22 jan Juiz deve se manifestar nesta quarta-feira sobre área invadida na SC-401, em Florianópolis
O juiz especial agrário de Santa Catarina, Jeferson Zanini, que acumula as funções de titular da 1ª Vara Criminal do Fórum de Chapecó, pretende se manifestar “com urgência” sobre a Ocupação Amarildo Souza, que completa 37 dias em área particular localizada entre a margem norte do rio Ratones e a SC-401, na Vargem Pequena, Florianópolis. Até ontem, 400 famílias ocupavam parte do terreno de 25.160 m², a caminho das praias do Norte da Ilha.
A assessoria de imprensa do Fórum de Chapecó informou que o magistrado passou toda a tarde de ontem envolvido em audiências agendadas anteriormente pela vara criminal. Mas já tem conhecimento do processo remetido na segunda-feira pelo juiz Fernando Vieira Luiz, da 2ª Vara Cível da Fazenda Pública de Florianópolis, que considera a invasão um conflito agrário e, com base na Resolução 12/2000 do Conselho de Magistratura, se considerou incompetente para dar sentença.
Apesar do pouco tempo e da distância geográfica – cerca de 600 quilômetros entre as duas cidades -, o juiz Jeferson Zanini anunciará sua decisão no início da tarde de hoje. A transferência para a Justiça Federal, por conta da presença de 52 indígenas da etnia kaingang do Rio Grande do Sul, está temporariamente descartada.
Na 17ª Promotoria do Ministério Público de Santa Catarina, na Capital, o parecer do promotor Raul Rabelo é pela permanência do processo no juízo de origem, ou seja, a 2ª Vara da Fazenda Pública. Rabelo também sugere o cumprimento da liminar à ação de reintegração de posse à empresa Florianópolis Golf Club, emitida em 20 de dezembro do ano passado e suspensa na última segunda-feira.
Incra estranha reforma agrária urbana
No Incra (Instituto Nacional de Reforma Agrária), o superintendente regional em Santa Catarina, José dos Santos, aguarda a manifestação do juiz Jeferson Zanini. Santos nega qualquer articulação com o movimento, mas confirma que o órgão foi consultado por lideranças do acampamento sobre cadastros e propriedade do terreno.
De acordo com a pesquisa do Incra, originalmente a área era rural. “Atualmente, é registrada pela empresa Florianópolis Golf Club, em sociedade entre o empreendimento Costão do Santinho e o empresário Artêmio Paludo”, diz Santos.
O superintendente do Incra acha inviável a implantação de assentamento agrícola numa área urbana já consolidada. “É complicado, nunca fizemos reforma agrária na cidade”, afirma.
Caso o processo tramite mesmo na Vara Agrária, o juiz Jeferson Zanini deve convocar audiência pública, com a força-tarefa sobre conflitos agrários em Santa Catarina. A discussão envolverá o ouvidor agrário do Incra, Luiz Fernando Souza, e representantes do comando geral da Polícia Militar, da Secretaria da Segurança Pública, da Polícia Civil, dos órgãos ambientais federais, Assembleia Legislativa, Câmara de Vereadores, Prefeitura, proprietários e acampados.
“Precisamos saber quem são e suas verdadeiras intenções”, diz Santos. Segundo o superintendente do Incra, lideranças estaduais do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) em Santa Catarina descartaram qualquer articulação com o grupo acampado na Vargem Pequena. “Então, é fundamental saber quem são e o que realmente querem estas pessoas”, aponta.
Advogado ainda tenta reverter
O advogado Camilo Simões Filho, representante dos proprietários da área, pretende fazer plantão hoje no Fórum de Florianópolis, até encontrar-se com o juiz Fernando Vieira Luiz, da 2ª Vara da Fazenda Pública. Tentará, “de forma contundente”, convencer o magistrado a reconsiderar a decisão de encaminhar o processo para a Vara Especial Agrária. O argumento é um só: o terreno ocupado por 400 famílias é urbano, não rural.
Se não tiver sucesso e a ação não retornar à 2ª Vara da Fazenda Pública, o advogado entrará com recurso de agravo de instrumento no Tribunal de Justiça, para julgamento de competência. “Os proprietários pagam IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), não há cadastro no ITR (Imposto Territorial Rural)”, ressalta. O terreno, segundo a defesa, teve zoneamento modificado pela Prefeitura, inclusive com licenciamento municipal aprovado, para implantação de empreendimento de interesse social.
A defesa dos proprietários considera “equivocada” a decisão do juiz, que baseou-se em resolução do Conselho de Magistratura para transferir o processo. Não considerou o artigo 126 da Constituição Federal, que determina apenas conflitos agrários para juizados agrários. “Não é este caso. Em Florianópolis, estamos tratando de questão urbana. Uma invasão de terreno privado para reivindicar moradia popular”, critica.
A demora no embate jurídico, segundo o advogado, só interessa aos invasores. Camilo questiona também quem se responsabilizará pelos danos ambientais e patrimoniais causados à propriedade e aos proprietários. “O terreno é vizinho a uma estação ecológica”, lembra.
Prefeitura acompanha de longe
O prefeito Cesar Souza Junior não se manifesta publicamente, mas, de acordo com nota oficial emitida ontem pela Secretaria de Comunicação Social, a Prefeitura de Florianópolis “acompanha com atenção os desdobramentos da ocupação na SC-401”. A maior preocupação é com a presença de crianças e adolescentes sem condições básicas de saúde e higiene e não matriculadas na rede pública de ensino.
Na Secretaria de Habitação, atualmente estão cadastradas 14 mil famílias carentes, inscritas seguindo critérios definidos pelo governo federal e pelo próprio município. “Há casos de famílias na fila de espera há 20 anos. Invasões e ocupações não são critérios de prioridade na política habitacional do município”, ressalta a nota oficial.
Em 2013, foram entregues 86 unidades habitacionais (casas e apartamentos) nas comunidades do Monte Serrat, Morro da Caixa, Monte Cristo, Jardim Atlântico e Coloninha. Também anunciou a regularização fundiária de 60 terrenos da comunidade do Sapé.
De acordo com o novo Plano Diretor, foram reservadas 20 áreas na Ilha e no Continente para construções de moradias de interesse social. Em 2013, Florianópolis foi contemplada em projeto que beneficia 88 famílias com renda de até três salários mínimos, instaladas há 30 anos em palafitas na Ponta do Leal, no Estreito. O investimento é de R$ 5,6 milhões.
De acordo com a Prefeitura, comunidades do Monte Cristo/Chico Mendes, do entorno do maciço do Morro da Cruz, e a Vila Arvoredo/favela do Siri são exemplos clássicos de ocupações transformadas em comunidades consolidadas na Capital. Cresceram em áreas ambientalmente frágeis e sem a mínima infraestrutura urbana.
PROGRAMAS HABITACIONAIS
Prioridades na fila
– Renda de zero a três salários mínimos
– Idoso e portador de necessidades especiais
– Situações de risco (social, físico, geológico e insalubridade)
– Procedência de família numerosa e de coabitação (prioridade para segmento que tenha crianças e adolescentes)
– Tempo de moradia no município
– Morador titular ou dependente no cadastro socioeconômico e habitacional feito pela Secretaria Municipal de Habitação.
Fonte: Secretaria Municipal de Comunicação Social
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OPINIÃO
“Somos pela legalidade. Representamos uma entidade que trabalha com base na legalidade e, portanto, não é possível concordar com uma ocupação como esta em Florianópolis. Demonstra as deficiências do poder público e acentua os problemas de falta de infraestrutura básica”.
Hélio Bairros, presidente do Sinduscon (Sindicato da Indústria da Construção Civil de Florianópolis)
“Essa ocupação começou no dia 16 de dezembro do ano passado. O proprietário do terreno avisou a PM e uma viatura foi até o local. No entanto, como já havia famílias na área, a polícia não pôde fazer a remoção das pessoas. Só podemos agir quando tivermos uma decisão da Justiça. Estamos acompanhando essa situação e torço para que tudo se resolva de maneira negociada, sem fatalidades ou prisões”.
Tenente-coronel Silvio Gomes Ribeiro, comandante do 21º Batalhão da PM
“Essa ocupação é um problema com várias facetas. O que me preocupa é o viés ideologizado que está tendo. Não me parece algo espontâneo, mas que veio de fora. Mas sem dúvida há uma bolha imobiliária em Florianópolis e outras capitais brasileiras, e essas manifestações são reflexo do descaso com que o país tratou a problemática da moradia nos últimos anos. Agora é hora de esperar a decisão da Justiça”.
Dalmo Vieira Filho, superintendente do Ipuf (Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis)
“O que está acontecendo na SC-401 é um crime contra a propriedade privada. Nada justifica uma invasão. Os responsáveis por essa invasão deveriam ser punidos, pois aquela área não é rural, mas sim urbana. Por isso, acredito que não foi correta a decisão do Tribunal de Justiça de transferir o caso para o Juizado Especial Agrário. Essa situação fugiu do controle e deveria ter sido resolvida com a primeira decisão de reintegração de posse, ainda em dezembro”.
Jeferson da Rocha, presidente da Comissão de Direito Agrário e Questões do Agronegócio da OAB-SC
(Notícias do Dia, 22/01/2014)