30 maio Estaleiro em Biguaçu: Questões delicadas
OSX busca soluções para superar os dois principais desafios à instalação de seu projeto em SC: os golfinhos e o arsênio
A OSX protocolou na semana passada, na Fundação do Meio Ambiente (Fatma), um novo relatório que procura garantir a implantação, em Biguaçu, na Grande Florianópolis, de um estaleiro cujo investimento previsto é de R$ 2,5 bilhões. No documento, a empresa do bilionário Eike Batista aponta soluções para os problemas ambientais identificados pela própria fundação e pelo Instituto Chico Mendes para Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que deu parecer negativo à implantação do estaleiro.
Entre os entraves citados pelo ICMBio estão a população de botos-cinza ou golfinhos da espécie Sotalia guianenses, que utiliza a área como hábitat, e a concentração de arsênio, que, com a dragagem prevista pela obra, sairia do fundo do mar e se espalharia pela coluna de água.
Na Fatma, o novo relatório ainda está em estudo, mas o presidente do órgão, Murilo Flores, garante que agendará as duas audiências públicas necessárias previstas pela lei para meados de julho. Uma será em Governador Celso Ramos e outra em Biguaçu.
– Até lá, vamos analisar o relatório e, se for preciso algo mais, vamos solicitar à empresa.
O coordenador regional do ICMBio, Ricardo Castelli, também já distribuiu para o corpo técnico do instituto as novas informações da OSX e promete divulgar a avaliação em 10 dias, muito antes do fim do prazo legal, que é de 45 dias.
Na OSX, arsênio e golfinhos são tratados como os principais problemas. Durante uma conferência para a apresentação dos resultados do primeiro trimestre da empresa, o diretor de Sustentabilidade da OSX, Roberto Monteiro, abordou o tema.
– O ICMBio declara que a nossa dragagem afetaria a população de golfinhos na área, especialmente durante a época do acasalamento. Nós estamos oferecendo um programa de monitoramento para os golfinhos e a suspensão ou redução de parte da atividade de construção durante o período de acasalamento. O segundo ponto é o nível de arsênio na água, porque afirmam que há um nível natural no fundo da baía e, quando da dragagem, nós iríamos revolvê-lo. Nós temos questões técnicas em termos de dragagem para não revolver tanto, primeiro ponto. Segundo, isso é um fato natural, nós não estamos acrescentando nada ao meio ambiente, devemos apenas ter técnicas para reduzir esse impacto.
São menos de 200 botos-cinza que habitam exatamente a região onde a OSX pretende dragar o canal de acesso ao estaleiro. Os cetáceos viraram uma espécie de barreira natural para o projeto. O professor de Oceanografia e Biologia da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) André Barreto afirma que essa população residente de golfinhos está ameaçada.
– O boto-cinza (ou golfinho) está na lista estadual de espécies consideradas vulneráveis e a taxa de nascimento é baixa, de um filhote a cada três anos, sendo que a fêmea só pode reproduzir depois dos oito anos. A APA (Área de Preservação Ambiental) de Anhatomirim existe especialmente para cuidar desses golfinhos.
Barreto ressalta que os botos-cinza são muito sensíveis a perturbações sonoras, e a dragagem pode expulsá-los da área (que é o limite Sul para essa população).
– Só existem populações conhecidas nessa região e na Baía da Babitonga, entre Joinville e São Francisco do Sul. Eles não terão para onde fugir. São associados a proximidades com manguezais. E não há mais mangues ao Sul. A dragagem vai alterar o ambiente, aprofundando o canal. E eles precisam de águas rasas para se alimentar e para atividades sociais.
Administrar questões ambientais delicadas, como a dos golfinhos e a do arsênio, não chega a ser uma novidade para o Grupo EBX, dono da OSX. Em 2008, por exemplo, depois de a siderúrgica MMX instalada em Corumbá (MS) receber multas do Ibama, o grupo de Eike Batista assinou um acordo de cooperação com o ICMBio.
Pelo acordo, a EBX destinará R$ 8,9 milhões aos parques nacionais de Fernando de Noronha (PE) e Lençóis Maranhenses (MA), para investimentos em infraestrutura e manutenção pelos próximos 10 anos. O Parque Nacional do Pantanal Mato-Grossense também será beneficiado: receberá outros R$ 2,5 milhões, que serão aplicados até 2013.
– Veja o documento com a transcrição da conferência
Dois grandes nós
BOTOS-CINZA
– O quê
Uma população de menos de 200 botos-cinza, da espécie sotalia guianenses, habita as áreas mais rasas da Baía Norte, onde ficará o estaleiro.
– Para especialistas
Os animais são muito sensíveis a perturbações sonoras. A dragagem necessária à obra poderá expulsar os botos-cinza. O deslocamento de arsênio e outras impurezas ameaça a sua alimentação.
– A empresa
Os botos-cinza não seriam impactados porque utilizam a Baía Norte sem rotinas, possuem grande capacidade de adaptação a interferências em seu hábitat e não têm reações adversas no caso de embarcações.
ARSÊNIO
– O quê
Foi detectada uma concentração maior do que o normal deste metal, extremamente tóxico, na região.
– Para especialistas
Embora não se saiba sua origem, este arsênio, atualmente depositado no fundo do mar, seria deslocado para a coluna de água durante a dragagem. Ele poderia contaminar os peixes da região e quem se alimenta deles, incluindo seres humanos.
– A empresa
No estudo inicial, a OSX argumenta que o arsênio é um metal pesado que logo se sedimentará. Além disso, todo o material mexido com a dragagem será retirado do mar junto com o material dragado.
Outros pontos pendentes
EROSÃO
– Especialistas
O Pontal da Daniela, na Ilha de Santa Catarina, é formado pela redistribuição de sedimentos por ondas e marés. As dragagens para a obra e manutenção podem modificar o movimento das marés e provocar a erosão do pontal e das praias da Baía Norte.
– A empresa
O estudos matemáticos realizados por pesquisadores apontam que a movimentação será mínima, sem impacto nas praias do entorno. Simulações feitas com base nas condições de vento, marés e correntes constataram que as diferenças entre o cenário atual (sem canal de acesso) e futuro são inferiores àquelas que ocorrem normalmente em períodos de verão e inverno.
VAZAMENTOS
– Especialistas
Temem que a movimentação de navios e barcaças com produtos químicos, como tintas anti-incrustrante e óleo, possa resultar em vazamentos, capazes de provocar a contaminação da água.
– A empresa
O estaleiro não é um porto e a movimentação de navios será mínima. Também promete desenvolver um programa de monitoramento da água.
ÁGUA DE LASTRO
– Especialistas
Interpretam que não ficou claro no estudo apresentado pela OSX onde será despejada a água utilizada para equilibrar os navios, a chamada água de lastro, que pode trazer espécies exóticas à região.
– A empresa
Como medida de controle ambiental, propõe a troca de água de lastro a 200 milhas náuticas do continente.
PESCA E MARICULTURA
– Especialistas
A implantação do empreendimento poderia reduzir a disponibilidade de pescado. Na maricultura, o problema viria pelo aumento de material em suspensão na coluna de água, devido às obras de dragagem, já que mariscos e ostras filtram o que há de sujeira no mar.
– A empresa
Promete sinalizar a área de dragagem e manter o máximo de espaço livre para a pesca. Sobre a maricultura, as medidas incluem realocação de algumas linhas de cultivo e o uso de barreiras flutuantes entre as áreas de cultivo e a dragagem. As dragas de sucção e recalque provocam mínima ressuspensão de sedimentos do fundo.
(Por Simone Kafruni, DC, 30/05/2010)
ESTALEIRO EM BIGUAÇU: Empresa afirma ter planos B e C
Caso o empreendimento seja inviabilizado em Biguaçu, a OSX garante que tem um plano B e até um C. Em documento público que transcreve a conferência telefônica com analistas estrangeiros sobre os resultados do primeiro trimestre, disponível no site da empresa (www.osx.com.br), o diretor de Sustentabilidade da OSX, Roberto Monteiro, diz considerar “muito baixa” a probabilidade de o licenciamento não ocorrer em SC.
No Relatório de Impacto Ambiental (Rima) inicial, protocolado na Fatma, estão apresentados quatro locais que foram avaliados para implantação do estaleiro em SC: Baía da Babitonga, entre Joinville e São Francisco do Sul; canal do Rio Itajaí-Açu, em Itajaí; Imbituba; e o local escolhido, a Baía de São Miguel, em Biguaçu. Portanto, é possível que os planos B e C estejam entre essas alternativas.
– Mesmo com essa probabilidade muito baixa (de não ficar em Biguaçu), temos um plano B. Nós não podemos revelar isso hoje, mas temos um plano B. Nós também temos um plano C. Depois dessa carta do ICMBio, nós tivemos muitos prefeitos e governadores nos oferecendo áreas para mudar o local do estaleiro – afirmou Monteiro a analistas.
Mesmo assim, ele destaca que a mudança de plano é uma possibilidade remota porque o licenciamento ambiental está ocorrendo dentro de um processo considerado normal pelo grupo EBX.
– O que nós estamos fazendo em SC é o que deveria ser feito em qualquer tipo de licenciamento. Nós obtivemos mais de cem licenças, então nós temos um histórico nesse sentido. Acreditamos que esse processo é ruidoso como sempre, mas essa é a maneira de conseguir essas licenças.
(DC, 30/05/2010)
ESTALEIRO EM BIGUAÇU: Questões jurídicas
Além dos entraves ambientais, questões legais também estão na agenda da OSX. Leis federais garantem o resguardo das áreas de proteção ambiental (APAs) e esses instrumentos precisariam ser revogados para a instalação do estaleiro em Biguaçu. O consultor jurídico da ONG Montanha Viva, Eduardo Lima, diz que o primeiro problema é a competência do órgão ambiental que vai conceder as licenças.
– Por ser área costeira, a competência é do Ibama por uma resolução do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente). Tanto que é recomendação do Ministério Público Federal que o órgão competente seja o Ibama. Não é demérito da Fatma, é uma questão jurídica – afirma.
Lima argumenta que a área escolhida para o empreendimento está entre três unidades de conservação federais, o que o inviabilizaria.
– A lei atual não permite qualquer atividade com impacto ambiental naquela região. Existem outras questões, como o plano estadual de gerenciamento costeiro, que não tinha qualquer previsão do empreendimento.
A Montanha Viva apresentou várias indagações à Fatma sobre sua competência para licenciar o projeto. Pediu a revisão do EIA-Rima e encaminhou medidas ao Ibama/SC e ao Ministério Público Federal.
– No Ibama foi instaurado um processo administrativo que está em local incerto. No MPF, o procurador Eduardo Barragan emitiu uma recomendação e instaurou um inquérito civil para acompanhar o caso – diz Lima.
(DC, 30/05/2010)