28 jun Mudança da penitenciária de Florianópolis é certa. Falta o local
Polêmica reascendeu com mais duas fugas no último domingo, quando 78 presos fugiram
O discurso de transferência do Complexo Penitenciário de Florianópolis da Trindade para outro local é repetido há pelo menos uma década. Mesmo assim a mudança parece longe de ser resolvida a curto prazo. Ontem, a secretaria de Justiça Ada de Luca fez novas promessas e foi enfática: “A única saída é a mudança do complexo de local.”.
A secretária garantiu que a penitenciária deixará a região urbana da cidade, mas não fixou prazo. “Esperamos que isso aconteça em até dois anos”, afirmou. Para a mudança ser concretizada ainda falta a escolha de um terreno adequado, além de uma possível contrapartida financeira do governo federal. A obra está orçada em R$ 80 milhões e será construída na cidade de Palhoça. O terreno que iria abrigar o prédio inicialmente foi descartado por questões técnicas (solo inadequado e úmido).
Só este ano 174 fugiram no complexo da Trindade, destes, 153 do Centro de Triagem, inaugurado em dezembro de 2010. “Até a construção do Centro de Triagem não se ouvia falar em fugas, o problema está na construção desta unidade, inadequada e imprópria”, declarou Ada de Luca. Em fevereiro deste ano, 78 detentos fugiram também da triagem.
Como a mudança do complexo ainda depende de ajustes, medidas emergenciais foram decretadas para impedir novas evasões. A construção de uma cerca atrás do Centro de Triagem, que já havia sido anunciada em fevereiro, deve começar esta semana. A secretaria também anunciou a possível contratação de novos agentes terceirizados. “Vamos reforçar o muro e a cerca na parte do fundo do terreno, colocar iluminação, entre outras melhorias”, afirmou Ada de Luca.
O novo complexo terá capacidade para doi mil presos e vai comportar além dos detentos da Trindade os do Presídio Agrícola de Palhoça. Serão 5 unidades: Penitenciária Maculina, Penitenciária Feminina, Presídio Masculino, Presídio Feminino e Semiaberto.
Falha administrativa
Quanto a fuga do último domingo, Ada de Luca declarou que houve falha de gestão e garantiu que uma sindicância será aberta para apurar as causas. No momento da fuga, apenas dois agentes faziam a segurança de 198 presos, ao invés de quatro. Segundo a secretária, um estava de férias e outro faltou o trabalho. “Havia somente dois agentes e o correto seria ter quatro. Foi aberta uma sindicância para verificar essa falha e que isso não aconteça mais.”
Para Ada de Luca, o problema principal está no Centro de Triagem, para onde são destinados os presos temporários ou que ainda não foram condenados. De acordo com os dados da Secretaria da Justiça, durante todo o ano de 2010 o 70 presos fugiram do complexo.
Uma sindicância já apura as causas da fuga que ocorreu em fevereiro, e duas pessoas foram afastadas preventivamente do trabalho. Como o processo ainda está em andamento, a secretaria não soube precisar o grau de culpa dos dois agentes afastados durante a fuga em fevereiro.
A cada quatro presos um foge
Em fevereiro deste ano, o número de agentes na Centro de Triagem subiu de dois para quatro. No entanto, o chefe do Deap (Departamento de Administração Prisional), Adercio José Valter, informou que não era de conhecimento do departamento que apenas dois agentes faziam a segurança no Centro de Triagem no momento da fuga. “Existe um problema de espaço físico na triagem, além do que, essa falha de pessoal não era de conhecimento do Deap”, explica. A área de onde os presos fugiram não é monitorada eletrônicamente.
Atualmente, 13 guaritas de monitoramento estão espalhadas por todo o complexo. Boa parte delas está desativada por falta de pessoal. Para que todas as guaritas fossem ocupadas seria necessário três policiais por turno em cada uma, ou seja, 49 profissionais.
No Centro de Triagem, onde foram registradas as maiores fugas deste ano, para cada quatro preso que da entrada no local um foge.
(Por Fábio Bispo, ND, 28/06/2011)
Moradores dos arredores do Presídio de Florianópolis se sentem inseguros depois da fuga dos presos
Nesta segunda-feira (27) muitas pessoas decidiram não sair de casa. Algumas pessoas se sentem seguras com o excesso de policiais nas ruas
“Já estamos acostumados. Desde criança, eu vejo eles correndo pela nossa rua, tentando fugir”, conta Dartanham Henrique Ferreira, 43. A casa dele fica na rota dos presos que conseguem escapar do presídio da Capital, entretanto, mesmo com as palavras de conformismo, Ferreira admite que tem medo. Pai de três filhos – de 6, 9 e 15 anos -, o motorista se preocupa com a segurança da família, principalmente em momentos críticos como os da noite deste domingo (26).
“Eu não estava em casa, tinha ido trabalhar. Minha mulher ligou apavorada falando da loucura que estava aqui na rua. Pedi pra trancar as portas e não deixar as crianças saírem”, afirma. Indignado, Ferreira relata que a casa do irmão foi invadida por policiais e que o sobrinho chegou a ser revistado. “A mãe dele foi pra casa da vizinha chorando. Fizeram o menino abrir fotos no computador para ver se ele morava ali mesmo. Acho isso um absurdo”, complementa.
A insegurança que ainda toma conta das ruas no Morro do Horácio, fez com que moradores se trancassem dentro das casas e não quisessem falar sobre o assunto. “Todo mundo tem medo de virar refém. Minha mulher tem medo de descer a rua. O pessoal está muito nervoso”, diz ele. Ferreira foi abordado por fugitivos em fevereiro e chega a rir da situação. “Eles pediram meu carro emprestado. Disseram que iam devolver depois. Eu neguei e eles pediram pra eu levar eles embora”, comenta.
Os relatos não são os mesmos para quem mora próximo ao complexo, em condomínios fechados. Os estudantes de arquitetura Amanda Vieira, 23, e Gustavo Piazza, 27, afirmam que só souberam da fuga horas depois do ocorrido. “Não ouvimos nada, só helicóptero e um barulho forte, que depois descobrimos que era bomba de gás lacrimogêneo. Mas não tinha movimentação na rua, estava tudo tranquilo”, comenta Amanda. “Eu me sinto seguro aqui. O policiamento aumenta em momentos como esse e os presos vão para longe daqui, não ficam perto do presídio”, diz Piazza.
Moradores da Trindade estão apreensivos
O presidente da Conseg (Conselho Comunitário) da Trindade, Joel de Castro, diz que muitos moradores do entorno se sentem vulneráveis e apreensivos. “Dentro dos condomínios não tem problemas, mas as pessoas têm medo se serem assaltados ao saírem de casa. Nós estamos preocupados e tentamos acompanhar novidades para acalmar os moradores”, comenta. Segundo Castro, muitos pais de jovens que estudam na UFSC e moram na Trindade ligam para saber o que está acontecendo. “Eles ficam sabendo pelo noticiário e ligam preocupados com os filhos”, afirma.
(Por Emanuelle Gomes, ND, 28/06/2011)
Diretor da penitenciária de Florianópolis entrega o cargo após fuga de 78 presos
Joaquim Valmor de Oliveira desabafa: “Faltam agentes, falta apoio. Tá difícil de trabalhar.”
O diretor da Penitenciária Estadual de Florianópolis, Joaquim Valmor de Oliveira, 56 anos, entregou o cargo agora de manhã à secretaria da Justiça e Cidadania, Ada de Luca. “Tá difícil de trabalhar, faltam agentes para a Central de Triagem da Trindade e além disso a gente não tem o apoio da Secretaria de Justiça. A secretaria entendeu o meu pedido. Ela até ofereceu outro cargo na inteligência da Diretoria de Administração Penal. Mas ainda vou pensar. Primeiro vou tirar meus 18 meses de licença prêmio que tenho direito”.
Joaquim disse que não sabe quem vai ficar em seu lugar na direção da penitenciária. “Eu sempre fui contra a construção da Central de Triagem da Trindade, de onde ocorreram duas fugas em massa em apenas 117 dias, da maneira como ela foi feita. Construíram a unidade prisional sem consultar especialistas do sistema carcerário”, esbravejou.
Há dois anos e meio na direção da penitenciária, Joaquim administrou o complexo penitenciário – que compreende a penitenciária, Ala de Segurança Máxima, Hospital de Custódia, Centro de Observação de Triagem e a Central de Triagem da Trindade – praticamente sem transtorno.
“Durante este período ocorreram apenas duas fugas no sistema fechado da penitenciária, mas depois que construíram a Central, em dezembro do ano passado, ficou complicado e começaram a surgir fugas em massa. Se eles não adotarem providências, vão fugir ainda mais presos”, adevertiu. A assessoria da secretaria da Justiça e Cidadania informou que mais detalhes sobre o pedido de exoneração do diretor da penitenciária será divulgado às 16h de hoje.
Segundo o comando da Polícia Militar, até o momento foram recapturados 18 presos dos 78 que fugiram domingo (26).
(Por Colombo de Souza, ND, 28/06/2011)
Barril de pólvora
A fuga de 78 presos do Complexo Penitenciário de Florianópolis, no domingo, é o atestado da definitiva falência do sistema prisional do Estado. Os detentos que escaparam da central de triagem do complexo da Agronômica o fizeram à luz do dia, após subjugarem os dois únicos agentes penitenciários de plantão e isto, se não diz tudo, diz muito sobre a situação. Esta é a segunda fuga em massa registrada naquele estabelecimento penal, depois da evasão de, coincidentemente, outros 78 prisioneiros ocorrida em fevereiro deste ano. As operações desencadeadas na tentativa de recapturar os fugitivos provocaram verdadeiro pandemônio na cidade. A cada nova fuga, aumenta a sensação de insegurança e de desvalia da população.
O descalabro não se limita a Florianópolis. Mas replica o que ocorre em estabelecimentos penais em todo o Estado. E no país também. Na verdade, o complexo penal brasileiro assemelha-se a um barril de pólvora com o estopim aceso. Instalações superlotadas, cadeias infectas, falta de pessoal qualificado para lidar e controlar a população carcerária, frequentes denúncias de maus-tratos e atropelo dos direitos humanos compõem um quadro lamentável. Ademais, aos apenados, quase sempre, são negados cursos e treinamentos intramuros que lhes proporcionem, quando fizerem jus à liberdade, encontrar meios dignos de subsistência. Nessas circunstâncias, a pena, que não deve ser apenas punição, perde sua função mais nobre: recuperar o delinquente para a vida em sociedade.
As evasões, como a ocorrida no domingo de frio e chuva na Capital, repita-se, refletem a falência de todo um sistema que precisa ser reformulado por completo. Mas, até hoje, dos poderes públicos responsáveis, a sociedade, assustada e ameaçada, tem recebido apenas promessas, a exemplo das que são feitas em relação à educação e à saúde públicas, outros dois sistemas à beira do colapso também.
(Editorial, DC, 28/06/2011)
Colombo prevê novo complexo em 11 meses
O governador Raimundo Colombo (DEM) fez uma nova promessa ontem: a de que irá construir um novo complexo penitenciário para a Grande Florianópolis num prazo de 11 meses, ou seja, até maio de 2012.
Segundo ele, será entre Paulo Lopes e Palhoça, num terreno a ser desapropriado. O governador garantiu que a atual área do Bairro Trindade não irá à venda e ficará sendo como de utilidade pública.
Na entrevista que concedeu à tarde, a secretária da Justiça e Cidadania, Ada de Luca, informou que o governo tem R$ 80 milhões para fazer a obra, mas que ainda procura um terreno para a construção. Ada relatou, ainda, que o governo quer uma área em Palhoça e que a nova prisão terá capacidade para 2 mil presos – ontem o complexo da Trindade abrigava 1,6 mil detentos. Ada disse que o tempo para a entrega da obra é de um ano e meio a dois anos, quase o dobro do prazo previsto pelo governador.
– A nossa dificuldade não é só de achar o terreno mais adequado, mas de a comunidade aceitar a nova construção – declarou, sobre as resistências das prefeituras em receber o complexo.
(DC, 28/06/2011)
Uma fuga bem planejada
A falta de segurança e a criatividade dos presos foram alguns dos elementos que permitiram a fuga na tarde de domingo.
Pelo modo como ocorreu, foi um plano arquitetado há vários dias. Uma operação pente-fino no local na manhã de ontem mostrou artimanhas dos detentos para escapar.
Nas celas, os agentes encontraram duas serras divididas em quatro pedaços. Num deles, os presos usaram uma escova de dentes para fazer o cabo e evitar ferimentos na mão durante o trabalho de serrar a grade. Para não haver um flagrante da tentativa de fuga, os presidiários usaram fio de lã cinza enrolada em tubos de papel para substituir as grades que foram sendo retiradas uma a uma. Na operação, os agentes também localizaram dois telefones celulares, quatro facas de cozinha e sete espetos (um tipo de punhal caseiro montado com um pedaço de ferro). Para confeccionar todo esse material, eles utilizaram ferragens das camas e de ventiladores.
Um bilhete encontrado em uma das celas mostrou, ainda, que os presos conseguiam se comunicar mesmo estando em celas separadas. Eles também faziam contato durante os horários de banho de sol. O texto do bilhete revela a circulação de celulares no local.
“Gilberto, o Siganinho queria o chip da 84 emprestado. Mas eu falei que está com você. Daí, se quiser emprestar, ele falou que deixa outro com você de outra operadora. Daí, é tudo contigo. Só você numa resposta pra eu mandar um retorno lá pra ele”.
O texto foi assinado pelo preso Dentinho (Adriano Balthazar dos Santos), condenado a 20 anos de prisão, em abril, por homicídio e um dos fugitivos do domingo.
(Por Pedro Rockenbach, DC, 28/06/2011)
Diretor sai e desabafa
Após a fuga dos 72 detentos da central de triagem do Complexo Prisional da Trindade, o futuro da gestão do local começou a ser traçado numa reunião na manhã de ontem entre a secretária de Justiça e Cidadania, Ada de Luca; o diretor da penitenciária, Joaquim Valmor de Oliveira, e do diretor do Departamento Estadual de Administração Prisional (Deap), Adércio Velter. No fim do encontro, Oliveira anunciou a entrega do cargo:
– Se continuar do jeito que está, fugas mais graves acontecerão.
A reunião começou por volta de 10h. Às 10h30min, assessores e o diretor do Deap saíram da sala, deixando Ada e Oliveira numa conversa a portas fechadas. A secretária aceitou o pedido feito por Joaquim e teria oferecido um cargo na própria pasta. Joaquim ficou de avaliar a proposta e não quis falar qual seria a sua nova ocupação. Depois da conversa, o diretor da penitenciária fez um desabafo após dois anos e dois meses à frente da função.
Sobre a central de triagem, que também estava sob o seu comando, disse ser um grande erro a instalação na área no complexo.
– Desde de o início sempre fui contra e avisei que ocorreriam fugas do jeito que estava. Era uma bomba sem a mínima segurança.
Na tarde de domingo, a triagem abrigava 206 detentos. No momento da fuga, apenas dois agentes penitenciários estavam de plantão. Segundo Oliveira, as normas de segurança exigem que haja, pelo menos, um agente para cada 10 detentos. As mesmas condições em que se encontrava o local desde a fuga histórica ocorrida em fevereiro.
– Mandamos vários ofícios para o Deap pedindo reforço. Não recebemos nada de retorno. Não veio nada do governo do Estado. Por conta própria, retiramos dinheiro do Fundo da Penitenciária para colocar câmera de vigilância – criticou Joaquim.
Um agente prisional que não quis se identificar reclamou das péssimas condições do Complexo:
– Se tu visse o estado da tela da unidade da máxima onde trabalho ficarias apavorado. É nesta unidade que está o Davi Schroeder (o Gângster, do PGC) e outros detentos de alta periculosidade.
(DC, 28/06/2011)
O cenário não mudou
Da fuga de 7 de fevereiro para a de domingo nada foi feito para garantir mais segurança na central de triagem
As autoridades do sistema prisional catarinense não conseguiram explicar a falta de ações preventivas de segurança na central de triagem, em Florianópolis, localizada em uma área residencial no Bairro Trindade. No intervalo de 139 dias entre as duas fugas recordes este ano, não houve a construção de muro ou tela nem reforço de agentes ou câmeras no local.
As condições de estrutura eram praticamente as mesmas em 7 de fevereiro, quando 78 detentos fugiram, e no domingo, quando 78 escaparam. Nos mais de quatro meses entre uma e outra, o Departamento de Administração Prisional (Deap) não realizou melhorias no espaço a ponto de dificultar ou impedir que os presos fugissem novamente.
– Também estou achando muito ruim – respondeu a secretária da Justiça e Cidadania, Ada de Luca, ao ser indagada pelo DC dos motivos da inoperância nesse período.
Ada disse que a construção do muro ou de uma tela nos fundos do complexo não aconteceu por questões burocráticas de licitação. Constrangida com a fuga, ela declarou que espera, esta semana, a instalação de uma contenção nos fundos do terreno do complexo que dá acesso aos morros do Maciço.
Quanto ao inexpressivo número de agentes prisionais na central de triagem, o diretor do Deap, Adércio Velter, disse que quatro funcionários deveriam estar trabalhando no domingo, mas um faltou e o outro entrou em férias. Com isso, eram apenas dois para cuidar de 206 presos. Na escapada de fevereiro, também eram somente dois servidores cuidando dos detentos. Assim, nos dois episódios, terminaram facilmente rendidos.
Ada e Adércio taxaram como “falha de gestão” para o que aconteceu no domingo em relação aos agentes e anunciaram a abertura de uma sindicância. O diretor da penitenciária, Joaquim Valmor de Oliveira, responsável pela central de triagem, deixou o cargo na manhã de ontem. Ada afirmou que ele pediu para sair. Em seu lugar entrou o agente prisional e pedagogo Leandro Antonio Soares Lima, ex-gerente da Casa do Albergado.
O secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Estadual de SC (Sintespe), Mario Antonio da Silva, classifica como negligência e omissão a ausência de medidas e ações. O representante da entidade a que estão filiados os agentes prisionais acredita que a intenção das autoridades é sucatear a unidade para entregá-la à iniciativa privada e terceirizar serviços. Ontem, a secretária Ada reconheceu que terá de contratar agentes terceirizados.
– Faltaram investimentos e iniciativas, e por falta de avisos não foi – observou Silva.
Ada afirmou que a existência da central de triagem no complexo é inadequada. Dali fugiram mais de 150 presos este ano. Em 2010, fugiram 70 detentos de todo o complexo da Trindade. Do total, haviam sido recapturados até ontem 93 detentos.
(Por Diogo Vargas, DC, 28/06/2011)