Após denúncia de serviço ineficaz, governo prepara mudanças na comunicação das polícias

Após denúncia de serviço ineficaz, governo prepara mudanças na comunicação das polícias

Um dia depois da reportagem do “Notícias do Dia” denunciar que o serviço de radiocomunicação da SSP (Secretaria de Estado de Segurança Pública) é deficiente e inseguro, o secretário César Grubba determinou a instalação de uma comissão para trabalhar no projeto de sistema de radiocomunicação digital. O atual serviço funciona na modulação analógica, frequência 800 MHZ. O serviço é tão ultrapassado que a Polícia Civil nem o utiliza mais, prefere o telefone celular. Somente a Polícia Militar fala ao rádio, mas com ressalvas porque sabe que o aparelho é facilmente rastreado pela criminalidade.

Perguntado sobre o assunto, o governador Raimundo Colombo afirmou ontem, após participar de ato na sede da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) que ao término do contrato com a empresa Direta Telecomunicações o Estado pretende abrir um novo processo licitatório com o intuito de fazer a migração para o sistema digital. “Nós queremos fazer o digital, mas teremos que seguir um processo licitatório”, afirmou.

Por meio da assessoria de imprensa, o secretário César Grubba informou que a migração do sistema analógico para o digital, conforme recomendado pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) desde 2010, que será   estudado pela comissão criada ontem, tem o objetivo de atender o litoral e outras regiões do Estado. Grubba entende que o sistema digital é o ideal, mas requer uma demanda de recursos.

O deputado estadual sargento Amauri Soares (Psol), com grande experiência na Polícia Militar,   lembra que desde 2002, quando a empresa Direta firmou parceria com a SSP, o sistema apresenta falhas. “Na época eu trabalhava no Copom [Centro de Operações da Polícia Militar] e ouvia muitas reclamações de meus colegas”, diz. O tempo passou e a Direta não evoluiu. Continua oferecendo um serviço de péssima qualidade.

O presidente em exercício da Aprasc (Associação dos Praças de Santa Catarina), sargento Pedro Paulo Boff Sobrinho, 44 anos, ressaltou que existem locais em que o rádio não funciona, além de a facilidade de os criminosos entrarem na frequência da polícia.

Para evitar que a polícia seja rastreada nas áreas de fronteira de Santa Catarina, o governo federal disponibilizou R$ 14 milhões para instalação de um sistema digital para cobrir área de 82 cidades. O processo de licitação para aquisição desses transmissores em 380 MHZ já está na Gerência de Licitação que deve abrir a concorrência nos próximos dias.

Sem retorno. O jornal Notícias do Dia tentou novamente falar ontem com o diretor da Direta Telecomunicações, Renato Figueiredo, mas sem sucesso. A reportagem ligou para o número fixo da empresa, em Lages, deixando recado para a atendente. O celular do diretor está sempre desligado.

ENTREVISTA – Valdemir Cabral, comandante-geral da Polícia Militar de Santa Catarina

O comandante-geral da Polícia Militar de Santa Catarina, coronel Valdemir Cabral, confirma que o sistema de radiocomunicação não funciona em alguns locais e, além disso, a criminalidade ouve toda a conversa dos policiais. “Isto nos desagrada muito”, queixa-se. Cabral salientou que o contrato com a terceirizada Direta Telecomunicações termina em setembro, quando deverá que ser realizada uma nova licitação. “Não tem como fugir da legislação”, diz.

De acordo com Cabral, se a Anatel determina que o serviço deve ser digital ele será.  “Obviamente deveremos ficar alguns meses prejudicados no sistema de comunicação, mas isto é uma necessidade”, afirma. Ele explicou que na fronteira está sendo licitado um sistema para radiocomunicação digital, por meio do Enafron (Estratégia Nacional de Segurança Pública para as Fronteiras) e disse que estes dois sistemas têm de conversar.

Como deve ser a licitação?

Temos que ver o que está sendo feito na fronteira. O sistema que vamos licitar tem que casar com o da fronteira. O sistema que temos hoje atende apenas 80%. Temos algumas áreas de sombra, pois os nossos rádios não são digitais. Temos problemas com pessoas que escutam nossos rádios, isto nos dá muita insegurança. Os marginais se aproveitam disso, para saber onde estão as polícias, para cometer os crimes.

Esta licitação é para analógico ou digital?

Se a Anatel determina que seja digital, será digital.

Os rádios da PM operam somente no analógico. Eles vão para o lixo. Prejuízo de cerca de R$ 6 milhões?

Terá que ser feito um estudo bem sério. Se tivermos que mudar o sistema, vamos mudar. O sistema que temos com a Direta é casado: nós alugamos os rádios, é feito um pagamento mensal para cada equipamento utilizado. As repetidoras também. Se forem todas da Direta, a empresa que ganhar a licitação terá que montar esta estrutura em todo o Estado.

A Direta só opera em 800 MHZ. A licitação é para o sistema digital que opera em 380 MHZ?

Ou ela se adapta ou outra empresa será chamada. Obviamente vai ter um período de carência nosso, mas vamos ter que nos adaptar. Assim como antes, quando saímos do nosso sistema antigo ficamos um tempo sem conversar. Os bombeiros continuam no sistema antigo, eles não mudaram.

Sistema digital é mais eficiente

“Uma comunicação bem feita é essencial na área de segurança pública”. A afirmação é de Diógenes Tenório, secretário de Defesa Social de Alagoas, estado que já adotou o sistema digital para os órgãos de segurança. “Decidimos dar início ao processo de migração do analógico para o digital não apenas para atender a norma da Anatel, mas também para termos um sistema mais eficiente de combate ao crime organizado”, concluiu.

Alagoas implantou recentemente o sistema digital padrão Tetra e investiu R$ 15 milhões. Sobre os benefícios da iniciativa, o secretário Tenório enumera a capacidade de transmissão de dados, a conectividade, localização e rastreamento por GPS. “É a tecnologia a favor da segurança”, pontua.

Engenheiro de produção elétrica e consultor na área de telecomunicações, João Marcelo Corrêa destaca que a operação em caráter secundário expõe ainda mais as forças de segurança às interceptações de terceiros, uma vez que as ondas do sinal ficam vulneráveis, o que pode fazer com que a frequência caia mesmo sem o sinal ter sido invadido. “O sistema também é prejudicado, porque a empresa [Direta Telecomunicações] que presta o serviço em Santa Catarina não pode ampliar suas estações, melhorar a infraestrutura, nada. Então, se o sistema já é precário, nos próximos meses ele ficará pior”, afirma Corrêa, que tem 19 anos de experiência na área de telecomunicações. (Leonardo Thomé)

Manter o sistema analógico custa mais

Uma das justificativas do governo catarinense para não aderir ao rádio digital é o alto custo do sistema. Especialistas, entretanto, contestam essa versão com diferentes argumentos. “O custo do digital não justifica trabalhar com a ineficiência do analógico. Dinheiro investido em segurança tem retorno garantido para a população”, diz o engenheiro João Marcelo Corrêa.

Ele lembra que manter o sistema analógico custa mais caro, ao longo dos anos, do que implantar o digital. Além disso, ressalta, os órgãos de segurança de Santa Catarina não podem falar em custos do sistema digital sem antes fazer um estudo técnico das necessidades da polícia e da realidade geográfica do Estado. “Antes de dizer se é barato ou caro, é preciso estudar a realidade da região, a geografia, a quantidade de policiais… Enfim, fazer um estudo técnico, e não politiqueiro”, afirma.

Nelson Mendonça, gerente comercial da Alcon Engenharia de Sistemas, empresa com sede em São Paulo que implantou sistemas de radiocomunicação digital em 30 cidades brasileiras, lembra que no sistema digital os equipamentos têm garantia nos três primeiros anos de operação, sem custos de manutenção. “Você vai gastar menos, e agregar mais”, diz.

Para Mendonça, o sistema digital também proporciona uma melhor relação custo/benefício entre o investimento e o retorno. “A convergência à tecnologia digital permite a utilização das redes de dados ethernet (IP) para transporte das comunicações de voz e dados do operacional às centrais de controle, padronizando as topologias de rede, além de maior controle, confiabilidade e um melhor atendimento à população”, avalia.

No Brasil, os Estados de São Paulo, Alagoas, Espírito Santo, Paraná, Distrito Federal, Sergipe e Pará já implantaram ou deram início à implantação do sistema de radiocomunicação digital em segurança pública. O secretário-adjunto de Segurança Pública de Sergipe, João Batista dos Santos Júnior, explica que o edital de licitação está em fase final, e que a agilidade do sistema será um diferencial para as forças policiais sergipanas. “O digital permitirá agilidade na troca de informações e uma comunicação mais rápida entre todos os órgãos de segurança”, diz. (Leonardo Thomé)

Os dois sistemas

No mercado de radiocomunicação existem apenas dois padrões abertos e internacionalmente reconhecidos: Tetra e Apco P25. Em áreas de terra extensas, como Brasil, Estados Unidos e Austrália, o modelo mais utilizado é o Apco P25, que tem maior potência de transmissão das repetidoras, de acordo com o engenheiro João Marcelo Corrêa.

Outro ponto importante, reforça o engenheiro, refere-se aos rádios. “No Apco os rádios têm mais potência do que no Tetra, e muitas vezes também são mais econômicos. Pela potência do Apco, o número de bases necessárias para cobrir o Oeste de Santa Catarina, por exemplo, seria dezenas de vezes menor do que no Tetra”, explica.

O Tetra é um modelo europeu que nasceu para cobrir ambientes relativamente fechados, onde a densidade demográfica é alta, como é o caso dos países europeus, aeroportos, plataformas petrolíferas e regiões densamente povoadas, exemplos de regiões metropolitanas das grandes cidades, destaca Corrêa. “O Tetra funciona melhor na Europa porque lá os países são pequenos em extensão e têm grandes concentrações populacionais, o que demanda menos torres de transmissão e estações”, diz.

Independente do modelo, Corrêa lembra que é necessário sempre se fazer um estudo técnico antes de implantar qualquer dos dois sistemas, pois a Anatel trabalha com os dois modelos. “Para a Anatel importa só a frequência com que você vai operar,  que no caso da radiocomunicação digital em segurança pública é a faixa de 380 MHZ. Em Santa Catarina, no Litoral, o Tetra seria mais indicado. No Oeste, o Apco, pelo povoamento menor”, conclui. (Leonardo Thomé)

Em Santa Catarina a polícia é rastreada

Mais uma prova de que os criminosos rastreiam a comunicação foi comprovada ontem, durante entrevista coletiva no auditório da Deic (Diretoria Estadual de Investigações Criminais), considerada o braço direito da Polícia Civil. No meio dos 50 quilos de maconha, de 8.000 comprimidos de ecstasy e de 2.000 petecas de cocaína, o delegado Cláudio Monteiro mostrou um rádio HT e comentou para os jornalistas: “Estão vendo este equipamento? É com ele que os traficantes ouvem o que a polícia fala. Por isso preferimos o telefone celular para nos comunicar”.

A preocupação do delegado é compartilhada com o comandante-geral da Polícia Militar, Valdemir Cabral. Ele afirma que a tropa se sente insegura quando fala ao rádio.

O contrato da empresa terceirizada que fornece o serviço de radiocomunicação com a Secretaria de Segurança Pública é a Direta Telecomunicações, que opera na modulação analógica e frequência de 800 MHZ, cujo resultado final é um sistema deficiente e inseguro. A possibilidade de a SSP reverter a situação é abrir um edital de licitação digital para o sistema de radiocomunicação na frequência de 380 MHZ, como recomenda a Anatel. (Leonardo Thomé)

( Notícias do Dia Online, 27/06/2013