Ligações clandestinas de esgoto sanitário elevam índices de poluição das baías de Florianópolis

Ligações clandestinas de esgoto sanitário elevam índices de poluição das baías de Florianópolis

Um dos cartões postais da cidade, as baías Norte e Sul de Florianópolis estão contaminadas faz tempo. A carga de coliformes fecais despejada diariamente pela região metropolitana mantém em vermelho os 15 pontos de coleta para monitoramento da poluição da água do mar. O permanente estado de alerta abrange, principalmente, a área central, pequenas enseadas entre os bairros João Paulo e Costeira do Pirajubaé, na Ilha, e Ponta de Baixo e Barreiros, na margem continental de São José.

“Monitoramos a poluição há 20 anos, e esta região está sempre assim, sem balneabilidade alguma”, confirma o gerente de pesquisa e análise de qualidade ambiental da Fatma (Fundação Estadual do Meio Ambiente), Haroldo Tavares Elias. No inverno, a coleta de amostras é feita mensalmente, enquanto no verão a análise é semanal.

Aparentemente utópica, a despoluição das baías ainda é possível. O primeiro passo é investir no sistema de tratamento do esgoto das áreas urbanas da Grande Florianópolis. “E punir quem insiste nas ligações clandestinas na rede de drenagem pluvial”, diz Tavares.

Na Vigilância Sanitária da Secretaria Municipal de Saúde, o gerente Jorge Artur Amorim Filho, no cargo há seis meses, não sabe ainda o resultado do projeto “Floripa ligado na rede”, lançado em novembro do ano passado em parceria com a Casan (Companhia Catarinense de Água e Saneamento). A meta era vistoriar pelo menos 40 mil residências e comércios. A atual administração, segundo a assessoria da VS, ainda faz o levantamento das ligações clandestinas na rede pluvial e o número de proprietários notificados pela fiscalização.

A Casan anuncia investimentos de R$103 milhões, em parceria com governo federal, para ampliação da rede coletora. A capacidade e a eficiência da estação de tratamento da região insular, na baía Sul, no entanto, são questionadas pelo Tribunal de Contas do Estado e Ministério Público de Santa Catarina.

Relatório da Fatma, de 2012, aponta irregularidades que comprometem o funcionamento da estação central. Foram detectadas 16 itens, desde a falta de licença operacional e falta de manutenção periódica, à contaminação do solo por vazamento de efluentes sem tratamento. A Casan garante que tudo foi corrigido.

Pescador vai mais longe, mas volta com rede cheia

freezer abarrotado de linguados, arraias, robalos, bagres, corvinas, tainhas e camarões é a prova de que história de pescador é para ser levada a sério. Mesmo em plena Beira-mar Norte, a mais importante via urbana de Florianópolis, onde o pôr do sol exuberante nem sempre compensa o odor desagradável do esgoto despejado sem tratamento todos os dias na baía.

A fartura que vem do mar não é novidade para Olices Teotônio Carpes, 46, presidente da Associação dos Pescadores da Ponta do Coral. Nascido e criado na Agronômica, a baía é como o quintal da casa dele, embora poluição e assoreamento o obriguem a navegar cada vez mais longe da costa para manter a média semanal de meia tonelada de peixes e 50 quilos de camarão.

“É aqui que trabalho com alegria. Minha outra profissão é para complemento da renda”, diz, no leme da Nicole, a velha baleeira de sete metros de comprimento. Gari da Comcap (Companhia de Melhoramentos da Capital), Olices não traz só peixes em suas redes. Ele também recolhe bonés, óculos, carrinhos e outros objetos descartados no mar, lixo que o colega José Carlos de Sousa, o Cacalo, 37, recicla e  transforma em artesanato e decoração dos próprios ranchos.

A poluição, segundo os pescadores, é agravada em dias de chuva. É quando o esgoto do morro Santa Vitória e do Hospital Nereu Ramos desce pelo riacho, ao lado da Casa da Agronômica, a residência oficial do governador do Estado. “Vem, inclusive dejetos hospitalares”, complementa Sílvio de Souza, 81.

Veterano na Associação dos Pescadores da Ponta do Coral, o aposentado nasceu em Sambaqui, mas na infância se mudou com a família para a Agronômica. Bom tarrafeador, Souza se lembra do tempo em que pescava camarão pela orla da baía Norte. “Da Agronômica até a ponte Hercílio Luz, eram várias prainhas limpas”, sorri. Quem não pescava, segundo ele, “se esbaldava de brincar na água”.

Solução é parar de poluir rede pluvial

O oceanógrafo Carlos Cassini, que monitora os índices de coliformes fecais nas baías Norte e Sul de Florianópolis, diz que a poluição, apesar de alarmante, ainda é reversível. “Basta parar de jogar esgoto na rede pluvial”, ressalta. É no Laboratório de Pesquisa e Análise Ambiental da Fatma que ele observa os efeitos da contaminação. “A parte central e mais urbanizada está 100% contaminada”, confirma. A poluição está relacionada diretamente a ligações clandestinas de esgoto doméstico à rede de drenagem pluvial. Ocorrem, também, falhas operacionais no sistema de tratamento da Casan.

“Na região central as condições são impróprias para banho há 20 anos”, confirma o gerente de pesquisa e análise da qualidade ambiental da Fatma, Haroldo Tavares Elias. Os pontos mais críticos estão próximos a foz de rios e nas áreas de baixa dinâmica das marés, como pequenas enseadas e sacos. “São locais de pouca oxigenação, onde, além da concentração de esgoto, há a sedimentação pelo acúmulo de matéria orgânica”, acrescenta Cassini. O assoreamento segundo ele, é causado pela derrubada da mata ciliar e das florestas no entorno dos rios.

Segundo recentes medições feitas pelo pescador Olices Teotônio Carpes, na área costeira a baía não passa de quatro metros de profundidade, com maré cheia, e pouco mais de um metro em períodos de baixa. “Tem uma camada de lama acumulada. Fundo mesmo só existe embaixo das pontes, onde o canal chega a 20 metros”, diz.

Remadores treinam ao lado do esgoto 

Pouca gente conhece melhor do que Eduardo Gomes, 61, os efeitos da poluição das baías Norte e Sul de Florianópolis. Veterano instrutor do Clube Náutico Riachuelo, Pezinho rema nas duas raias há 44 anos, e já viu muita sujeira acumulada na água e no que restou da praia da Rita Maria, entre as pontes Hercílio Luz e Colombo Salles, no encontro das duas baías. “Aqui sempre foi a fossa da cidade”, diz.

A instalação da estação de tratamento de esgoto insular, em 1998, no aterro da baía Sul, segundo Pezinho, ajudou a reduzir o índice de contaminação. Mas não resolveu. “A situação era pior antes da obra. Mas a cidade cresceu, as ligações clandestinas são muitas, e já se percebe novamente o aumento dos pontos poluídos”, ressalta. E mostra a vala que leva ao mar parte do esgoto não tratado das ruas Conselheiro Mafra, Francisco Tolentino, avenida Paulo Fontes e arredores.

Mais jovens, Eduardo Seara, 45, técnico da Seleção Brasileira Juvenil de Remo, e Marco Martins, 26, instrutor do Clube Náutico Francisco Martinelli, também já se acostumaram com a insalubridade das baías. Disfarçam o constrangimento, mas não deixam de ensinar os fundamentos do esporte mais tradicional da cidade a crianças e adolescentes.

“A base é fundamental para o futuro”, ressalta Seara. Para evitar o contato direto dos aprendizes com a água e o lodo poluídos, o Martinelli instalou flutuador na prainha da Rita Maria. “Facilita as manobras de entrada e saída da água sem risco de doenças”, ressalta Martins.

Entre os treinadores, a poluição é um obstáculo a mais no desafio de tornar o remo, novamente, esporte popular em Florianópolis. “Os clubes enfrentam dificuldades, mas estimulam. Não é fácil atrair atletas para um ambiente poluído”, lamenta Seara. “Somos persistentes. E acreditamos que um dia as pessoas deixarão de despejar esgoto na rede pluvial”, completa Pezinho, que há dez anos foi multado pela prefeitura, ironicamente, por causar poluição visual. “E fomos obrigados a tirar as placas dos patrocinadores”, lembra.

Casan aposta em integração regional 

Para a Casan, a despoluição das baías depende dos ministérios do Planejamento e das Cidades. Desde 2012 tramita em Brasília macro projeto orçado em R$ 849 milhões, com previsão de obras de saneamento básico em toda a região metropolitana de Florianópolis.

O  objetivo, segundo o presidente Dalírio Beber, é fechar em 100% a coleta e o tratamento na Capital e em São José, e implantar sistemas em Santo Amaro da Imperatriz Palhoça, Biguaçu e Governador Celso Ramos. “A expectativa é a despoluição total das baías. Devolver balneabilidade a praias tradicionais e solidificar a maricultura na região”, diz.

Na região continental de Florianópolis, a Casan aposta na ampliação da rede de coleta, que começará pelo Abraão e, segundo o cronograma de obras, em dois anos elevará a 100% o índice de tratamento. Os investimentos somam R$ 12,45 milhões, com dinheiro do PAC 2 (Programa de Aceleração do Crescimento) e financiamento da Caixa Econômica Federal. A contrapartida da Casan é de 5%. Serão implantados 33,4 mil metros de rede e seis estações elevatórias, com 3.175 ligações domiciliares. A estimativa é atender a 22 mil habitantes dos bairros Abraão, Capoeiras, Vila Aparecida e Monte Cristo. O esgoto será bombeado até a  estação de tratamento de Potecas, em São José, ampliada em 2010.

Esgoto que polui rios e mangues começa longe do mar

O esgoto acumulado e os sedimentos arrastados pela chuva contaminam também rios e manguezais que formam o ecossistema das baías. E não é despejado apenas por quem mora em Florianópolis. Vem de toda a região metropolitana, inclusive de municípios serranos, em alguns casos, a pelo menos 50 quilômetros do mar. Na Capital, apenas 55% da população têm o esgoto coletado e tratado.

A despoluição começaria com o fim das ligações clandestinas à drenagem pluvial. “A alternância de ventos e marés se encarregaria de reoxigenar áreas hoje impróprias a banhos”, diz o oceanógrafo Carlos Cassini. Entre os projetos de engenharia mais adequados Cassini aponta a implantação de emissários submarinos para bombear os resíduos até mar aberto, onde depressões existentes no fundo funcionariam como fossas naturais. “Nestes pontos, onde dinâmica das marés é mais intensa, o material sólido seria diluído com mais rapidez”, explica.

Há, também, alternativas como a utilizada em Balneário Camboriú, onde  foi instalada rede de drenagem complementar, paralela à avenida Atlântida. O sistema capta e filtra a água da chuva contaminada por ligações clandestinas, que é desviada às extremidades até alcançar o rio Camboriú e o canal Marambaia. “Aparentemente, limpou a praia Central, mas o esgoto é despejado no mar. E, dependendo do vento, pode voltar à orla”, diz Cassini.

Lá, o cheiro é o mesmo que apressou o passeio do casal Rubens e Jaqueline de Paula, 31, com os filhos Otávio e Milena, na  Beira-mar Norte. Encantados, os paulistas de Taubaté ficaram só o suficiente para tirar fotos no entardecer na baía. “Falta saneamento”, diz. Mesmo assim, o pintor de aviões da Embraer pretende voltar à cidade com a família. Da próxima vez, no verão.

Capital

Obras em andamento

Bacia do Itacorubi – ampliação

* investimento previsto: R$ 22,1 milhões * Bairros: Itacorubi, São Jorge, Jardim Anchieta, Córrego Grande e Pantanal * Recursos: governo federal, via PAC e BNDES, e Casan * Execução: julho/2010 a setembro 2013, com 61% prontos * População beneficiada: 25.650 habitantes.

Campeche – implantação

* Investimento previsto: R$ 30,7 milhões * Recursos: governo federal, via Orçamento Geral da União, e Casan. * Execução: junho/2008 a dezembro de 2013, com 54% prontos * População beneficiada: 25 mil habitantes

Macico do Morro da Cruz – ampliação

* Investimento previsto: R$ 8,9 milhões  * Recursos: governo federal, via PAC, Casan e prefeitura de Florianópolis * Execução: janeiro/2011 a agosto/2013, com 64% prontos * População beneficiada: 25 mil habitantes de 14 comunidades do morro

Jurerê– Interligação com sistema Costa Norte

* Investimento previsto: R$ 14,8 milhões * Recursos: governo federal, via PAC- BNDES e Casan  * Execução: abril/2012 a dezembro 2013, com 56% prontos * População beneficiada: 12.730 habitantes

Curiosidades

Conheça as baías

*As baías Norte e Sul estão separadas pelo estreitamento do canal, entre o bairro Estreito, no Continente, e o Centro, na parte insular de Florianópolis. Alguns trechos de suas margens foram aterrados para a construção de vias públicas, como as avenidas Beira Mar Norte, Paulo Fontes e Gustavo Richard.

Municípios – Censo/2010

Florianópolis – 433.158 São José – 209.804 Palhoça – 137.334 Biguaçu – 58.206 Governador Celso Ramos – 12.999

Principais rios 

Ratones, Veríssimo, Pau do Barco e Tavares, na margem insular   Büchler , no limite entre Florianópolis e São José Biguaçu, na área central daquela cidade Maruim, Cubatão e Massiambu, em Palhoça

Manguezais 

Itacorubi, Saco Grande e Ratones, estes dois integrados à Estação Ecológica de Carijós, Norte da Ilha Reserva do Pirajubaé, Sul da Ilha Mangue central de Palhoça

Principais ilhotas 

Anhatomirim Ratones Grande   Ratones Pequena Guarás Largo

Fortalezas do século 18

Santa Cruz, em Anhatomirim Santo Antônio, em Ratones Grande  São José da Ponta Grossa, em Jurerê

Praias aterradas na década de 1960 

Müller, entre a rua Duarte Schutel e a praça dos Namorados De Fora, da praça dos Namorados à avenida. Mauro Ramos São Luiz, na Agronômica

(Edson Rosa, ND, 13/07/2013)