Moçambique pede socorro

Moçambique pede socorro

Artigo escrito por Emerson Miranda – Jornalista voluntário da ASM (Associação de Surf do Moçambique) e guarda-vidas civil (Waves, 25/01/12)

Como se não bastasse a briga diária contra a especulação imobiliária – mesmo com a área enquadrada no Sistema Nacional e Estadual de Unidades de Conservação, tornando-se Parque Estadual do Rio Vermelho (Paerve) e “protegida por lei” – a praia do Moçambique, Florianópolis (SC), mais uma vez foi vítima da violência que assola a nação brasileira.

Para quem não conhece, a praia é a maior orla virada para o Leste da Ilha de Florianópolis, onde a natureza é pulsante e espetacular, as ondas são de todos os tipos e tamanhos, procuradas por surfistas, turistas do mundo todo e pesquisadores que cruzam seus motor-homes em navios pelo Atlântico para então rodarem por estas terras e praias.

Aliás, foram várias vítimas. Primeiro a praia, que está totalmente entregue à bandidagem que se estabelece próxima às dunas, no canto Norte da orla, na conhecida Favela do Siri, situada sobre as dunas dos Ingleses. De lá, muitos viciados em crack, assaltantes e bandidos perigosos chegam até o Canto das Aranhas e arrombam os carros que ficam estacionados no final da estrada que leva os veículos até a entrada da praia.

São poucos os carros que aventuram-se a cruzar um olho da água que brota por ali, mas os que conseguem se safam de serem roubados muitas vezes, mas daí surgem outros problemas: carro na praia e destruição de patrimônio natural.

Pois bem, no domingo, 15 de janeiro de 2012, turistas argentinos foram abordados por quatro assaltantes, um deles parece ser argentino também, lá no Canto das Aranhas. Ele resolveu não obedecer às hostilidades dos bandidos e foi baleado na virilha e no abdômen. Os criminosos partiram em fuga e seguem desaparecidos. A vítima foi atendida pelos guarda-vidas civis da praia e encaminhada ao Hospital Universitário. A polícia… o que dizer? Dá até medo, por causa de represálias, mas vamos lá.

A polícia fez o maior estardalhaço hollywoodiano para nada. Helicópteros, viaturas, policiais surgindo até debaixo da duna e nada de prender ninguém. Devem ter sido gastos rios de dinheiro com essa operação toda, onde a efetividade não aconteceu em momento algum, o que deixa o sentimento de insegurança e impunidade ainda maiores.

Mas a outra realidade é que também não existe efetivo policial para cobertura da Ilha no verão. Juntam o que tem e daí vai de patrulheiro estadual rodoviário até guarda-municipal para tentar levantar um efetivo que possa dar segurança à população e aos turistas. O governo chama isso de Operação Verão.

O pior é que a reportagem policial esteve no local antes da polícia, o que denegriu ainda mais a imagem do nosso paraíso, pois Hélio Costa – âncora de um dos programas policiais de maior audiência no Estado – recomendou aos turistas que mantenham distância da praia do Moçambique, pois é um lugar muito sinistro, sem segurança, onde se desovam corpos, arrombam carros e atiram em pessoas inocentes. Aí não dá né?

Acho que o Hélio nem sabe o que é um Parque Estadual. Por que ele não fala dos governantes estaduais e municipais que nada fazem para investir no Plano de Manejo do Parque Estadual do Rio Vermelho (Paerve), o que poderia coibir bastante esse tipo de ocorrência? Por que não fala que a praia do Moçambique e o Parque Estadual do Rio Vermelho precisam urgentemente da presença do estado e do município?

Será que a intenção é denegrir a área mesmo, para dar espaço à especulação imobiliária e chamar o tio Marcondes – dono do Costão do Santinho, vizinho da praia do Moçambique – para realizar seu grande sonho: ver a estrada da praia asfaltada, ligando o Santinho à Barra da Lagoa, com empreendimentos de luxo, teleféricos, jogando todo o esgoto na praia do Moçambique, como faz lá na casa dele?

O que acontece com a Ilha da Magia? Tá virando a Ilha da Urucubaca. Sem relatar os demais problemas neste pedaço de terra, próximo ao continente, que os governantes insistem em tratar como uma grande capital. Não resolvem os problemas básicos de água, saneamento, energia, transporte público e tão inventando de construir uma quarta ponte! Para enriquecer quantas famílias mais? A ponte Hercílio Luz é a maior teta do Estado e agora querem outra? Haja leite!

Além disso, estamos consumindo nossos próprios dejetos e excreções. Aqui dentro do Parque Estadual do Rio Vermelho, existe uma Estação de Tratamento da Casan – órgão estadual “irresponsável” pelas águas do Estado – construído para tratar a água do bairro do Rio Vermelho e, adivinhem, trata a da Barra da Lagoa. Como assim? E outra, está dentro dos 14 milhões de metros quadrados do Parve e não tem nenhuma responsabilidade social ou mesmo ecológica. Tremenda falta de respeito com a população e nada fazem contra esses governantes crápulas e sua corja.

Enquanto isso o bairro e a ilha sofrem durante as temporadas por falta de água, energia e transporte público. As chuvas de verão estão tornando-se desastres naturais, pois a prefeitura não tem controle algum das áreas reservadas para construção e preservação. A exemplo do bairro do Rio Vermelho, segundo a topografia da região, existem duas grandes áreas baixas e com uma camada muito fina antes de chegar ao Aquífero dos Ingleses, localizado abaixo das dunas e que abastece a região.

Nestes locais, não poderia se permitir a construção de nada, pois quando chove, o aquífero é abastecido e as águas sobem. Atualmente, existem muitas moradias nestes lugares e as enchentes são freqüentes. Com isso, vêm as doenças e mais muitos outros problemas, o que podemos caracterizar como problemas de saúde pública.

Associações do bairro, como a Associação de Surf do Moçambique (ASM), Associações de Moradores do Rio Vermelho (Amorv), Aliança Nativa, Missão Surfistas de Cristo, Movimento S.O.S. Moçambique, Jardineiros do Planeta, Aprender, Ecosul e aproximadamente outras 15 instituições que fazem parte do Conselho Consultivo do Paerve clamam por segurança e melhorias para o parque, praia e bairro.

O parque e a praia aqui podem produzir muitos empregos para a comunidade local e a Fatma, Fundação do Meio Ambiente, que atualmente “administra” o Paerve, só esquiva-se e protela em fazer um concurso público ou contratar pessoal para trabalhar na área, porque se ela não for sendo ocupada por serviços à comunidade – guarda-parques, garis, guarda-vidas, guias, cuidadores de carro em estacionamento, polícia militar ambiental, guarda-municipal e serviços aos usuários do parque, a violência só aumentará.

O bairro do Rio Vermelho tem dois vereadores João da Bega Itamar da Silveira (joaodabega@cmf.sc.gov.br) e Dalmo Deusdedit Meneses (dalmo@cmf.sc.gov.br) e um deputado estadual Edison Andrino (edisonandrino@alesc.sc.gov.br). Eles são moradores do bairro, mas não fazem nada pela comunidade.

É triste e desoladora a situação num dos lugares mais lindos do planeta, mas o descaso dos nossos governantes está transformando a Ilha da Magia num continente cada vez mais perigoso e sem ordem. O aterro da Beira-Mar continental já tá bem próximo do aterro da Beira-Mar Norte insular. Daqui a pouco, ao invés da quarta ponte, eles pegam e aterram tudo e transformam a ilha em continente; alguém duvida?