29 ago Área de Preservação (e Polêmica) Permanente
De um lado, falta fiscalização e ação do poder público para cumprir a lei. De outro, moradores reivindicam espaço para viver
As áreas de preservação permanente (APP) de Florianópolis bem que poderiam ser chamadas de áreas de polêmicas permanentes. A mais nova discussão está no Sul da Ilha de Santa Catarina, iniciada só depois que fortes ressacas atingiram a região em 2010. O Ministério Público Federal (MPF) recomendou que se inicie processo administrativo de demolição em imóveis da comunidade Areias do Campeche. A prefeitura não sabe o que fazer.
A discussão atual é no Campeche, mas poderia ser em diversos lugares de Florianópolis. Com suas praias, dunas, morros, mangues, rios e lagoas, a Capital tem cerca de 42% de áreas configuradas como APP.
O caso do Sul da Ilha é didático. A polêmica só começou porque a natureza exigiu seu espaço. Em 2010, casas foram destruídas em pelo menos três praias. Na comunidade Areias do Campeche, para evitar a erosão das dunas, os moradores fizeram uma espécie de muro de contenção, com eucaliptos amarrados com aço e plantação de grama na areia. Ao mesmo tempo, reclamaram da situação no MPF.
O procurador Eduardo Barragan pediu uma análise técnica e chegou à conclusão de que as casas estavam em APP, inclusive em cima de uma área tombada pelo município. Recomendou que nenhuma nova intervenção seja feita nos imóveis e que a prefeitura inicie processo administrativo de demolição. Não está claro quantos imóveis precisam ser retirados.
A associação dos Moradores Jardim dos Eucaliptos (Amoje), que representa a localidade, diz que a ressaca tirou de 15 a 20 metros da areia do mar e, por isso, as casas estão expostas. Argumenta que os moradores têm rede de esgoto, coleta de lixo e, principalmente, pagam IPTU. Querem mudar o zoneamento da área para ficar em situação regular.
– Não há proteção total, mas até agora o muro de eucaliptos funcionou. Consideramos que pode ficar assim – diz o presidente da associação, João Carlos da Silva.
Há outras grandes discussões em construções em APP. Na Vila do Arvoredo, nos Ingleses, por exemplo, uma comunidade está sendo pressionada pelas dunas. Há casa, inclusive, em cima da areia. Segundo o secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano (SMDU), José Carlos Rauen, os moradores não aceitaram sair dali. Questionado se não havia um terreno nas para realocá-los, foi direto:
– Quem é que vai dar (um terreno)? Você autorizaria colocar uma favela perto da sua casa?
(Por Mauricio Frighetto, DC, 29/08/2011)
“Não se combate, se convive”
José Carlos Rauen – Secretário Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano
O secretário Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano (SMDU), José Carlos Rauen, não vê solução em relação às construções em áreas de preservação permanente (APP), diz que não sabe o que fazer. Ele acredita que o problema só seria resolvido com uma fiscalização por satélite ou leis nacionais mais rigorosas. Acompanhe alguns trechos da entrevista ao DC.
Diário Catarinense – Por que há tantas construções em APP?
José Carlos Rauen – É uma questão cultural. Existe possibilidade de fazer fiscalização? Existe, desde que tenha satélite. Porque fisicamente não consigo fazer.
DC – Como se combate as construções em APP?
Rauen – Não se combate, se convive. Tem que tentar diminuir o avanço com leis mais rigorosas, nacionais. Um crime ambiental dá dois anos de prisão, no máximo. E, ainda, acabam processando o administrador público. Quer dizer: você invade um terreno e eu sou processado.
DC – Como a prefeitura age nessas áreas?
Rauen – Mapeamos e monitoramos. Fazendo com que lideranças não autorizem novas ocupações. Mesmo assim, é muito difícil. Vou dar um exemplo: no Saco Grande, a Celesc está colocando um linhão até o Norte da Ilha. Chegamos a uma construção no topo de morro e dentro da água. Vamos ter que tirar um homem que morava sozinho. Dois dias depois, o destino quis que ele fosse assassinado. Quando lemos no jornal corremos com uma equipe para demolir a casa. Chegamos lá e mãe, filho, uma porção de gente estava morando na casa. Tira de lá? Não tira. É o submundo da cidade.
DC – Falta fiscalização?
Rauen – Não existe. Temos 422 mil fiscais, inclusive você, jornalista. A população inteira de Florianópolis é fiscal. Tem bastante fiscais, mas para o tamanho da Ilha é impossível. Posso abrir concurso público e encher de fiscais que vai continuar faltando fiscal.
DC – O que vai ser feito no Areias do Campeche?
Rauen – Recebemos uma recomendação do Ministério Público Federal (MPF) para desocupar tudo. Onde botar aquelas famílias? Haja vista que a ocupação tem quase 40 anos. Lá moram de 3 mil a 5 mil famílias, com a conivência dos poderes públicos anteriores e talvez até deste. Eu não autorizei construção nenhuma. Existem equipamentos públicos, tipo escolas e postos de saúde. E onde eu boto estas famílias? Na tua casa, na minha? Gerou um problema social que não sou eu que vou resolver. Eu não sei o que fazer. Minha informação ao MPF é: aceito a recomendação e encaminho à procuradoria geral do município para que me oriente o que fazer. Se eu disser que eles têm que sair de lá eles vão pedir pra mim: quero casa, comida, roupa lavada e uma esposa. Ele invadiu e se sente no direito de ficar lá. Quem tem que ser processado são as pessoas que moram lá.
(DC, 29/08/2011)
Procura-se uma solução
Falta de política habitacional para população de baixa renda e fiscalização ineficaz são alguns motivos para explicar a situação de Florianópolis, apontam especialistas. Para a doutora em Arquitetura e Urbanismo Maria Inês Sugai, a cidade teria que investir em Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis).
– A população de baixa renda mora em APP porque não tem outro lugar. Por outro lado, há o setor formal, que ocupa estas áreas e depois pressiona o Estado para mudar a legislação. A sociedade tem que limitar as chamadas Zeis, áreas para as pessoas de baixo poder aquisitivo ocupar. Tem que tirar o paradigma de que os pobres têm que morar na periferia – explica a professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Ela aponta que é fundamental a revisão do plano diretor. A Capital tenta retomar as discussões, mas não há prazo para ser apresentado. Para o promotor do Ministério Público de SC Rui Arno Richter, o que falta é fiscalização:
– A maior fonte deste problema é a falta de exercício efetivo de poder de polícia dos órgãos fiscalizadores. Tem que ter uma cultura de aplicação da lei. Quando não se cumpre em um caso, estimula-se outras pessoas a seguirem a ilegalidade.
(DC, 29/08/2011)