Ilha sem fôlego, Camboriú no assopro

Ilha sem fôlego, Camboriú no assopro

Artigo escrito por Laudelino José Sardá, jornalista e professor (Acontecendo Aqui, 14/10/2010)
O Balneário Camboriu é a cidade que obtém ótimos dividendos com as festas de outubro, mesmo sem sediar um dos eventos. Seus hotéis estão lotados e suas ruas tomadas até altas horas, em função das compras, entretenimento e da gastronomia que constituem as grandes atrações. Há produtos de griffe custando 50% menos em relação aos de Floripa. Da mesma forma os restaurantes, cujos preços abrem opções aos turistas de todas as classes. Jovens fogem da Capital em busca de diversão em Camboriú, onde se juntam paulistas, paranaenses, gaúchos, argentinos, matogrossenses, enfim, uma fatia considerável de turistas de várias idades e de recantos. Na praia de Camboriú, há de tudo, espaços para inúmeras diversões. Idosos jogam bocha, vôlei, fazem caminhadas, enquanto casais mais jovens e as novas gerações se divertem com muitas alternativas. Quando chove, os shoppings não são as únicas opções.
Assim, a cidade alcança densidade econômica e crescimento social. E há engarrafamento em Balneário Camboriú? Sim, bastante. Só que os veículos trafegam na velocidade de uma cidade que vive o turismo, razão pela qual não há o estresse de uma cidade recheada de problemas. Balneário Camboriu tem, sim, sérios problemas, mas conseguiu estruturar-se para exercer a vocação turística. Não há dúvida de que arquitetura revela uma cidade sem um plano diretor decente, mas ela se adequou a uma vocação. Como será o futuro de Balneário Camboriú? Sinceramente é imprevisível. A cidade necessita urgentemente discutir medidas de reorganização urbana, para não ficar à mercê do assopro.
E FLORIPA?
Bem, na segunda-feira embutida no feriadão, quando algumas dezenas de turistas circulavam pela Ilha, o Deinfra resolveu, quase no final de tarde, consertar o guard rail da SC-401, provocando cerca de três quilômetros de engarrafamento. Será que a surrada e equivocada estratégia de mostrar serviço em pleno rush continua sendo aplicada? Não acredito, mas o Deinfra voltou a cometer o mesmo pecado nesta quarta-feira, dois dias depois, causando novas filas que imobilizaram a avenida Beira-Mar Norte. O Deinfra é um órgão que não enxerga a imobilidade de Floripa. Seus dirigentes deveriam realizar um tour a São Paulo para verificar que, pelo menos, as obras em ruas e rodovias são realizadas durante a madrugada. Aliás, esse procedimento ocorre em todas as cidades bem administradas.
Como se esses problemas não bastassem, mais de 240 registros de roubos e assaltos em delegacias da Grande Florianópolis. E nem restaurantes escaparam dos criminosos. A propósito, Santa Catarina elegeu o ex-secretário de Segurança, Ronaldo Benedet, para uma cadeira na Câmara Federal. É um paradoxo! Houve solução para a (in)segurança nos oito anos deste governo?
Luiz Henrique, Benedet, Dário Berger e tantas outras autoridades foram a Nova Iorque conhecer o programa Tolerância Zero e trouxeram o seu autor e ex-prefeito da maior cidade do mundo, Rudolph Giuliani, que adorou Floripa, fez uma boa palestra e acertou uma consultoria para a execução de um plano similar. Ficou no papel. Santa Catarina não tem uma política e nem um plano de segurança. Ao longo dos últimos anos, o governo limitou-se a medidas de varejo e as cidades sofrem com as conseqüências do poder dos traficantes e de outros criminosos que dominam mais de 30% das favelas da Grande Florianópolis, onde o serviço público não entra, temendo a saraivada de balas. Além da omissão e promessas do governo estadual, Floripa está acéfala. O alcaide alienígena parece estar na contagem regressiva do término do seu mandato. Ele confessou que “estou de saco cheio”. E o do povo? Já estourou há muito tempo.
Contudo, o feriadão acabou facilitando a vida dos moradores da Ilha, pelo fato de se ter confirmado que é o serviço público o maior causador de entupimento dos acessos, principalmente na via expressa continental.
Pasmem: na segunda-feira, dia normal, mas do feriadão, em que o serviço público se acha no direito de não funcionar, faltavam 10 minutos para as 18 horas e a via expressa estava trafegável. Gente, acredite, não havia engarrafamento. Em dias normais com o serviço público funcionando, o engarrafamento chega a entupir o túnel Antonieta de Barros. Confirma-se, assim, que a salvação da Ilha implica, necessariamente, na retirada de serviços públicos federais, estaduais e alguns municipais da Ilha. Mas, ao contrário, o que se vê é a chegada de mais inquilinos de repartições, ocupando pontos privilegiados da cidade. Não há ponte que dê vazão a tantos servidores públicos concentrados numa ilha!
Floripa não encontrou ainda a sua vocação. Desenvolve com competência a indústria de tecnologia de ponta por iniciativa e tenacidade de empresários e universidades. A indústria do software e do hardware já emprega bem mais que o turismo na Ilha. Se o governo e a prefeitura tivessem dado o apoio que merece o projeto Sapiens Parque, com certeza esse empreendimento já teria começado a mudar a concepção de um balneário sem cara, Canasvieiras, cuja tendência é de crescer como um reduto de traficantes.
Mas, seria Floripa uma cidade da tecnologia, uma ilha do silício? Não, porque nessa vocação nem os governos estadual e municipal acreditam. Claro, seria uma grande simbiose: turismo e tecnologia de ponta. Infelizmente, continuamos uma ilha do faz de conta, de uma classe alta que se esconde em seus bunkes e anuncia ao mundo que esta terra é a mais convidativa do planeta. Vive-se bem de helicóptero, liberdade de horário para se deslocar em carro blindado e de festas com um segurança para cada grupo de quatro festeiros.
Floripa está perdendo a sua máscara. E não é uma máscara veneziana, que dá vazão à alegria e à crença na vida. Não! A máscara de Floripa que está caindo escondeu, por muitos anos, uma falsa realidade. Quem sabe agora o falso Arlequim confesse que esta Ilha está se deteriorando com muita rapidez, como a ilha de Arguim, na costa africana, que até castelo ganhou no século XV e que agora vive à mingua.
A Ilha necessita de um pacto em sua defesa, da sua reconstrução. E nessa mobilização os políticos precisam jurar que não vão levar vantagens pessoais. E muitos menos os empresários que pagam campanhas eleitorais para levar vantagem. Não! A Lei de Gerson tem que, antes, ser revogada, queimada para que ressurjam a solidariedade, a consciência de valor, leis sérias e consistentes.
Seria utopia? Sim, pode ser. Quem sabe porque – parodiando Baudelaire – a cidade não tem grandes homens senão contra a vontade dela.