de monitoramento do TCE aponta que, das quatro medidas propostas para implantação do programa permanente de proteção das águas subterrâneas dos aquíferos Ingleses e Campeche, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Sustentável estava cumprindo, parcialmente, apenas a que trata do cadastramento dos usuários dos aquíferos, do qual 4,1% foram cumpridos. As obras de adequação da ETA (estação de tratamento de água) do Morro dos Quadros, que deveria ficar pronta este ano, se arrasta entre períodos de trabalhos e abandono das obras. Segundo a Casan, por problemas técnicos e executivos (local, solo, licenças) houve um atraso na obra e ela deve ficar pronta no final de 2015.
Não existem levantamentos capazes de apontar a capacidade de fornecimento das reservas, que sequer foram classificadas conforme determina a legislação para que o líquido passe pelo tratamento adequado. Níveis de alumínio acima do permitido, excesso de cloro na água e até mesmo contaminação biológica foram apontadas nos relatórios mais recentes sobre a qualidade da água. O TCE ainda alerta que não existem licenças ambientais para a captação da água na maioria das estações.
Para Luiza Kaschny Borges, diretora de operações da Agesan (Agência Reguladora de Serviço de Saneamento Básico de Santa Catarina), que faz acompanhamento da qualidade da água e esgoto, o não atendimento às legislações — classificação e as licenças ambientais — impedem o tratamento adequado da água captada. “Os mananciais não estão enquadrados em classes como estabelece a legislação e muitas estações não têm licenças ambientais. Desse modo, fica praticamente impossível fazer um acompanhamento adequado, pois cada classe tem um tipo de tratamento químico diferente”, explica.
Captação alternativa sem controle
Prática comum tanto no Norte da Ilha como no Campeche, a captação através de ponteiras — retirando a água do lençol freático — é feita sem qualquer tipo de acompanhamento técnico, aumentando ainda mais as chances de contaminação das reservas. “Inexiste controle de toda água extraída do manancial subterrâneo e se desconhece toda carga poluidora que nele penetra”, registraram os técnicos do TCE. Uma das indicações à Prefeitura de Florianópolis era para a suspensão da captação alternativa onde houvesse fornecimento regular pela Casan, o que nunca aconteceu.
No Norte da Ilha, duas pesquisas da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) alertaram a presença de coliformes totais e fecais na água das ponteiras. As pesquisas demonstram que há contaminação da água subterrânea em virtude das fossas sépticas e sumidouros e que não há controle por parte dos órgãos públicos do funcionamento destes equipamentos, comprometendo a qualidade das águas para abastecimento público no longo prazo.
Diante da natureza insular, as águas subterrâneas estão sujeitas a duas ameaças de contaminação, segundo alertaram os técnicos do TCE. Uma é a exploração além da capacidade de recarga com possibilidade de intrusão salina. A outra é a utilização de fossas e sumidouros na área de abrangência dos aquíferos pela inexistência de rede coletora de esgoto doméstico.
O relatório ainda aponta perda de água durante a distribuição. Segundo informações da própria Casan, 40% da água captada não são faturadas, seja por defeitos na rede de distribuição, por falta de hidrômetros em residências ou pela utilização por parte da companhia para manutenção do próprio sistema. Uma perda estimada, porque a Casan não dispunha de medidores para registrar a saída de água das ETAs e dos poços, bem como da distribuição aos municípios que fazem parte do sistema.
Ainda este mês, a Casan deve lançar edital para fazer levantamento geofísico dos aquíferos do Norte da Ilha e Campeche. Com isso, a concessionária poderá dimensionar a capacidade de captação, evitando enxugamento, salinização e contaminação dos mananciais.
Esgoto oferece risco aos mananciais
O crescimento populacional desenfreado também foi apontado pelo TCE como ameaça de contaminação dos aquíferos locais. Segundo auditores fiscais, as regiões que abrangem os aquíferos Ingleses e Campeche não tinham rede coletora e de tratamento do esgoto doméstico gerados pelas residências e empreendimentos localizados em cima do reservatório natural de água, resultando em riscos a esses mananciais.
Nessa direção, o TCE reiterou a determinação para que a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Sustentável e Casan estabeleçam um programa que monitore tanto a quantidade quanto a adequação das ponteiras e fossas sépticas (sistemas individuais de tratamento de esgoto) localizadas na região dos aquíferos Ingleses e Campeche. A Ilha de Santa Catarina tem duas ETAs (estação de tratamento de água) que abastecem o Norte e o Sul da cidade. No Sistema Costa Norte funcionam 22 poços que captam água do aquífero Ingleses e enviam até a ETA. Já o Sistema Costa Leste Sul capta água da Lagoa do Peri e do aquífero Campeche, que tem 15 poços.
Em outubro do ano passado, Prefeitura de Florianópolis e Casan deram início a uma vistoria pela cidade com o programa Se Liga Na Rede. Pelo menos 14 mil domicílios foram vistoriados e segundo o relatório mais recente, 59% dos imóveis visitados têm ligações de esgoto inadequadas. No bairro Ingleses, onde está o aquífero considerado de melhor qualidade, o índice de ligações irregulares é de 80,5%.
Alumínio e contaminação biológica na ponta
Os relatórios mais recentes da Agesan sobre a qualidade da água detectaram alumínio acima do previstos na ETA Ingleses, nas Casas de Química dos poços Ciro e Dunas Verdes, índices que foram detectados em relatórios anteriores. Segundo a concessionária, a equipe técnica da gerência operacional realiza estudo na ETA Ingleses para identificar o que está levando a apresentação de residuais de alumínio na água.
Os resultados do laboratório contratado pelo TCE, para coleta e análises químicas da água tratada na ETA de Morro dos Quadros, na saída da ETA e em outros pontos do sistema de distribuição, indicaram que 75% e 62,5% das amostras analisadas apresentavam cloro e alumínio acima do padrão, respectivamente. Segundo a Agesan, nos relatórios anteriores a presença de alumínio acima dos níveis indicados aparecia na maioria dos pontos da rede, o que significa que a concessionária está tomando providências para regular a quantidade do metal na água.
No Rio Cubatão, os estudos apresentaram coliformes totais e Escherichia coli, caracterizando uma possível contaminação por efluentes domésticos. Na ETA Lagoa do Peri e na Casa de Química Monte Verde foi detectado cloro residual acima da faixa recomendada pelo Ministério da Saúde. Na Lagoa do Peri e na Lagoa da Conceição a turbidez aparece em diversos relatórios da Agesan.
Nos tratamentos nas águas subterrâneas captadas no Rio Vermelho (poços Ciro, Moçambique e Dunas Verdes) e na ETA Ingleses, a água sai com pH ácido e abaixo da faixa legal (6 a 9,5), podendo causar problemas de corrosividade e agressividade nas tubulações e órgãos acessórios. Em relação ao cloro residual, nove pontos apresentaram problemas referentes à ausência de cloro: Itacorubi, Cachoeira do Bom Jesus, Praia Brava, Costeira, Caieira da Barra do Sul, Pântano do Sul, Lagoa da Conceição, Barra da Lagoa e Rio Vermelho.
Entretanto, nas localidades da Costeira, Caieira da Barra do Sul e Lagoa da Conceição houve indicativo de contaminação biológica pelo parâmetro de coliformes totais. Na Caieira da Barra do Sul o caso é mais grave, já que o indicativo de contaminação é recorrente nos relatórios. O reservatório do Ribeirão da Ilha, que tinha problemas de coliformes totais em vistorias passadas, não tinha água para realizar a coleta e análises.
GRANDE FLORIANÓPOLIS
Municípios atendidos
Florianópolis
Santo Amaro da Imperatriz
Palhoça (municipalizado)
São José
Biguaçu
População
Grande Florianópolis: 1.012.831
Capital – 427.298
Ilha/consumo
50% – Norte da Ilha
30% – Sul/Leste da Ilha
20% – Centro
SISTEMA DE ABASTECIMENTO
O sistema Pilões atualmente trabalha com uma vazão de 2.200 litros por segundo (l/s). Cerca de 70% consomem água tratada no Morro dos Quadros, captadas no rio Vargem do Braço e Cubatão. Segundo a Casan, a outorga preventiva é para captar até 5.000 litros por segundo.
Uma das alternativas para os próximos anos pode ser a integração do sistema do Rio Tijucas no abastecimento da Grande Florianópolis.
Para atender a demanda atual e futura estão sendo executadas essas obras:
Ampliação da ETA Cubatão de 2000 l/s para 3.000 l/s – R$ 15.405.761,63
Macro adutora da ponte Pedro Ivo Campos até os bairros Itacorubi e Trindade – R$ 22.510.925,95
Terceiro trecho da adutora de 1.200 mm (trevo de Forquilhinhas até o Angeloni) – R$ 18.904.669,02
( Notícias do Dia Online, 08/09/2014 )