Mutirão verde

Mutirão verde

Para combater os efeitos nefastos do aquecimento global, a onda agora é ser carbon free, modismo que chegou ao Brasil

Você já plantou árvores? Não uma, nem duas, mas muitas? Se a resposta for negativa, então prepare-se para a empreitada. A diferença é que, agora, ninguém precisa cavar buracos no chão com as próprias mãos. Muita gente, inclusive empresas, está pagando para tal. O objetivo é pra lá de nobre: combater o aquecimento do planeta, neutralizando (ou compensando) a emissão de gás carbônico (CO2), despejado às toneladas na atmosfera e um dos seis gases responsáveis pelo efeito estufa.

A onda carbon free (neutro em carbono) está pegando no Brasil – para o bem e para o mal. Enquanto existem pessoas e empresas verdadeiramente preocupadas com o problema ambiental, há quem apenas lance mão dessa iniciativa para tirar proveito do bom marketing empresarial das ações ecológicas. A procura por esse serviço cresceu tanto que começam a proliferar ONGs e empresas – algumas com trabalhos sérios, outras mais para o oba-oba.

Para o ambientalista Antonio Carlos Matarazzo, de 47 anos, autor do livro Aquecimento Global – A Solução é Você (Editora Millennio), o plantio de árvores para neutralizar a emissão de CO2 deve ser uma atitude moral cotidiana, o que implica em mudanças de hábitos e costumes. “De que adianta plantar se a pessoa continua lavando a calçada com água tratada, sabendo que a reserva de água potável no planeta é só de 1%? Ou usando indiscriminadamente sacos plásticos e não fazendo a coleta seletiva de lixo?”

Matarazzo engajou-se na causa ecológica após ter velejado sozinho durante dois anos mundo afora. Abandonou sua profissão rentável, de perfusionista cardiovascular (especialista em circulação sanguínea, que atua em cirurgias cardíacas), para acompanhar a oscilação do nível do mar em ilhas brasileiras, causada pelo aquecimento global. Daí surgiu o projeto Ilhas Brasileiras, instituição sem fins lucrativos voltada para a preservação e documentação desses pequenos pedaços de terra, que correm o risco de sumir do mapa – literalmente.

O desbravamento de mares e a redescoberta da natureza tocaram fundo o velejador e transformaram sua vida. Ele deixou de ser consumista, mudando seus hábitos em prol do planeta – e de seus filhos, netos e descendentes que vão povoar o globo no futuro. Só para dar um exemplo, em vez de transitar num carrão, Matarazzo se locomove numa moto a álcool. Os dois aviões, a lancha e a caminhonete usados no monitoramento das ilhas também são alimentados com esse combustível, que causa menor dano à atmosfera.

O ex-perfusionista cardiovascular mergulhou de cabeça na questão do aquecimento global, tornou-se auditor ambiental e passou a oferecer o serviço carbon free, o qual prefere chamar de “neutralização de emissões de gases poluentes”, afinal, o CO2 não é o único responsável pelo efeito estufa. “O planeta está com febre. Como no ser humano, prescreve-se antibiótico para controlar a temperatura. Já o remédio para o aquecimento global é a neutralização e mudanças de hábitos”, fala Matarazzo. “Falta apenas um grau para que o planeta atinja a maior média de temperatura dos últimos três milhões de anos.”

O carbon free funciona da seguinte maneira: com base na rotina de alguém ou na atividade de uma empresa, são realizados cálculos específicos para saber quanto de CO2 é lançado na atmosfera. Entram nesse levantamento, conhecido por “inventário”, itens como quilômetros rodados de carro (o principal vilão), lixo (porque vai para o aterro, que libera gás metano, outro veneno planetário), consumo elétrico, etc.

Cálculos Planetários

De acordo com o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC , na sigla em inglês), entidade vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU), a emissão média per capta de CO2 nos países em desenvolvimento é de 4,2 toneladas por ano. Apesar de o Brasil estar nessa categoria, o brasileiro emite por volta de 10 toneladas. Nos países desenvolvidos, o volume é maior: 16,1. Uma empresa lança infinitamente mais CO2, entre outros gases. Com os números em mãos, sabe-se quantas mudas deverão ser plantadas a cada ano. Uma árvore adulta absorve aproximadamente 200 quilos de gás carbônico na atmosfera, o que é pouco.

A equação parece simples, mas o processo não. Osvaldo Stella Martins (foto de capa), de 39 anos, fundador da ONG Iniciativa Verde, explica que não basta plantar. É indispensável monitorar a área de plantio, para que as mudas se tornem árvores frondosas. Afinal, as mudas sozinhas, jogadas à própria sorte, dificilmente vingam. “Esse controle mostra que o trabalho é sério”, avisa Martins. “Saber o local exato, o lote do plantio, independentemente de serem poucas ou milhares de árvores, também é importante.”

A ONG lança mão do carbon free para restaurar áreas de preservação permanente de mata ciliar (vegetação localizada nas margens dos rios, lagos, represas e nascentes). Fazem foto aérea do local do reflorestamento, preparam o solo para receber mudas de espécies nativas e próprias da região, plantam e acompanham o crescimento periodicamente para combater pragas. Após um ano, fotografam novamente, procedimento que se repete a cada cinco anos. E, numa cadeia ampliada, contratam mão de obra de cooperativas rurais e outras ONGs. Todo o material fica documentado no site.

Ser carbon free envolve custos. Cobra-se pela neutralização, seja para calcular a emissão de CO2 ou para criar um plano de redução do gás dentro de uma empresa, com ações que vão desde a substituição de um gerador a diesel até a captação de energia solar, coleta seletiva, entre muitas outras alternativas de baixo impacto ambiental. O investimento não é baixo, mas nada como passar uma boa imagem para o consumidor, mostrando empenho para recuperar o planeta. Ambientalistas garantem que as medidas sustentáveis geram retorno financeiro no futuro.

Cidadania

Fora as empresas, os cidadãos comuns podem calcular seus gastos gratuitamente em sites como o da Iniciativa Verde. Como muitos estão percebendo a importância de arregaçar as mangas, a quantidade de árvores plantadas cresce a cada temporada. Há três anos, a ONG plantou 10 mil árvores. No ano seguinte, esse número dobrou. Em 2006, saltou para 100 mil. Pelo que tudo indica, 2007 será um ano de mais avanços. Matarazzo, do Projeto Ilhas Brasileiras, conta que houve um aumento de 70% na procura pelo seu programa de neutralização.

Esse interesse crescente também impulsionou o pesquisador ambiental da Universidade de São Paulo (USP), Marcelo Theoto Rocha, de 36 anos, a abrir sua própria empresa – a Fábrica Éthica, que desenvolve projetos voltados para questões climáticas. “A demanda nessa área está muito grande”, atesta Rocha, que, como consultor técnico, acompanha a delegação brasileira nas negociações internacionais da ONU para o Protocolo de Kyoto (acordo mundial para a redução de gases na atmosfera). “Por isso mesmo, o mercado está uma bagunça e é preciso ter mais controle. O interessado deve se informar bastante, perguntar, analisar cada proposta e tomar uma decisão consciente.”

A notícia boa é que esse boom mostra que os mortais estão cada vez mais conscientes. Afinal, o problema é seríssimo. Se continuar nesse ritmo, o aquecimento global vai desencadear drásticas mudanças climáticas. Tem muita gente preocupada com isso, como Miriam Duailibi, de 52 anos, coordenadora do Instituto Ecoar. Com 15 anos de vida, o Ecoar deixou de ser ONG para se tornar uma OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público. Significa que passa agora por auditoria e é credenciado no Ministério da Justiça.

Entre os seus mais de 50 projetos ligados ao meio ambiente, está o programa de reposição florestal permanente, que já realizou o plantio de mais de 10 milhões de mudas nos últimos anos. Bem antes dessa moda carbon free, o Ecoar executou um programa de seqüestro de carbono em 1997, chamado Sou Dono do Meu Nariz. A campanha foi à TV com apoio de famosos como Toquinho, Selton Melo, Luciano Huck, Sabrina Parlatore, entre outros.

A idéia era mobilizar as pessoas para a questão do efeito estufa. Cada novo filiado doava R$ 30,00 para o Ecoar plantar 10 árvores. “Como era uma campanha muito precursora, as pessoas não conseguiam entender a real dimensão do tema, muito menos as questões que envolviam o aquecimento global”, lembra Miriam. Por conta da tímida repercussão, esse trabalho não vingou. Mas nem por isso o projeto ficou engavetado.

Além de fazer reflorestamento, o instituto vem se destacando com uma nova maneira de divulgar os preceitos do carbon free. O projeto Ecoar no Clima do Futuro está formando o primeiro grupo voluntário de “climativistas” – após uma seleção, interessados em defender a causa passam por oficinas e aprendem a diminuir as emissões de gases no seu cotidiano. Com essa bagagem e entusiasmo, vão influenciando outras pessoas a também diminuírem suas emissões de CO2 no dia-a-dia e a plantarem árvores. Educar, neste caso, é a palavra-chave.

“O cidadão é fundamental nesse processo”, observa Miriam Duailibi. “Queremos mostrar que dá para reduzir as emissões em até 30%, mudando hábitos dentro de casa, sem muito esforço. Somos contra essa história de só plantar árvores. Temos de adaptar a vida para a nova realidade da humanidade.” A prova do engajamento são os futuros climativistas do Ecoar: um grupo de 30 voluntários, na faixa dos 25 a 35 anos, inconformados com a indiferença e inércia da população.

A cruzada contra o aquecimento global é tão pungente que não foi à toa que o ex-vice-presidente americano Al Gore e o indiano Rajendra Pachauri, presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), ganharam o Nobel da Paz este ano por seus trabalhos como ambientalistas. E o filme que expõe a causa de Al Gore, Uma Verdade Inconveniente, levou o Oscar de melhor documentário.

(Ciça Vallerio, O Estado de S. Paulo, 11/11/2007)