12 ago Processo de ocupação e serviços urbanos no Maciço Central de Florianópolis: Serrinha e Alto da Caieira
Trabalho de Susan Eipper – Acadêmica do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFSC, Luís Fugazzola Pimenta – Professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFSC, Margareth de Castro Afeche Pimenta – Professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFSC (Coordenadora)
Resumo
A ocupação das encostas do Maciço Central de Florianópolis faz-se de forma descontrolada, causando riscos ambientais, inibindo áreas de uso público e ainda consolidando o processo de segregação das populações inseridas neste contexto. Assim, propôs-se a elaboração de um Plano Comunitário com diretrizes específicas para a ocupação da área em questão. Para tanto, fez-se necessário o desenvolvimento de diferentes trabalhos, dentre os quais destaca-se o diagnóstico sócio-espacial.
Introdução
O Maciço Central de Florianópolis, também conhecido como Morro da Cruz, é formado por uma cadeia de morros, próxima ao centro urbano da cidade. A história da ocupação do Morro inicia-se no princípio do século passado pela apropriação das cotas mais baixas por escravos libertos. Com o aumento da pobreza rural e urbana das últimas décadas, o processo se acelerou resultando na rápida cobertura dos topos dos morros centrais.
As encostas do Maciço Central são ocupadas de forma descontrolada, com edificações de baixa qualidade e sem um planejamento para áreas de uso público. Como conseqüência, resultam problemas ambientais como deslizamentos e inundações, o que contribui para a baixa qualidade de vida das populações. Outro fator agravante é a falta de interesse por parte do Poder Municipal em gerar melhorias para essas áreas. Essa posição tomada pelos governantes acarreta graves problemas como dificuldades com o transporte, com o acesso ao abastecimento de água encanada e energia elétrica legalizada, esgoto e lixo a céu aberto, ausência de serviço de correios, pois as ruas não possuem nomes e principalmente a segregação sócio-espacial que as populações dessas áreas sofrem.
Tendo em vista esses problemas, diferentes associações de moradores do Morro da Cruz reuniram-se em um fórum, o Fórum do Maciço Central de Florianópolis. E, por solicitação deste Fórum, o Laboratório de Análise Ambiental (LAAM) e o Núcleo
CIDADHIS da Universidade Federal de Santa Catarina propuseram a elaboração de um Plano Comunitário de Urbanização e Preservação para a área. Este plano é um projeto de longo prazo que consiste em trabalhar juntamente com a população, desenvolvendo trabalhos parciais e atividades que promovem o convívio entre Universidade e comunidades do Morro, para perceber e analisar sua cultura, seus costumes e seus anseios, tentando aproximar o futuro desenho urbano proposto à linguagem e às expectativas das comunidades.
Dentre os trabalhos parciais se encontra o diagnóstico sócio-espacial do Maciço Central de Florianópolis: História, Meio ambiente e Espaços públicos. Este trabalho consiste no levantamento de espaços de convívio e do comércio e serviços públicos do Morro, pois a concepção do Plano Diretor deve levar em conta a estrutura já existente.
Consiste também na designação de áreas de uso público e de convívio comunitário, o que é feito levando-se em consideração a história do local, os espaços onde são realizados eventos da comunidade e ainda a localização de áreas consideradas vazios urbanos para a implantação de projetos de caráter de uso público direcionados à Comunidade. O estudo dos vazios urbanos é realizado através da localização e do mapeamento dos proprietários de terras ainda verdes, no sentido de verificar as possibilidades de implantação dos projetos.
O convívio entre a Universidade e as populações do Morro torna-se imprescindível a partir do momento em que se anseia conhecer os valores e tradições dessas comunidades. Os trabalhos realizados com os alunos da Escola Básica Lúcia do
Livramento Mayvorme e os eventos proporcionados à comunidade são uma forma de vivenciar e participar de suas manifestações populares e promover encontros tanto instrutivos, que desenvolvam a educação ambiental, como comemorativos.
A união desses trabalhos resulta em uma melhor compreensão da área estudada, como também da população ali inserida, possibilitando o desenvolvimento de propostas mais adequadas aos anseios da comunidade.
Material e Métodos
Os trabalhos realizados no decorrer deste ano de 2004 foram o levantamento do comércio e serviços públicos do bairro da Serrinha, o levantamento dos grandes proprietários de terras do Morro, a definição de locais para projetos de espaços de uso público, os projetos, e ainda atividades com a comunidade do alto do Morro, principalmente com as comunidades do Alto da Caieira e Mont Serrat.
O levantamento de comércio e serviços foi realizado através de subidas ao morro, no primeiro semestre de 2004, entrevistando os moradores locais e identificando cada edificação ou espaço em um mapa base. Posteriormente, as informações obtidas foram transcritas e reunidas em um documento único sobre o qual foi feita uma análise.
O levantamento dos grandes proprietários de terras do Maciço Central de Florianópolis foi uma continuação do trabalho iniciado no ano de 2003. Diversos moradores foram entrevistados para se obter informações sobre quem foram os
primeiros proprietários das terras. Depois de juntar todas as informações foi feito um mapa do bairro da Serrinha que mostra as limitações de terra de cada proprietário descoberto.
No segundo semestre do ano de 2004 foram iniciados os projetos de espaços públicos juntamente com a disciplina optativa Assentamentos Urbanos de Baixa Renda do curso de Arquitetura e Urbanismo. O processo seguido foi, primeiramente, a
pesquisa de projetos já existentes, em outras regiões e países, para conhecer as diferentes soluções adotadas.
Posteriormente, os locais para a implantação dos projetos no Morro foram definidos e equipes foram formadas para o projeto de cada espaço.Cada equipe fez o levantamento de seu terreno, sendo ele fotográfico ou planialtimétrico com a ajuda de um monitor de topografia. Ao fim do semestre, obtiveram-se os estudos preliminares.
Paralelamente a esses trabalhos, manteve-se sempre o contato com a comunidade. Foram realizadas oficinas com os alunos da Escola Básica Lúcia do Livramento Mayvorme, eventos na escola e também o Dia das Crianças, no Alto da Caieira. Essas atividades ocorreram no decorrer do ano de 2004, com a participação de estudantes do curso de Arquitetura e Urbanismo, professores e técnicos da Universidade.
Resultados e Análise
A Serrinha pode ser segmentada em duas partes. Uma situa-se no pé do morro e apresenta um grande número de edifícios de quatro ou cinco pavimentos, arruamentos mais definidos e padronizados e construções mais normatizadas. Devido à proximidade da Universidade, a população residente predominante nesta área é de segmentos sociais médios, com forte presença de universitários. Já a parte mais próxima ao topo do morro apresenta uma população de classe mais baixa, construções predominantemente de um ou dois pavimentos e pode ser caracterizada como favela.
É neste contexto que se insere o trabalho da identificação e localização de espaços de convívio e do comércio e serviços no bairro da Serrinha. Na área mais próxima à Universidade, os estabelecimentos comerciais e serviços encontrados atendem principalmente à população de classe média que vive próxima.
Existe uma loja de roupas, alguns bares, o mercado Manhattan, muito utilizado pelos moradores locais, uma pizzaria, uma creche que atende uma população de renda mais alta e algumas costureiras.
À medida que se sobe o morro, as edificações ficam mais simples, o espaço sem organização e o comércio e serviços se mostram de caráter cada vez mais local e de pequena abrangência. Existem diversos bares e mercados, além de cabeleireiras, algumas mecânicas, açougues e igrejas, entre outras atividades.
A Rua Marcos Aurélio Homem mostra-se como a transição entre essas duas partes da Serrinha identificadas anteriormente. Nela se localiza uma escola básica que atende crianças até a quarta série e a Casa São José, que os moradores do morro
apontam como um centro comunitário, mas cuja finalidade é acompanhar e entreter as crianças nos horários em que estão fora da escola (figura 4). A Casa atende cerca de 90 crianças entre 7 a 11 anos e oferece apoio pedagógico, oficinas de arte, música, coral, atividades físicas e também o espaço para a comunidade utilizar em apresentações de bandas, capoeira ou qualquer evento que possa ser realizado. Além disso, a Casa São José é também uma capela, onde se realiza missa todos os domingos.
Segundo as entrevistas e conversas com os moradores do morro, o comércio, especialmente os mercados, apresenta preços elevados e é utilizado somente para a aquisição de mercadorias de pequeno valor. O principal local onde são feitas as compras é o supermercado Comper, localizado na Trindade. Os comerciantes do morro reclamam da falta de movimento e de que a maioria das vendas é feita a fiado.
As principais necessidades apontadas com relação ao comércio e serviços foram a carência de uma padaria, de farmácias, atendimento odontológico, um centro comunitário, outra creche, escola e principalmente de um posto de saúde, sendo que os moradores do bairro utilizam o posto de saúde situado na Agronômica.
A localização dos proprietários de terras do Maciço foi realizada através de subidas ao morro e de entrevistas sócio-espaciais com os moradores, representantes da comunidade local e com os próprios proprietários, o que permitiu a obtenção de informações a respeito dos antigos proprietários de terras, das dimensões e formas dos terrenos, além do processo de ocupação que a área sofreu. A partir destas entrevistas, ainda foi possível melhor localizar as áreas livres e verdes existentes, e relacioná-las aos lugares relevantes para a comunidade e mesmo para a cidade, sejam eles de importância
histórica ou recente.
Através deste trabalho, realizado juntamente com os alunos da disciplina de Assentamentos Urbanos de Baixa Renda, os limites das grandes propriedades do bairro da Serrinha e seus respectivos donos foram descobertos. Analisando o mapa, percebe-se que os lotes se encontravam paralelamente à rua principal. O que pode significar que já havia um caminho que subia o morro e que dava acesso aos lotes nas cotas mais altas do Maciço. Entretanto, ainda é necessário um aprofundamento histórico para poder concluir como se deu o processo de ocupação desta área.
Outro trabalho desenvolvido foi a elaboração dos projetos de espaços de uso público. Um dos locais definidos foi a bica d’água, um local historicamente importante para a comunidade, pois era fonte de água para os moradores e também onde as
lavadeiras realizavam seus trabalhos. A proposta seria revitalizar a área, tornando-a um local com novo uso, mas sem perder a importância de sua história.
Outro local foi o atual campinho de futebol no Alto da Caieira, uma das poucas áreas de lazer do morro que se destaca também por ser uma grande área livre e plana, bastante utilizada pelas crianças e jovens da comunidade. Entretanto não apresenta qualquer melhoria, nem mobiliário urbano, assim se torna importante uma intervenção no local, com a criação de áreas de estar em torno do campo e a adequação do mobiliário necessário.
Outro ponto foi a área em frente à venda da Dona Jandira, também localizada no Alto da Caieira. É um espaço atualmente bastante utilizado para a realização de eventos da comunidade, como o Dia das Crianças. Assim como o campinho, não apresenta a estrutura adequada para o uso que recebe. A estruturação de uma pequena praça neste local torna-se interessante, pois é uma solução que comportaria seu uso atual. A ligação entre estes dois espaços, campinho e área em frente ao bar da Dona Jandira, é feita através de uma escadaria em chão batido que não oferece segurança aos usuários,
especialmente aos idosos. Suas condições físicas são precárias, entretanto é um caminho muito utilizado pelos moradores.
Portanto, a proposta seria construir uma escadaria em concreto, integrada à pequena praça e trabalhada com áreas de permanência, que possibilitasse o deslocamento do fluxo de pessoas com a garantia de segurança e maior
facilidade para completar o trajeto.
O último ponto de intervenção foi o terreno localizado no Mont Serrat ao lado da Escola Básica Lúcia do Livramento Mayvorme, e de sua posse. É uma área grande que permite a inserção de diferentes atividades em um mesmo espaço. A proposta seria criar um anfiteatro, área para churrasqueiras, quadras de esporte, parquinho para as crianças, áreas de estar e outras atividades que seriam ligadas à escola. Seria, então, uma grande praça com acesso controlado pela escola, entretanto aberto à comunidade, e faria parte do projeto existente “Escola Aberta”.
Esses trabalhos foram realizados pelos alunos da disciplina de Assentamentos Urbanos de Baixa Renda, sendo que a minha participação foi especialmente no último trabalho especificado, o projeto da praça da escola. Dentre os estudos realizados, dois projetos foram desenvolvidos no Núcleo Cidadhis – Escadaria-praça do Alto da Caieira e Praça da Escola do Mont Serrat. Foram apresentados à comunidade, incorporados por ela a uma lista de obras de interesse social entregue aos poderes públicos para serem efetivadas.
Manter um contato entre as comunidades do Morro e da Universidade é uma maneira de amenizar os aspectos de separação entre as populações da área central de Florianópolis. Para tanto, desenvolveram-se diferentes oficinas para serem realizadas com os alunos da Escola Lúcia do Livramento Mayvorne – escola que atente às comunidades do Maciço – e também foram promovidos eventos, como o Dia das Crianças no Alto da Caieira. Estudantes e professores do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFSC, além de outros voluntários, fizeram parte da equipe que promoveu tais atividades. Este contato também promove trocas de conhecimento e traz experiências novas que já modificam, mesmo que às vezes em pequena escala, o cotidiano em que estas populações vivem.
As atividades realizadas, como dobraduras de papel (origami), confecção de caleidoscópios, oficinas de cerâmica, pintura, entre outras, são importantes para o desenvolvimento da criatividade dos jovens, além de ser uma alternativa à sua marginalização.
Os alunos da escola demonstraram grande interesse em todas as atividades desenvolvidas e a receptividade que obtivemos por parte dos integrantes da escola, sejam alunos, professores ou direção, faz perceber a carência de alternativas e atividades diferenciadas na rotina escolar e no cotidiano de cada um.
Considerações Finais
A realização dos trabalhos parciais e o convívio com as comunidades do Maciço Central mostram as dificuldades que essas populações enfrentam, como a falta de infraestrutura, problemas ambientais e segregação social, o que evidencia a importância deste trabalho e da elaboração de um Plano Diretor específico para a área, que possibilite melhorias na sua qualidade de vida.
Referências
PIMENTA, Luís Fugazzola; PIMENTA, Margareth de Castro Afeche. Habitação e Qualidade de Vida Urbana no Maciço Central em Florianópolis – SC. Anais do I Senisa – URB, 2002, Curitiba, I Seminário Nacional de Impactos Sócio-Ambientais Urbanos – Desafios e Soluções. Curitiba: UFPR, 2002, p. 799-807.
PIMENTA, Margareth de Castro Afeche; PIMENTA, Luís Fugazzola. Exclusão Política e Segregação Sócio-Espacial: O Caso do Maciço Central em Florianópolis, Anais do I Senisa – URB, 2002, Curitiba, I Seminário Nacional de Impactos Sócio-Ambientais Urbanos – Desafios e Soluções. Curitiba: UFPR, 2002, p. 1162-1169.
PIMENTA, Margareth de Castro Afeche; PIMENTA, Luís Fugazzola. Projeto de Atividade de Extensão: Diagnóstico sócio-espacial do Maciço Central de Florianópolis: História, Meio ambiente, e Espaços públicos. Plano Comunitário de Urbanização e de Preservação do Maciço Central de Florianópolis – SC. Florianópolis: UFSC, Bolsas de Extensão Programa 2004.
(EXTENSIO – Revista Eletrônica de Extensão, Número 4, ano 2006)