20 dez Rota da Aéropostale em Florianópolis pode se tornar patrimônio da humanidade
Projeto de tombamento universal da linha do correio aéreo que interligou continentes foi discutido em um encontro em Toulouse com representantes de Florianópolis e de outras cidades-escala
A rota intercontinental da Compagnie Génerale Aéropostale, empresa de correio aéreo francesa na qual trabalhou o piloto Antoine de Saint-Exupéry, pode se tornar patrimônio imaterial da humanidade. A proposta foi discutida em Toulouse, na França, em um encontro que reuniu representantes de 28 cidades de três continentes que tiveram escalas da Companhia no início do século 20. No evento, encerrado neste domingo (11), foi criada a Rede de Cidades da Aeropostal, com a formalização de um acordo internacional de parceria para reforçar as trocas culturais, econômicas e comerciais entre as cidades-escala, incluindo Florianópolis.
A iniciativa visa promover e valorizar a memória da história da Ligne – linha de correio aéreo que iniciava na França e passava pela Espanha, no continente europeu, depois seguia pelo norte da África até chegar à América do Sul, incluindo escalas no Brasil, Uruguai, Argentina e Chile. A capital catarinense, que abrigou na região do Campeche uma das bases de apoio da linha aérea, é signatária do acordo. O Município foi representado pela Superintendente Adjunta da Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes (FCFFC), Roseli Pereira, que participou do evento junto com a pesquisadora Mônica Cristina Corrêa, representante da Succession Saint-Exupéry em Santa Catarina.
Tombamento universal
O objetivo da Rede de Cidades é elaborar uma proposta coletiva para a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), com vistas à classificação da Linha da Aeropostal como patrimônio imaterial da humanidade. Para isso, o acordo prevê que as cidades-escala atuem em sinergia com os herdeiros dos pilotos da Aéropostale e associações que trabalham pela memória desta epopeia aérea. Entre as ações em estudo estão a criação de espaços de memória nas cidades-escala; realização de exposições itinerantes, debates, conferências e eventos culturais sobre o tema; além de organização de encontros anuais para fortalecimento do intercâmbio entre as cidades da rota.
No evento, foram apresentadas algumas iniciativas em consonância com a proposta da rede, como o projeto de restauro do campo de pouso na região de Montaudran, berço da Aéropostale, entre outras ações que dão a Toulouse o título de “Capital Europeia do Ar e do Espaço”. O trabalho de Florianópolis para preservar no Campeche o antigo casarão dos pilotos franceses, conhecido como Popote – estrutura mais preservada entre as bases construídas no Brasil e que ainda está de pé – também mereceu destaque. O projeto foi elaborado pela equipe da pesquisadora Mônica Correia, com apoio da Fundação Franklin Cascaes.
Integram a Rede de Cidades da Aéropostale representações de Toulouse (França), Barcelona, Elche, Málaga e Alicante (Espanha), integrando a rota da Europa; Rabat, Agadir, Tánger Casablanca, Dakhla e Tarfaya (Marrocos), São Luís e Dakar (Senegal), Nouadhibou (Mauritânia), no continente africano; e Natal, Salvador, Caravelas, Recife, Vitória, Rio de Janeiro, Santos, Pelotas, Porto Alegre e Florianópolis (Brasil), Montevídeo (Uruguai), Mendoza e Buenos Aires (Argentina), além da cidade de Santiago (Chile), finalizando a rota da América do Sul.
De Saint-Exupéry a Zeperri
A Compagnie Génerale Aéropostale foi pioneira no serviço de correio aéreo entre a Europa, África e América do Sul, contando com o trabalho de pilotos veteranos da Primeira Guerra Mundial que romperam as fronteiras entre os continentes. A importância da empresa para o desenvolvimento da aviação internacional, aliada à grandiosidade dos feitos dos pilotos, que arriscavam suas vidas nos primórdios da aviação, ganhou mais visibilidade pela obra de um deles, que também foi escritor: Antoine de Saint-Exupéry, autor do livro “O Pequeno Príncipe”, entre outros sucessos editoriais.
Das 11 escalas da Aéropostale no Brasil, a de Florianópolis, na região do Campeche, está entre as mais bem conservadas do mundo. A comunidade foi palco de várias aventuras dos aviadores da Companhia entre as décadas de 1920 e 1930, guardando traços da inusitada convivência dos pilotos franceses com pescadores ilhéus. Os ases da pilotagem, tais como Jean Mermoz, Henri Guillaumet, Saint-Exupéry e outros, tiveram passagens pela Ilha de Santa Catarina registradas aleatoriamente, mas eternizadas em livros, como as memórias de Paul Vachet, em “Avant les Jets” (1964), onde o autor conta sobre a compra do terreno de aviação e a relação com os “compadres” catarinenses.
O próprio Saint-Exupéry menciona Florianópolis no livro “Vôo Noturno” (1931). Ele, que foi o mais célebre dos pilotos, ficou conhecido pelos pescadores como “Zeperri” – devido à dificuldade que os moradores, descendentes de açorianos, tinham de pronunciar o sobrenome do francês. Entre as relações do escritor com o Campeche, uma tornou-se especial. Manoel Rafael Inácio, o “seo” Deca, guardou na lembrança as passagens do piloto pela região. A memória dessa amizade virou um livro, escrito por Getúlio Inácio, filho do pescador. Também inspirou o documentário “De Saint-Exupéry a Zeperri”, produzido pela pesquisadora Mônica Cristina Corrêa.
Pilotos e pescadores
O projeto de restauro da Popote, no Campeche, foi aprovado pelo Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (Ipuf), e agora está sob análise do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan/SC). O financiamento da obra deverá contar com recursos da iniciativa privada, por meio da Lei Rouanet de incentivo à cultura, via Ministério da Cultura (Minc).
Pela proposta, o antigo casarão dos pilotos – cujo imóvel é de propriedade da Prefeitura de Florianópolis – será restaurado e transformado em um espaço cultural, abrigando o “Memorial Pilotos e Pescadores Antoine de Saint-Exupéry”. No local haverá uma área destinada à memória da antiga companhia de aviação francesa e sua relação com o Brasil, com exposições permanentes e temporárias, além de salas para cursos, palestras, exibição de filmes, e outras atividades de uso comunitário. O restauro visa registrar a memória do Casarão dos Pilotos, e valorizar sua relação com a história do bairro e a cultura da cidade. Depois de restaurado, o imóvel deve ser administrado pela Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes.
Outro projeto em discussão propõe a recuperação de todo o complexo que integra o aérodromo do Campeche, e que abriga o terreno do antigo campo de pouso, transformando a área num parque urbano para a cidade. As ações estão em estudo, contando com apoio da Prefeitura de Florianópolis, Governo do Estado de Santa Catarina e Succession Saint-Exupéry.
(Fapesc, 18/12/2011)