28 maio A lagoa pode virar mar?
A erosão da Praia da Armação ameaça o maior manancial da Ilha de SC, de acordo com um estudo que será entregue hoje na Floram. O parecer técnico alerta para a contaminação da Lagoa do Peri com a água salgada num prazo de dois a três meses.
Na Lagoa do Peri, maior manancial de água doce da Ilha de Santa Catarina, pode ocorrer um desastre natural sem precedentes em Florianópolis. A causa é a erosão extrema na Praia da Armação. O manancial é responsável pelo abastecimento de cerca de 113 mil habitantes. Ele corre o risco de ter suas águas salgadas se, além da construção do muro (enrocamento), não for feito o engordamento da faixa de areia em cerca de 150 metros e o canal existente entre a Ilha das Campanhas e o molhe não for removido.
A conclusão faz parte de um parecer técnico elaborado pelo geógrafo Alexandre Felix, mestrando em Geologia Marinha e Geomorfologia Costeira da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e pelo geógrafo José Maurício de Camargo. O DC teve acesso ao documento, que será protocolado hoje, na Fundação Municipal do Meio Ambiente (Floram), pelos técnicos da Ambiens Consultoria Ambiental. A empresa faz parte do grupo de trabalho do Programa Estadual de Gerenciamento Costeiro (Gerco), que trata do Zoneamento Ecológico Econômico Costeiro em Santa Catarina.
Pelo estudo, a salinização da Lagoa do Peri pode ocorrer dentro de um prazo preocupante:
– Calculo entre dois e três meses para que isso ocorra se as ações não forem feitas. Além disso, o pico da ressaca está por vir, em agosto.
Se confirmada, a salinização pode acontecer de três formas: contato da cunha salina com o canal do Rio Quincas Antônio e sangradouro da Lagoa do Peri (perigo iminente); entrada da cunha salina do aquífero diretamente, na Lagoa do Peri, e rompimento da barreira formada pela restinga.
– Estas obras emergenciais são medidas paliativas que darão um tempo maior para a definição de medidas adequadas a serem aplicadas para resolver os problemas relacionados aos riscos inerentes à erosão extrema na Praia da Armação – observa Felix.
De acordo com a Companhia de Águas e Saneamento de Santa Catarina (Casan), no estudo Sistema de Abastecimento de Água da Ilha de Santa Catarina – Mananciais da Ilha, o abastecimento de água nos distritos da Barra da Lagoa, Lagoa da Conceição, Campeche, Morro das Pedras, Armação e Ribeirão da Ilha é realizado pelo Sistema Costa Leste/Sul, a partir de barragem e Estação de Tratamento de Água (ETA) localizada na Lagoa do Peri.
Se a água salgar, haverá interrupção deste serviço aos milhares de moradores da região.
Os pesquisadores observam que, além das recorrentes ressacas, o fechamento do canal existente entre a Ilha das Campanhas e a linha de costa, na divisa entre as praias da Armação e Matadeiro, pode ser considerado como uma das prováveis causas para o estado de desequilíbrio que vem causando a erosão na Armação.
O molhe construído serve de armadilha de sedimentos, bloqueando todo o aporte direto de material vindo da desembocadura do Rio Quincas Antônio e sangradouro da Lagoa do Peri para a Armação.
– Os eventos constantes e recorrentes de ressaca, a partir do mês de abril, são apenas o gatilho para o cenário atual de erosão extrema.
O governo federal liberou R$ 12 milhões para obras emergenciais de recuperação na Praia da Armação. O enrocamento – colocação de pedras numa extensão de 1.750 metros – começou ontem. A obra deve ser executada em 90 dias. O dinheiro precisa ser usado para as medidas de contenção, e não para os imóveis atingidos pelas constantes ressacas.
O que diz o prefeito
O prefeito Dário Berger define como megaoperação o trabalho que está sendo feito na Armação e descarta o risco de salinização da lagoa: – Nosso esforço é impedir o avanço do mar sobre todo o sistema, incluindo a lagoa. O resto é especulação. Berger diz desconhecer o parecer técnico, mas declara confiar que a obra de contenção impedirá um dano maior.
Infográfico: Os riscos de salinização da Lagoa do Peri
(Por Ângela Bastos, DC, 28/05/2010)
12 casas em risco na Barra
Na Barra da Lagoa quatro casas também foram levadas pela fúria do mar ontem. Outras 12 correm o mesmo risco. Para conter o avanço da água, prefeitura, Fundação do Meio Ambiente (Fatma), Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Ministério Público Federal (MPF) e Defesa Civil devem anunciar uma medida emergencial nesta tarde. A construção do molhe, segundo o geólogo voluntário da Defesa Civil Rodrigo Sato, é a causa para o mar ter avançado mais de 50 metros nos últimos 16 anos.
O agravamento da situação e a possibilidade de o mar avançar mais quatro metros no final de semana motivou a produção de um laudo técnico da Defesa Civil, entregue ontem ao prefeito. Dário Berger estuda a possibilidade de decretar situação de emergência na Barra da Lagoa para acelerar a captação de recursos e iniciar as obras de reparos e recuperação da praia.
O estudo de Sato contempla um levantamento histórico desde 1938. As fotos aéreas mostram que por mais de 50 anos a praia manteve a mesma metragem de faixa de areia. A diminiução começou na década de 1990, quando se iniciou a construção do molhe na Barra da Lagoa. De lá para cá, a erosão foi maior a cada ano e a consequência direta foi o sumiço gradativo da areia.
Desde a inauguração do trapiche, em 1994, até agora, o mar já avançou mais de 50 metros. Prova disso é a vegetação que hoje recobre o farol. Sem o efeito da erosão, a área seria a mesma de 1977, ocupada por dunas.
– A praia é um sistema de equilíbrio que deposita areia e faz a erosão ao mesmo tempo. Quando a balança pesa para um dos lados, a praia adoece, como na Barra da Lagoa e Armação. Elas só erodem, não depositam areia porque não há espaço para isso.
O especialista alerta que a praia continuará erodindo até que o equilíbrio seja retomado. Mas diz que não há como prever quando isso poderá ocorrer nem se o avanço do mar será de cinco ou 30 metros.
– O ideal é fazer a Barra voltar ao seu estágio natural. A retirada imediata dos molhes e do trapiche e o engordamento da areia são medidas que podem reverter a situação.
(Por Francine Cadore, DC, 28/05/2010)
ESCALDADO
Da coluna Visor, por Rafael Martini (DC, 28/05/2010)
Antes de usar os R$ 10 milhões liberados pela União para as obras de contenção do avanço do mar na Armação do Pântano do Sul, no Sul da Ilha de SC, o prefeito Dário Berger cobrou a liberação de uma licença ambiental. Ontem, às 11h da manhã, ele recebeu o documento assinado pelo presidente da Fatma, Murilo Flores, pela procuradora da República Analúcia Hartmann e Ibama.
– Não quero começar uma obra que, logo depois, será contestada e paralisada.
Desnecessário foi o foguetório após a chegada do prefeito e da senadora Ideli Salvatti (PT) à Armação.