27 fev Projetos do Ipuf ficam na gaveta
Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis elaborou 30 grandes projetos, mas 13 não foram executados pelo Poder Público
Há muitos anos, uma guerra não tão silenciosa coloca em lados opostos da trincheira a administração da Capital e o Ipuf (Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis). E, mais do que nunca, o órgão é um peixe fora d’água na gestão Dario Berger (PMDB). A dissonância ocorre, principalmente, por questões orçamentárias, segundo a versão oficial.
A prefeitura alega que os projetos desenvolvidos no Ipuf ficam fora da realidade do município. Já na autarquia, o entendimento é de que a cidade precisa ser pensada para o futuro, não apenas para o presente. Para isso, as obras exigiriam investimentos mais altos.
Nos últimos dez anos, 30 projetos considerados importantes saíram das pranchetas do Ipuf. Destes, 13 não foram executados pelo município. Entre os “engavetados” estão a nova sede da prefeitura, o parque urbano da Via Expressa Sul, o mirante de baleias no Pântano do Sul, o Centro de Estudos Integrados do Mar, o Centro de Cultura Açoriana e a revitalização do canal da Barra.
O superintendente interino do órgão, José Carlos Ferreira Rauen, reconheceu que o quadro de funcionários não foi aproveitado adequadamente até agora, mas prometeu mudanças. “São profissionais com grau cultural elevado. Mas existe o conflito. Nem sempre os técnicos conseguem entender a administração”, afirmou. Rauen explicou que o Ipuf deixará de fazer projetos de referência e passará a atuar de maneira mais alinhada com a administração. “Vamos priorizar projetos concretos, que tenha dinheiro em caixa para executar”, disse.
Dario Berger citou a construção do elevado do Itacorubi para explicar a falta de afinidade com o órgão. “Eles deveriam projetar algo viável do ponto de vista econômico. No caso do elevado do Itacorubi, me entregaram um orçamento de R$ 35 milhões. Na época, devolvi o desenho e pedi uma solução com R$ 5 milhões ”, lembrou.
Pioneiro em planejamento da cidade e região
Ipuf ajudou municípios a definir áreas para o desenvolvimento O Ipuf foi criado em 1977, na gestão do prefeito Esperidião Amin. A arquiteta Jeanine Tavares, 51 anos, chegou dois anos após a fundação. Começou como estagiária. Em três décadas de trabalho, já ocupou cargos de chefia. Com a experiência acumulada, sabe escolher as palavras para definir o momento da autarquia “É uma situação delicada”, constatou.
Jeanine contou que, na época, o Ipuf foi pioneiro na discussão do planejamento urbano, e também ajudou prefeituras de cidades da Grande Florianópolis a definir áreas para o desenvolvimento econômico e turístico. “Contamos com a ajuda de uma consultoria da Alemanha para fazer projetos. Pensamos o aglomerado urbano da região. Foi o Ipuf quem escolheu o local da construção do Hospital Regional de São José”, exemplificou.
A herança dos tempos áureos da autarquia são dois projetos que levam o planejamento ao pé da letra – os planos diretores de 1985 e 1997. Até hoje, são os documentos que regem o crescimento de Florianópolis. Eles determinam o que pode ou não ser construído dentro dos limites da Capital do Estado, principalmente na Ilha de Santa Catarina.
Na primeira década de atuação, o órgão formou um corpo técnico qualificado. Entre os profissionais havia arquitetos, engenheiros, economistas e geólogos, entre outros. Com a Constituição de 1988, todos os 109 servidores foram efetivados. Mas muitos saíram para atuar em novas secretarias como Habitação e Floram (Fundação Municipal do Meio Ambiente). Atualmente, o Ipuf conta com 54 servidores de carreira, há 36 terceirizados e 15 estagiários na folha de pagamento. O orçamento da autarquia é de R$ 35 milhões por ano.
O esvaziamento preocupa o técnico em administração José Carlos Chico Pereira, 47. Ele estima que dentro de cinco anos não haverá mais servidoras efetivas no instituto. “As mulheres estão se aposentando. Em uma década, serão os homens. Sem concurso, essas pessoas não têm como repassar o conhecimento acumulado antes de deixar o cargo”, lamentou. O prefeito da Capital, Dario Berger, não pretende fazer concurso para a contratação de funcionários.
Trabalho para preservar a memória
O Ipuf ocupa papel de destaque na preservação da memória de Florianópolis. O trabalho é uma tentativa de garantir que as futuras gerações tenham conhecimento sobre o passado da Capital. Destaque para o projeto Renovar, do Sephan (Serviço de Patrimônio Histórico Artístico e Natural do Município), que atua na orientação dos proprietários que decidem recuperar imóveis tombados.
Em uma década, o Ipuf desenvolveu uma série de trabalhos para recuperar igrejas, o Arquivo Histórico e a pintura de velhos casarios na rua Francisco Tolentino, e também na freguesia do Ribeirão da Ilha e no Mercado Público, além da despoluição do Centro Histórico.
Atualmente, o restauro da antiga Casa de Câmara e Cadeia é o trabalho mais desafiador do órgão. A obra está parada, mas o superintente de do Ipuf, José Carlos Rauen, estima que o telhado seja entregue nos próximos dias. A reforma do imóvel gerou uma grande crise para a autarquia.
Em 2010, o projeto, orçado em R$ 25 milhões, era executado pelo Instituto Diverscidades, administrado pela arquiteta Cristina Maria Piazza, que, na época, era diretora de planejamento do próprio Ipuf. Com suspeita de irregularidades, a obra foi interrompida.
Sede em prédio centenário
A sede do Ipuf ocupa dois andares de um casarão em frente à praça dos Bombeiros, região central da cidade. O imóvel, alugado junto à Congregação das Irmãs da Divina Providência, foi construído no começo do século passado e é tombado pelo patrimônio histórico. A estrutura não suporta mais uma repartição pública. Em algumas salas, os arquivos abarrotam as prateleiras.
No prédio, funcionam a superintendência, as diretorias de Operações e Planejamento, o departamento de Trânsito e a Comissão Permanente de Licitações. Já o programa Zona Azul está instalado em outro imóvel. No térreo, funciona uma creche.
Do reconhecimento à inviabilização
Cabe ao Ipuf mapear e delimitar onde as vagas de estacionamento rotativo serão implantadas em Florianópolis. Mas as atribuições do órgão vão além do simples planejamento. O sistema é gerenciado pelo instituto. Para o superintendente interino, José Carlos Rauen, o desvio de atribuições não prejudica o trabalho.
“O Ipuf desenvolveu a tecnologia de instalação dos semáforos. Com isso, ganhou reconhecimento e, lá atrás, alguém determinou que ele deveria ordenar o trânsito”, justificou. O processo para a reinstalação de radares nas ruas da Capital também está a cargo da autarquia.
Segundo Rauen, os funcionários já incorporaram a função no dia a dia da repartição pública. “Já está na rotina. Tirar daqui iria exigir um grande investimento”, afirmou.
Em Curitiba, o Ipuc (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano) atua estritamente no planejamento. A função de gerenciamento é destinada à Setran (Secretaria de Trânsito). O mesmo ocorre em Porto Alegre, onde o IPTC (empresa Pública de Transporte e Circulação) controla as vagas.
Para o prefeito da Capital, Dario Berger (PMDB), o Ipuf precisa de uma reformulação. Contudo, ele não soube justificar porque não interviu na autarquia. “O Ipuf não foi inviabilizado no meu governo. É coisa antiga. A verdade é que o tempo passou e não tomei a inciativa. Acredito que o próximo governante fará isso”, ressaltou.
“Faltou planejamento”, diz Rauen
José Carlos Rauen acha que faltou planejamento para garantir o sucesso do órgão. Segundo ele, o Ipuf tem potencial para ocupar lugar de destaque na administração municipal. “Faltou persuasão para conquistar espaço. As leis do Ipuf são boas, mas os técnicos precisam lutar pela valorização. Hoje, o órgão está longe do seio da administração. Está na periferia e com a autoestima baixa”, afirmou.
Embora reconheça a incompatibilidade no modo de projetar, Berger destaca que o Ipuf cumpre outras atribuições importantes para a cidade. “O trânsito é planejado e organizado por ele. Todas as construções passam pelo Ipuf. O patrimônio histórico é cuidado e fiscalizado”, justificou.
Contribuição para o Plano Diretor
O delegado da PF (Polícia Federal) Ildo Rosa comandou o Ipuf entre 2006 e o final de 2008. Para ele, o órgão deu grande contribuição para o debate, ainda em andamento, do novo Plano Diretor da Capital. “Criamos núcleos para discutir com a comunidade. Chegamos a mobilizar 2,5 mil pessoas em várias audiências”, ressaltou.
As críticas ao tratamento dado pelo poder público ao órgão coincidem com o fim da gestão de Ildo. Segundo ele, como era ano eleitoral, o assunto não foi levado adiante. Na sequência, após a reeleição de Dario Berger, o Plano Diretor passou a ser discutido dentro dos gabinetes.
“Abandonaram o trabalho. Agora, para aprovar o projeto precisam reativar os núcleos. Porém, vão levar para a discussão propostas que a comunidade já havia rejeitado”, criticou o delegado.
Para Ildo, a falta de entendimento entre prefeitura e Ipuf pode estar ligada à origem da autarquia. “Foi o Esperidião Amin quem formou o Ipuf. Ele levou em conta critérios técnicos, mas é natural que tenha se cercado por pessoas com maior afinidade”, afirmou.
(Everton Palaoro, ND, 25/02/2012)