Adoção de crianças e adolescentes deve seguir Cadastro Único

Adoção de crianças e adolescentes deve seguir Cadastro Único

O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) adotou orientação interna para que, nos procedimentos de adoção de crianças e adolescentes, os Procuradores e Promotores de Justiça atuem para a obediência à fila do Cadastro Único Informatizado de Adoção e Abrigo (CUIDA). A decisão foi tomada com base na aprovação da primeira Tese Institucional, uma metodologia criada para orientar o posicionamento do MPSC em questões jurídicas adversas.

A decisão serve de sugestão para a atuação de Procuradores e Promotores de Justiça e reflete o entendimento majoritário dos Membros da instituição acerca desse tema controverso.

Na prática, quer dizer que a Tese Institucional aprovada define o posicionamento do MPSC em relação a situações como a de adoção conhecida como intuitu personae, que é aquela em que os pais biológicos ou representantes legais entregam a criança diretamente para uma família, sem a intermediação judicial.

O propositor da tese foi o coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CIJ), Promotor de Justiça Marcelo Wegner. Ele explicou a necessidade de definição de parâmetros que evitem transgressão às diretrizes legais e protejam a criança a ser adotada. Segundo ele, uma das principais práticas a serem inibidas é aquela em que a mãe recebe ajuda, seja em dinheiro ou amparo, em troca da entrega da criança à família.

Ao defender a tese de obediência ao Cadastro Único, o Promotor de Justiça justificou que a família adotante precisa ser preparada para entender o que é o processo de adoção e como funciona. O cadastro no CUIDA exige uma série de procedimentos comprobatórios da capacidade de adoção, a qual abrange cursos preparatórios, estudo psicossocial e comprovação de idoneidade.

Outra justificativa é a de que o índice de desistência da adoção é muito maior nas famílias não cadastradas em relação àquelas habilitadas nos programas do CUIDA. A rejeição ocorre por falta de preparação da família que idealiza uma situação que nem sempre condiz com a realidade. “Pensam que a criança não vai chorar, não vai ter problemas de saúde e, diante da primeira dificuldade, acabam devolvendo-a ao Judiciário”, lamentou o Promotor de Justiça.

Após a rejeição, nem sempre é possível encontrar uma nova família para aquela criança, já que muitos casais não aceitam crianças com mais de três anos de idade. O Promotor de Justiça comentou que a situação configura ações traumatizantes, por haver o histórico de não ter sido aceita pelos pais biológicos e, novamente, pela família que a adotou.

A necessidade de definição de parâmetros relacionados à adoção intuitu personae surgiu após haver registros de que o Judiciário estava aceitando o procedimento, embora não previsto na Lei n. 8.069/1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. O Promotor de Justiça explicou que há entendimento de doutrinadores de que vale o princípio do melhor interesse da criança. “Já que existe divergência, o MPSC adotou a Tese Institucional para firmar o seu posicionamento de que a lei deve ser cumprida, embora admita que haja uma sensibilidade na avaliação de casos específicos.”

Wegner explica, ainda, que a chamada adoção intuitu personae deve ser analisada em situações de Adoção Unilateral, que é aquela em que um dos cônjuges ou conviventes decide adotar o filho do outro, como,por exemplo, quando o padrasto manifesta interesse em adotar o filho da esposa.

Outra exceção admitida é quando o pedido for formulado por parente da criança com a qual haja vínculos afetivos e de afinidade ou quando o pedido partir de alguém que detenha a tutela ou guarda legal de criança com mais de três anos ou adolescente, desde que comprovado o vínculo.

Planejamento Estratégico

A consolidação de teses institucionais é uma ação prioritária no Planejamento Estratégico do MPSC. Surgiu diante da necessidade de uniformização dos entendimentos referentes a questões controversas de reconhecida relevância e com o intuito de fortalecer a atuação institucional.

O trâmite de apreciação das teses abrange inicialmente o debate do tema pela classe. Em seguida, o assunto é exposto à aprovação do Conselho de Teses Institucionais para numa última fase ser disponibilizado à votação eletrônica.

Ao todo são 410 Membros (Procuradores e Promotores de Justiça) ativos aptos a votar. As teses são aprovadas caso dois terços de, no mínimo, um quarto dos Membros da instituição se manifestarem favoráveis. Ou seja, a tese é adotada se receber, no mínimo, 102 votos e houver a concordância de pelo menos 68 deles.

O primeiro tema a ser submetido à apreciação dos Membros foi a obediência à fila única do CUIDA. Foi votado em 2013 e integra uma relação de oito assuntos que serão expostos à votação até junho de 2015. Entre os temas que o MPSC está debatendo estão meio ambiente, casos de embriaguez ao volante e tráfico de drogas. Assim que aprovadas, as teses serão amplamente divulgadas internamente e também para o público externo.

Confira a entrevista com o coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CIJ), Promotor de Justiça Marcelo Wegner:

MPSC – Que casos a Tese Institucional do CUIDA pretende evitar?

Marcelo Wegner – Vou citar uma situação concreta. Nasce uma criança e a mãe tem interesse de entregá-la para adoção. Acaba por levá-la para um casal determinado, o qual procura o Judiciário. Muitas vezes o Juiz, com concordância do Promotor de Justiça, decide deixar a guarda da criança com esse casal, enquanto se discute a destituição do poder familiar da mãe biológica. O fato de a criança ter sido entregue, em guarda, para uma família não cadastrada no CUIDA, acaba criando um vínculo que não é desejado. Por fim, essa família entra com um processo de adoção sem estar devidamente preparada.

MPSC – Então, qual é o sentido da tese?

Marcelo Wegner – A Tese Institucional tem o sentido de que, ao verificar-se uma situação em que cabe a adoção, essa criança seja entregue imediatamente para uma família que tenha condições e que esteja cadastrada no CUIDA. Pode-se pensar, então, que a família para a qual a criança foi entregue poderia ter condições de criá-la”, caracterizando,assim, um procedimento conhecido como intuitu personae (ocorre quando a criança é entregue para uma pessoa determinada). Essa modalidade de adoção gera uma série de questionamentos: primeiro, se houve algum tipo de negociação para a entrega dessa criança para esse casal. Provavelmente, não será possível saber porque esse tipo de acordo é efetuado de forma clandestina. Logo, o Ministério Público e a Polícia não têm como buscar provas de que houve eventualmente uma compra dessa criança. A Tese Institucional do CUIDA é uma prevenção para que não haja esse tipo de negociação ou outros tipos de crime.

MPSC – Por que é importante fazer o cadastro no CUIDA para entrar num processo de adoção?

Marcelo Wegner – Para se cadastrar no CUIDA, é preciso entender o que é a adoção e como funciona. Para isso, é necessário passar por vários procedimentos que demonstrem a capacidade de adoção, os quais abrangem cursos preparatórios, estudo psicossocial e comprovação de idoneidade. Ao se entregar uma criança para uma família não cadastrada, corre-se uma série de riscos, porque esta não foi preparada, não sabe o que é adoção e, muitas vezes, acha que está fazendo um favor para aquela criança. O índice de devoluções e de desistência de adoção de famílias não cadastradas é muito maior do que daquelas incluídas no programa.

MPSC – Quais os motivos que levam à devolução das crianças?

Marcelo Wegner – Não dispomos de dados precisos porque, infelizmente, o Brasil não possui estatísticas. Mas os estudiosos no assunto indicam que a desistência é muito maior no caso das famílias não cadastradas no CUIDA justamente pela falta de preparo. Ela acolhe a criança e muitas vezes acha que está recebendo uma mercadoria. As famílias despreparadas pensam que a criança não vai chorar e não vai ter problemas de saúde. Diante da primeira dificuldade, acabam devolvendo-a para o Judiciário. Dependendo da idade da criança, não se consegue mais entregá-la para adoção, porque poucos casais aceitem crianças com mais de três anos de idade. Somado a isso está o fato de a criança já estar traumatizada por não ter sido aceita pelos pais biológicos e, novamente, ser rejeitada pela família adotante.

MPSC – Por que o Judiciário aceita esse tipo de adoção, da entrega de uma criança para um casal determinado, se está previsto na Lei n.8.069/1990 que isso não pode ocorrer?

Marcelo Wegner – Essa doação intuitu personae realmente não está prevista em Lei. Porém, houve uma mudança há pouco tempo, com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Anteriormente havia uma divergência sobre se caberia a adoção fora do cadastro. Com a alteração,ficou estabelecido, definitivamente, que não cabe, salvo exceções. Muitos doutrinadores e, inclusive, operadores do Direito entendem que vale o princípio do melhor interesse da criança e usam uma série de outras interpretações para dizer que a Lei não é aplicável em todos os casos. Já que existe essa divergência, o Ministério Público decidiu expor à apreciação de seus Membros e firmar posicionamento de que a Lei tem de ser interpretada literalmente.

MPSC – Quais são as exceções que permitem realizar a adoção intuitu personae?

Marcelo Wegner – A guarda só poderá ser dada caso se trate de um pedido de Adoção Unilateral (aquela em que um dos cônjuges ou conviventes decide adotar o filho do outro). Outra exceção é se o pedido de adoção for formulado por parente com o qual a criança mantenha vínculos de afinidade e afetividade ou quando for oriundo de alguém que detenha a tutela ou guarda legal de uma criança com mais de três anos ou de adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade.

MPSC – Qual é o papel do Ministério Público no processo de adoção intuitu personae?

Marcelo Wegner – Nos casos de adoção, o Ministério Público tem o papel de autor, ao ingressar com uma ação, por exemplo. Mas em via de regra, ele tem o papel de custus legis (parecerista) ele faz o parecer do caso e pode pedir diligências. Normalmente, nas adoções em que a criança é entregue para a família com a concordância da mãe, o processo ocorre de forma voluntária, por meio do Fórum. Nesses casos, considerados a maioria, o Ministério Público faz um acompanhamento do processo e possivelmente pede diligências para proceder seu posicionamento sobre o caso.

MPSC – O que o Ministério Público pode fazer para evitar a adoção intuitu personae?

Marcelo Wegner – Pode recorrer da decisão judicial. Por exemplo, um Juiz acatou uma adoção intuitu personae (fora do cadastro do CUIDA). O Ministério Público pode fazer um recurso contra uma guarda provisória que foi dada naquela ação de adoção ou contra a própria sentença de mérito que concedeu a adoção. Muitos Promotores de Justiça estão recorrendo dessas ações e, por vezes, o Tribunal de Justiça não tem acatado o recurso do MP.

MPSC – O que a Tese Institucional muda na atuação dos Promotores de Justiça?

Marcelo Wegner – O objetivo da tese é que todos os Promotores de Justiça saibam qual é o posicionamento da maioria da instituição. Eventualmente, algum Promotor de Justiça pode entender que aquele posicionamento do Judiciário está correto e não recorrer, respeitando-se a independência funcional. Então, a Tese Institucional serve para dar um norte para os Promotores de Justiça, no sentido de que se deve obedecer ao cadastro do CUIDA. A tese tem papel orientador. É algo que o Ministério Público de Santa Catarina entendeu como legítimo e como um critério que deve ser obedecido.

(Ministério Publico, 16/07/2014)