14 nov O Norte da Ilha está encolhendo
As trilhas em meio às dunas que levam os visitantes à Praia da Daniela terminam em quedas bruscas de mais de um metro de altura. Em outras praias do Norte da Ilha, o mar já avança sobre paredões de prédios e bares instalados na areia. Neste Verão, a mistura de fenômenos naturais com a ocupação desordenada promete trazer transtornos para moradores e turistas da região.
A situação mais crítica é a da Praia da Daniela. Em uma área de cerca de 500 metros, próxima ao costão direito, a faixa de areia não passa de três metros de largura, mesmo em momentos de recuo da maré. Quando o mar sobe, destrói as dunas e a vegetação de restinga que serve como barreira natural para o avanço das águas. Até mesmo as árvores maiores têm as raízes arrancadas e secam lentamente ao sol.
No local de maior movimento de turistas, o canto direito da praia, o aumento do nível do mar já provocou a queda de dois postes de iluminação e forçou a remoção de outros três. Instalados há cerca de três anos, em apenas duas temporadas foram parar dentro dágua.
Em dias de ressaca, o mar da Daniela chegou a invadir a rua e destruiu parte do calçamento de paralelepípedos. Para André Bonatto Jr., proprietário de um bar no canto direito da praia, a redução da faixa de areia refletiu no faturamento.
Desde que a maré começou a subir com mais força, há cerca de um ano, os fregueses sumiram. Para este Verão, ele calcula a redução de pelo menos 40% no movimento.
– As famílias chegam até a praia, vêem que não têm onde ficar, arrumam as coisas e vão para o canto esquerdo – lamentou.
Placas podem ser instaladas no local
O presidente do Conselho Comunitário da Daniela, Rogério Queiroz, vai tentar, junto à prefeitura, colocar placas de sinalização para evitar que os banhistas usem a área onde a faixa de areia é menor. Isso porque, ao sair da água, eles ficariam em cima das dunas, prejudicando ainda mais o processo de erosão.
A questão também foi levada à Comissão de Meio Ambiente da Câmara. Em julho, Queiroz reuniu-se com vereadores e representantes da Floram e da Fatma. O vereador Gean Loureiro (PMDB), que presidiu a audiência pública, disse que pediria estudos das causas e soluções.
O técnico de controle ambiental da Fatma, Alexandre Lima, informou que o órgão não recebeu o pedido, mas que duas vistorias foram feitas.
– O mar não vem avançando e a situação está estabilizada – explicou Lima, quatro meses após a audiência.
Erosão é provocada naturalmente
A redução da faixa de areia no Norte da Ilha é causada, principalmente, por questões naturais, explicam geógrafos e ocenógrafos. Eles garantem, porém, que as mudanças são agravadas pela ocupação de áreas costeiras e pela destruição de dunas e restingas.
As duas praias em que o avanços das águas provocou maiores mudanças na paisagem – Daniela e Ponta das Canas – são justamente as mais expostas às alterações climáticas e de natureza mais frágil, explica o presidente da Associação Brasileira de Oceanografia, Fernando Luiz Diehl.
Há 10 anos, ele defendeu dissertação de mestrado sobre o pontal da Daniela. O estudo revelou a constante transformação pela qual a praia passa. Segundo ele, o processo atual, de redução da faixa de areia é natural para regiões com pontais arenosos.
– A Daniela já foi muito maior, mas o sedimento da praia está se transferindo para o pontal. Esse movimento é cíclico. A praia engorda e emagrece no decorrer de um período de anos. Agora, estamos na fase de erosão – explicou.
Mutação com direção do vento e movimento da maré
Todas as praias que enfrentam problemas com a diminuição da faixa de areia têm uma característica em comum: estão em constante mutação, por conta da direção dos ventos e do movimento das marés. O oceanógrafo Rodrigo Barletta estuda o regime das marés na região de Canasvieiras e, após analisar fotos aéreas recentes e antigas, afirma que não há uma real diminuição da faixa de areia na praia. O que ocorre, segundo ele, é um grande intercâmbio.
De tempos em tempos, algumas regiões perdem areia e outras ganham. O problema, garante, começa quando as pessoas ocupam essas áreas consideradas móveis e constroem ruas, bares e edifícios:
– Ponta das Canas está em uma área muito móvel. Aquele muro não deveria ter sido construído. Foi por isso que o mar avançou e provocou a erosão da área.
De acordo com o geógrafo Júlio Mudat, que também estuda a região Norte da Ilha, o avanço do mar é natural e as áreas urbanizadas atingidas foram construídas sem estudo, em locais de risco.
– Se os 33 metros de área costeira fossem preservados, haveria uma barreira natural para o avanço da água. Da forma como foi feita a ocupação, essa barreira não existe – disse.
Cada vez menos areia
O encolhimento da faixa de areia percebido na Praia da Daniela também vem ocorrendo em outros locais da Ilha. Em Canasvieiras, por exemplo, o mar chega aos muros de prédios e restaurantes em dias de maré alta. Na Praia de Ponta das Canas, um pedaço da faixa de areia simplesmente desapareceu.
Em Ponta das Canas, o problema é antigo. Em 1999, a prefeitura tentou atenuar os efeitos da erosão fazendo o alargamento da praia. Pouco a pouco, porém, o mar avançou e, hoje, oito anos depois, a situação é a mesma de antes da dragagem.
Próximo ao costão direito, uma área de praia com extensão de cerca de cem metros de largura, que foi aterrada na época, já desapareceu. Um trapiche chegou a ser construído sobre a área, ligando o calçadão diretamente ao mar.
– A cada ano que passa, vemos que há menos areia naquela região. Ponta das Canas era uma praia linda, mas está sumindo – afirmou o administrador distrital da Cachoeira do Bom Jesus, Lindomar Forte.
Na Praia de Canasvieiras, o mar também chega cada vez mais perto dos muros de algumas casas, edifícios e restaurantes. Em dias de maré cheia, a faixa de areia chega a desaparecer em algumas regiões.
Para o administrador distrital do balneário, Daniel Schroerder, a praia vem diminuindo porque os muros desses estabelecimentos estão sendo construídos cada vez mais perto do mar. Preocupado, ele calcula que dentro de, no máximo, cinco anos, a praia não terá mais areia:
– Além de muitas construções estarem sendo erguidas em áreas que antes eram ocupadas por restingas, alguns hotéis e restaurantes ainda utilizam a pequena faixa de praia restante para instalar dezenas de cadeiras e guarda-sóis para seus clientes, diminuindo ainda mais o espaço.
Enquanto uma medida definitiva não é tomada, a intendência de Canasvieiras decidiu tomar providências, mesmo que paliativas. Em agosto, para tentar impedir que a água chegue até a rua e evitar novos pontos de erosão, algumas pedras foram colocadas perto da praia.
Autoridades em busca de uma solução
A redução da faixa de areia é natural e inevitável, mas associações de moradores, órgãos ambientais e a prefeitura buscam soluções. A principal delas já foi testada e está novamente em estudo: a ampliação artificial por dragagem (areia retirada do mar e colocada na praia).
A iniciativa já foi testada em Ponta das Canas, em 1999. Nos primeiros anos, até resolveu, mas o mar rapidamente retomou o espaço. Para o presidente da Associação Brasileira de Oceanografia, Fernando Luiz Diehl, a falha não foi da dragagem em si, mas da forma como a obra foi realizada:
– A areia para engordar a praia foi retirada de uma região logo em frente à praia, o que levou à criação de um canal, por onde toda a areia escorreu de volta. A dragagem tem que ser feita longe da praia e com uma área de, no mínimo, 10 metros de profundidade.
Um novo projeto de ampliação para a Praia de Canasvieiras e para a Cachoeira do Bom Jesus está em estudo pela Fatma e pela Secretaria de Obras de Florianópolis. O técnico ambiental da secretaria, Daniel Guerra, garante que as falhas cometidas no aterramento de Ponta das Canas não serão repetidas, mas esclarece que em ampliações artificiais, é natural que o mar retome seu espaço.
Canasvieiras poderia ser “engordada” em um ano
A questão principal, para ele, é saber de quanto tempo será a vida útil do aterro, já que seriam investidos R$ 5 milhões na obra. Para evitar desperdício, o projeto está em estudo hidrodinâmico por uma empresa contratada pela Fatma. Dentro de 60 dias, o estudo deve terminar, e a previsão de Guerra é que a licença ambiental seja concedida em março. No ano que vem, portanto, Canasvieiras já teria uma praia “mais gorda”.
O administrador distrital de Canasvieiras, Daniel Schoroerder, espera que, desta vez, o aterramento saia do papel. Ele diz que a reivindicação tem mais de 10 anos, e a promessa era de que a obra estaria pronta nesta temporada.
Na Cachoeira do Bom Jesus, o administrador distrital, Lindomar Forte, também vê com bons olhos a ampliação da faixa de areia:
– Mesmo que seja uma obra paliativa, seria válida, já que o turismo e o comércio do bairro dependem diretamente da praia.
Para a Praia da Daniela, por enquanto, não há projetos para conter o processo de erosão.
(Lucas Amorim, DC, 14/11/2007)