09 abr Ameaça de demolição de casas deixa tensos pescadores, comerciantes e moradores de Naufragados
Inevitáveis, as lágrimas escorrem pelo rosto cor de sol e com marcas deixadas pelo vento que sopra do mar. Apreensivos, o pescador e comerciante Andrino Santino Borges, e a mulher, Antonieta Margarida Borges, ambos de 69 anos, passaram mais uma noite em claro. A insônia teve início há duas semanas, quando um oficial de Justiça enfiou por baixo da porta o mandado de intimação com ordem para demolição do restaurante que mantém em anexo a casa onde mora com a família, no canto esquerdo da praia de Naufragados, no extremo sul de Florianópolis.
Desanexada do Parque Estadual do Tabuleiro e incluída na APA (Área de Preservação Ambiental) da Baleia Franca, a praia atualmente é ocupada por uma dezena de famílias fixas, que vivem basicamente da pesca artesanal e do transporte marítimo dos turistas que preferem não se aventurar em caminhada de 1h20 pela trilha em meio à mata atlântica intocada, a partir do ponto final do ônibus da Caieira da Barra do Sul. Outros 23 imóveis de “veraneio” são ocupados somente na alta temporada e nos fins de semana.
Andrino foi um dos primeiros a chegar a Naufragados, em 13 de novembro de 1969. Veio de Paulo Lopes com os pais, atravessou a barra sul em canoa a remo, e inicialmente moraram na praia do Saquinho, no outro lado do costão. “Depois da morte de meu pai, viemos para cá, e aqui formei minha família. Se me tirarem daqui agora, é para morrer. Não tenho para onde ir, nem sei fazer outra coisa para sobreviver”, diz. Andrino e Antonieta tiveram seis filhos, e todos ainda moram em Naufragados.
Mais durão, Cláudio Maurino de Jesus, o Cravo, 54, engole as lágrimas, mas está tão apreensivo quanto o vizinho Andrino. “O poder público nunca fez nada por nós, nem por este lugar. Nunca fiscalizaram, deixaram construir, e agora querem expulsar”, lamenta.
Cravo está há 36 anos na praia, vindo da Baixada do Massiambu, em Palhoça, e também vive da pesca e do transporte de turistas. É ele quem também retira o lixo deixado por campistas de fim de semana.
Segundo a assessora jurídica da Floram (Fundação Municipal do Meio Ambiente), Martina Thiago, o órgão municipal ainda estuda como deverá proceder na demolição das propriedades em Naufragados. Segundo ela, dificilmente as demolições serão cumpridas neste dia 8 de abril, como determinado pela 4ª vara Federal de Florianópolis. “Como é um local de difícil acesso ainda precisamos estudar como será feita a operação”, disse. Uma das possibilidades dos técnicos, na impossibilidade de transportar maquinário para o local, é efetuar a derrubada com marretas.
Cerca de 20 processos demolitórios tramitam em diversas esferas da Justiça pedindo demolições na área de Naufragados. “São processos antigos e que tiveram diversos recursos, agora eles estão voltando com as sentenças de demolição”, explicou Martina.
Outro comerciante ameaçado de despejo em Naufragados é Flávio Argino Martins, dono do restaurante Golfinho Azul, não localizado ontem na praia. De acordo com despacho da 4ª Vara Federal de Florianópolis, a Floram deve requisitar força policial para fazer a demolição ainda hoje, “por se tratar de local de difícil acesso e da possível comoção dos proprietários”.
( Notícias do Dia Online, 08/04/2014)