08 jun Poluição visual nas cidades, tanta propaganda funciona?
A divulgação de um evento, de um produto, de uma marca, é fundamental para o sucesso de qualquer negócio – isso não se discute, é ponto pacífico. Mas acertar a mão na propaganda não é tarefa das mais fáceis. Nem sempre o bom senso prevalece ou a criatividade dos anunciantes demonstra ser capaz de atrair o consumidor.
Não são poucos os casos em que o tiro sai pela culatra. O bombardeio de apelos visuais pode até saturar a paciência do público, levar à banalização da mensagem e, não raras vezes, fazer com que o telespectador saia da sala ou mude de canal. Nas vias públicas, a poluição visual vem sendo sistematicamente combatida e um dos melhores exemplos do êxito dessa luta é que os outdoors estão caindo em desuso e as campanhas de mídia indoor se intensificando.
Em São Paulo, o governo Kassab deu um basta na caótica paisagem, através da lei “Cidade Limpa”, de 2007, que proíbe a propaganda em outdoors na cidade e regula o tamanho de letreitos e placas de estabelecimentos comerciais (no artigo18, a lei impede toda e qualquer forma de publicidade exterior: “Fica proibida, no âmbito do Município de São Paulo, a colocação de anúncio publicitário nos imóveis públicos e privados, edificados ou não.”)
Casos e casos
No Rio de Janeiro, o “choque de ordem” já começou, as campanhas indoors se multiplicam, mas ainda há muito a fazer para evitar os abusos que enfeiam a paisagem. Se por um lado, sumiram os outdoors na sede do clube do Botafogo, que é tombada, e sobre os muros do campus da Praia Vermelha da UFRJ, a própria Prefeitura do Rio permitiu, recententemente, a instalação em postes de um sem-número de galhardetes para promover o show de Natal do cantor Roberto Carlos e autorizou a instalação das horrendas guitarras do Rock in Rio em pontos nobres.
Quem trata de eventos e de publicidade em via pública é a Secretaria Especial da Ordem Pública (Seop), com exceção dos eventos na orla. Estes passam obrigatoriamente pelo gabinete do prefeito, de acordo com a assessoria de imprensa. Ele é quem decide que anunciante pode veicular sua marca, “em benefício da imagem do Rio”, uma vez que a idéia central é a de valorizar as belezas naturais da Cidade Maravilhosa, que será sede das próximas Copa do Mundo e das Olimpíadas.
É também à Seop que o produtor de um evento deve submeter seu projeto, depois de obter o “nada a opor” junto à Subprefeitura. Só então, ele entrará com o processo de regularização do evento junto à Coordenadoria de Licenciamento e Fiscalização. Há casos em que ele terá que obter liberação do evento junto aos órgãos de segurança (PM, Corpo de Bombeiros, entre outros).
Divulgar é preciso
A propaganda maciça funciona ou corre o risco de levar à banalização?
Depende muito do produto. Quando o mercado é muito competitivo, o anunciante tem que falar tão alto quanto os concorrentes. Eu não vou duvidar dos grandes anunciantes. O que existe é o limite do custo e do bom senso. Na comunicação, todos os possíveis pontos de contato são aproveitados, desde uma frota de caminhão ao contato do vendedor com o cliente.
Como divulgar um produto sem gastar muito?
Não tem como se falar em termos de dinheiro, mas de relevância. A questão não é desperdiçar dinheiro, mas a atenção do consumidor. O da área cultural tem um perfil bem diferente do geral, tem o senso mais crítico sobre entretenimento além da cultura. Ele lê a revista X, o jornal Y, é preciso levar até esse consumidor a informação, que estará no planejamento de mídia que se faz. Neste caso, o gasto é investimento. Porém, muitas vezes, o primeiro corte que um produtor faz em seu orçamento é justamente o da divulgação.
Quais são os meios mais eficientes em publicidade?
Há várias ferramentas para se divulgar um produto: propaganda, relações públicas, promoção de vendas (descontos, brindes), entre outras estratégias. O ponto de partida para um empresário que queira divulgar o seu produto é ir a uma agência ou assessoria de comunicação para fazer o planejamento, produzir um documento em que coloque seus objetivos e avaliar as ações, tendo em vista o mercado e o público-alvo.
Além da propaganda, a assessoria de imprensa é fundamental, pois a informação editorial – a que não é paga – tem mais credibilidade. É preciso utilizar todas as ações de comunicação, gerar o burburinho, cercar por todos os lados (propaganda, assessoria de imprensa, internet).
Ações na internet apresentam bons resultados?
O custo na internet, por exemplo, é quase zero: produz-se um trailer no youtube, utiliza-se o twitter, cria-se um perfil numa rede social, como uma página no Facebook. O “boca-a-boca” na mídia digital funciona muito bem, principalmente junto ao público mais jovem, mas isso não é tudo. É preciso conhecer o segmento, o nicho de mercado que se quer atingir, até para evitar o bombardeio de apelos. O profissional de comunicação vai saber em que lugares deve atuar e em quais não deve promover ações de jeito algum.
Mudanças à vista
A regulamentação da publicidade em espaço público está prevista na Lei Orgânica do Município, mas mudanças serão promovidas. Um dos problemas é que as multas são irrisórias e uma grande parcela de anunciantes se aproveitava disso para estampar os produtos. Atualmente, quando a fiscalização flagra um caso assim, estampa um adesivo informando que se trata de propaganda irregular. Que empresário iria querer seu produto associado à ilegalidade?
A Prefeitura está em fase de revisão da legislação que permite a exploração de publicidade por empresas de mídia externa e afins. O governo encomendou um estudo à Seop para acabar ou reduzir a proporções mínimas a exibição em outdoor e empenas (publicidade em lateral de prédios) no Centro e na Zona Sul do Rio. Haverá também uma redução na chamada publicidade indicativa, que vem a ser os letreiros de lojas, bares, restaurantes e escritórios.
Por outro lado, o projeto prevê corredores publicitários em áreas da Zona Norte e Zona Oeste, tais como Avenidas Brasil e Dom Helder Câmara, a pretexto de proporcionar melhoria da imagem desses lugares. “São espaços degradados que podem ser melhorados visualmente com a publicidade e, consequentemente revitalizados, economicamente falando”, diz a Prefeitura.
Em relação à publicidade como parte da iconografia de uma cidade, como a Times Square em Nova York ou Tóquio, a posição do governo municipal é direta: “Não é o caso do Rio de Janeiro. A Prefeitura, através da Seop, é contra ter engenhos de publicidade brigando com a história ou com as belezas naturais da cidade. Há de se convir que Nova York e Tóquio são cidades onde o concreto prevalece, ao contrário, por exemplo, de Paris ou Roma.”
Legislação e mobiliário urbano do Rio são exemplares
Antonio Jorge Alaby Pinheiro, diretor da agência Mídia 1 e professor da Fundação Getúlio Vargas (Cinema e TV) e da PUC-Rio (Mídia), acredita que não cabe fazer um “Cidade Limpa” no Rio de Janeiro, como em São Paulo,“pois já existe uma legislação muito clara a este respeito.”
“A primeira grande ’faxina´ na cidade começou com o prefeito Marcos Tamoyo, há mais de 30 anos, que baniu, por exemplo, os outdoors sobre os prédios de Botafogo e a publicidade na Urca. Ali, ele passou a ordenar a cidade, a fazer a limpa nos outdoors espalhados pela Zona Sul”, conta.
Destaca que o assunto voltou a ser tratado no primeiro mandato de Cesar Maia, no início dos anos 90, quando o prefeito convidou o Grupo de Mídia do Rio de Janeiro – que presidia à época e era formado por profissionais de mídia, de agências e anunciantes – a integrar uma comissão para analisar e tratar do assunto com rigor e bom senso, sabendo que a presença das empresas e marcas no espaço público é necessária.
“Essa ordenação se transformou em lei que está em vigência até hoje e foi aprimorada por seu sucessor, Luiz Paulo Conde, que fez a licitação pública para o mobiliário urbano de três peças: o abrigo para ônibus, o tótem giratório e o espaço no relógio digital. Em todos os três, a propaganda em papel, com o mesmo formato, muda semanalmente. Nas costas do tótem, a Prefeitura divulga as suas campanhas ou cede o espaço para campanhas de utilidade pública. Isso mudou o conceito de mídia exterior, porque é semanal e você não escolhe o lugar, se compra um circuito, além de gerar imposto para a cidade.”
Antonio Jorge lembra que, quando surgiu o “Cidade Limpa” em São Paulo, um vereador carioca propôs fazer o mesmo no Rio, o que, a seu ver, é desnecessário: “Temos um modelo exemplar, que já serviu de referência para outras cidades. É tudo feito às claras, não há nada por debaixo dos panos, e a Prefeitura ganha. A legislação do Rio é clara e São Paulo não tinha uma regra até então, por isso foi radical, porque havia um descontrole, e era necessária para dar início a um estudo sobre a ocupação do espaço público pela propaganda, o que não ocorreu até o momento”.
Texto escrito por Deborah Dumar.
Liberdade é poder escolher
Ela ainda é a alma do negócio. Só que não se pode fazer mais a publicidade de antigamente. A exposição de uma marca, a torto e a direito, em excesso, produz três resultados: parte dos consumidores simplesmente a olham mas não percebem; parte dos que percebem, acabam por ficar irritados pela insistência, criando uma rejeição extra para a empresa anunciante e, por fim, jogam-se rios de dinheiro fora.
A antipatia produzida pela sobrecarga de uma marca que insiste em se mostrar pode ser, em parte, amenizada através de promoções e patrocínios de eventos esportivos e culturais. Neste caso a marca é percebida pelo benefício que está propiciando à platéia o que é muito simpático ao contrário da exposição desmedida. A comunicação é um processo complexo que está sendo refinado e sofisticado.
As empresas são sempre as mesmas, todas muito grandes: telecomunicação, bancos, automóveis, bebidas, alimentos. Como os correntes se comportam do mesmo jeito, com campanhas milionárias, marcas brilhantes, garotos e garotas propaganda luminosos, e tudo o mais que possa chamar a atenção do consumidor – apesar das estatísticas produzidas pelo mercado publicitário que provam o contrário – está na cara que tantos estímulos se anulam. Em quem acreditar? Você vai abrir uma conta bancária porque viu mil comerciais de um banco? Ou vai trocar seu banco atual por causa do outdoor de um concorrente? Decisões de consumo, hoje, levam em conta muitos outros fatores como custo, atendimento, informação, comodidade, praticidade, referências pessoais e, principalmente, com o fato do consumidor perceber que o anunciante tem respeito por ele. Estamos na era do marketing dirigido, pontual e viral. E em breve chegaremos ao marketing-serviço porque, para aparecer, será preciso oferecer alguma coisa ao consumidor.
O que está em discussão é o direito à privacidade e à liberdade dos indivíduos que, ao contrário do que dizia a comercial de TV, não é uma “calça velha, azul e desbotada”. Liberdade é poder escolher. As pessoas utilizam o tempo dos comerciais para fazer coisas úteis enquanto esperam o reinicio da novela. Está sempre presente a opção de desligar a TV ou mudar de canal. Você pode ler um jornal inteiro e simplesmente não ver anúncio algum. Mas quando o anúncio está na paisagem, estão obrigando você a vê-lo, sem possibilidade de escolhas. E isso está deixando de ser legal.
(Fazer e Vender Cultura, 08/05/2011)