13 jul A reinvenção de Floripa
A imagem que muitos brasileiros e estrangeiros costumam ter de Florianópolis é a de um lugar perfeito para passar férias, com belas praias, boa comida e povo hospitaleiro. De fato, o visual encantador e a posição de sede do governo de Santa Catarina sempre sustentaram a cidade, mas ela nunca foi a economia mais importante do estado. Mas, nos últimos anos, a ilha dos manezinhos, como são conhecidos os habitantes de Florianópolis, transformou-se num centro de inovações tecnológicas e empreendedorismo que a colocaram no radar de instituições como o Massachusetts Institute of Technology (MIT). Talvez por isso, no ano passado, a revista americana Newsweek incluiu Florianópolis na lista dos centros urbanos mais dinâmicos do mundo. Graças à feliz combinação de boas universidades, qualidade de vida e incentivos fiscais, o setor de tecnologia, que até 2001 não estava nem entre os cinco mais importantes da economia local, passou o turismo e hoje é o maior pagador de impostos em Florianópolis. Com o avanço da nova economia, há três anos o produto interno bruto da cidade pela primeira vez ultrapassou o da industrializada Blumenau — atualmente, fica atrás apenas do PIB de Joinville. São evidências de que a cidade conseguiu reinventar sua vocação econômica e hoje colhe os frutos dessa empreitada.
A gênese dessa mudança remete a 1986, quando a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) criou o Celta, uma incubadora de empresas, para aproveitar o talento de jovens engenheiros que saíam da universidade com muitos projetos na cabeça, pouco dinheiro e nenhuma noção empresarial. Em 1991, um pacote de isenção de impostos municipais sobre serviços e sobre propriedade converteu a iniciativa da universidade numa política pública. Dois anos depois, foi a vez de o governo do estado dar um impulso ao setor, com a criação de um parque tecnológico que aglutinou as empresas. Essa sucessão de medidas permitiu uma nova rodada de avanços, com a migração de mais empresas e o surgimento de novas incubadoras e novos projetos de parques tecnológicos. “No Brasil, há pólos de excelência e inovação que são os segredos mais bem guardados do mundo. Florianópolis é um desses segredos”, afirma Marcus Regueira, sócio da FIR-Capital, gestora de recursos especializada em financiar empresas em estágio inicial. A FIR, com sede em Belo Horizonte, está montando o primeiro fundo dirigido exclusivamente para investir em negócios localizados em Florianópolis, com capital de 12 milhões de reais. Investidores como Regueira têm aparecido com cada vez mais freqüência na ilha. “Toda semana recebo alguém de fora interessado em projetos inovadores”, diz Marcelo Wolowski, diretor da BZPlan, consultoria catarinense de negócios associada ao FIR.
Esses novos “turistas” provavelmente conhecerão figuras como o paulista Norberto Dias, de 40 anos, que há 18 deixou para trás faculdade e emprego em São Paulo a fim de estudar e trabalhar em Florianópolis, depois de se apaixonar pela cidade em uma competição de vela. Dias vive hoje a expectativa de uma nova fase de prosperidade nos negócios. Sua empresa, a Cianet, criou um dispositivo que facilita a implantação da TV digital por cabo, e ainda inibe os “gatos” ao codificar o sinal. “Estamos negociando com as grandes operadoras”, diz ele, que veleja nas horas vagas, bem mais comuns em Florianópolis do que em São Paulo. Assim como Dias, muitos dos alunos que se diplomam nas universidades da região metropolitana da cidade não querem sair de lá. Eles constituem um contingente qualificado, que freqüentemente é atraído pelos negócios emergentes nas sete incubadoras locais. Para grandes empresas, como a prestadora de serviços de tecnologia EDS, que instalou uma filial na cidade, é uma boa oportunidade de contratar mão-de-obra mais barata. Estima-se que os salários em Florianópolis sejam de 20% a 50% inferiores aos pagos em São Paulo ou no Rio de Janeiro.
Mudança na economia
Como Florianópolis está se tornando um pólo de tecnologia e inovação
AÇÕES
Mão-de-obra
Em média 1 000 novos profissionais se formam por ano nas universidades locais nas áreas de exatas e biológicas
Empreendedorismo
Nos últimos 20 anos, foram criadas sete incubadoras de empresas na cidade
Incentivos fiscais
Desde 1988, a prefeitura concede isenção total ou desconto de ISS e IPTU a empresas de tecnologia
Resultados
Novo perfil
A arrecadação de impostos com a área de informática passou a de turismo e isoladamente é a maior de Florianópolis
Ciclo virtuoso
A cada ano são criadas de 20 a 30 empresas com foco em produtos inovadores
Criação de empregos
De 2002 a 2006, foram gerados 4 300 empregos no setor de tecnologia na cidade
Fontes: prefeitura de Florianópolis,Associação Catarinense de Empresas de Tecnologia e Ministério do Trabalho
Segundo a Associação Catarinense de Empresas de Tecnologia, todo ano cerca de 1 000 novos profissionais concluem cursos relacionados ao setor, como engenheiros, matemáticos e especialistas em computação, e também na área de ciências biológicas. Nas incubadoras, eles aprendem a transformar boas idéias em negócios que dão lucro. Foi o que aconteceu com a Nano, empresa que faz próteses para substituir artérias em casos de aneurisma no tórax ou no abdômen. A tecnologia desenvolvida por ex-alunos da UFSC já rendeu à empresa 12 pedidos de registro de patentes internacionais e uma receita de 6 milhões de reais por ano. “Podemos multiplicar por 10 esse faturamento nos próximos anos se conseguirmos atrair capital para investir”, diz Luciano Correia, presidente da Nano. Apesar do crescente interesse dos fundos privados, a maior fonte de financiamento para essas empresas ainda são órgãos públicos, como a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, que lançou em 2006 um programa para emprestar 100 milhões de reais sem juros a projetos de inovação. Dos 36 projetos aprovados até agora em todo o Brasil, 12 são de Florianópolis.
O SURGIMENTO DE UMA NOVA economia tem sido a solução para uma cidade em que é proibido instalar indústrias poluentes. De 2000 a 2006, o número de empresas de tecnologia em Florianópolis mais que dobrou, de 165 para 366. Além de propiciar arrecadação de impostos 2,5 vezes maior que o tradicional setor de turismo, a tecnologia cria mais empregos — 63% mais só em 2006. Esse crescimento se reproduz em outras frentes e impulsiona o consumo. Desde o final do ano passado, dois novos shopping centers foram inaugurados na cidade — o Iguatemi e o Floripa, com investimento total de 200 milhões de reais.
Seleção do futuro
Florianópolis figura numa lista de cidades promissoras, elaborada pela revista americana Newsweek, por reunir qualidade de vida e economia sustentável
Florianópolis (Brasil)
Fukuoka (Japão)
Gaziabad (Índia)
Goyang (Coréia do Sul)
Las Vegas (Estados Unidos)
Londres (Inglaterra)
Moscou (Rússia)
Munique (Alemanha)
Nanchang (China)
Toulouse (França)
Hoje, Florianópolis se vê diante de alguns desafios. Um deles é atrair empresas maiores e continuar fornecendo a elas um bom contingente de talentos. Em algumas funções, como programador em linguagem Java, já começam a faltar profissionais. “É preciso haver um planejamento de longo prazo para que as grandes empresas não desistam de vir para cá”, diz Alexandre Ávila, da Associação Catarinense de Empresas de Tecnologia. Outro desafio é resolver o problema de ocupação urbana sem prejudicar a qualidade de vida, um dos maiores ativos da cidade. Bons indicadores educacionais e sociais e a qualidade de vida também pesaram para que a Newsweek destacasse Florianópolis entre as dez cidades mais dinâmicas do mundo em 2006. O levantamento levou em conta a capacidade de gerar inovação, de aglutinar talentos e de crescer de maneira sustentável. O MIT, por sua vez, incluiu Florianópolis num programa chamado Cidades do Novo Século. Nesse grupo estão também Helsinki, na Finlândia, Copenhague, na Dinamarca, e Seul, na Coréia. Projetos bem-sucedidos de parques tecnológicos e planejamento urbanístico sustentável caracterizam essas cidades, que o MIT aponta como modelos urbanos do futuro. Em Florianópolis, o MIT participa do Sapiens Park, um projeto de parque tecnológico, feito em parceria entre o governo do estado e a UFSC para reunir, numa extensa área no norte da ilha, empresas, universidades, centro de convenção e até um estúdio de cinema, animação e realidade virtual. Por enquanto, a área ainda é uma grande floresta, da qual dois terços permanecerão preservados. O único prédio utilizado é a antiga sede da colônia penal de Florianópolis. Os ocupantes são os 12 funcionários paulistas da Anima King, produtora de vídeos de publicidade que decidiu se transferir para a capital catarinense para realizar um longa-metragem infantil de animação, com orçamento de 6 milhões de reais e temática ambiental. “Viemos atrás de infra-estrutura e tecnologia inovadora, que seriam muito mais caras e complicadas em São Paulo”, diz Paolo Conti, sócio da empresa, que tem entre seus clientes a TAM e a C&A. De acordo com ele, os funcionários não sentem falta da vida que deixaram em São Paulo. “Precisávamos de cabeça fresca para criar”, afirma Conti. “Agora, trabalhamos mais e melhor em menos tempo.”
(Malu Gaspar, Revista Exame, 12/07/2007)