A Ilha, castigada por discursos, continua à deriva

A Ilha, castigada por discursos, continua à deriva

Artigo escrito por Laudelino José Sardá – Jornalista e Professor (Acontecendo Aqui, 31/12/2009)
A Casan está há 10 anos justificando a falta de água na Ilha, enquanto a prefeitura atribui os problemas do final de ano ao excesso de turistas. Pode?
É reprise! Sim, sim, há mais de uma década que suportamos os mesmos discursos. Mas ao ouvir, na tevê, o presidente da Casan, Walmor De Luca, atribuindo a falta de água ao excesso de consumo, estarreci-me na cadeira, que ficou sem dois pés. Tombei de susto. O presidente da Casan pode mudar, mas as justificativas continuam as mesmas há 10 anos. Pura incompetência. Não é sem motivo que prefeituras estão criando suas próprias companhias, em busca de soluções rápidas para seus problemas de água e esgoto. E não se sabe o motivo que mantém a parceria entre prefeitura da Capital e a Casan.
O alcaide alienígena não faz diferente da matreira Casan. Sua assessoria reconhece que a situação de imobilidade, a violência, etc.etc. estão insustentáveis. Ora, ora, está pesando a realidade. A esta altura, o alcaide, quem sabe, teme um problema sério nesta Ilha entupida de carros e carente de opções de lazer.
Equívocos Permanentes
Florianópolis está há muito tempo insustentável e continuam seus governantes fazendo festas com números. Somos, realmente, uma cidade com qualidade de vida? É a cidade do Brasil mais procurada pelos turistas?
Continuamos apostando nas 46 praias como atração de turistas, sem pensar em mais nada. Os balneários permanecem desorganizados, sem mudar sequer a sua aparência. A maioria dos hoteleiros só trabalha o seu quintal, como se a cidade fosse inócua aos seus negócios.
Uma pesquisa revelou que o réveillon de Florianópolis é o mais caro do Brasil, superando, inclusive, o de Nova Iorque. Pudera. Bastou esquentar para o preço do litro da gasolina pular para R$ 2,69 e já atingiu no norte da Ilha a R$ 2,79. Calcula-se que o turista de ônibus e de carro preferiu este ano o litoral paulista, Rio de Janeiro, Espírito Santo e o nordeste. E as vozes marqueteiras do alcaide alienígena se levantam: já estamos com mais de 50 mil turistas. Ora, a Embratur calcula que neste verão mais de 30 milhões de brasileiros devem fazer turismo interno. E ficamos arrotando com a performance de 50 mil visitantes, Fantástico!
A grande frase – para não atrever-me em dizer conceito – do ano foi do discurso do governador Luiz Henrique, para quem um campo de golfe seria a redenção do turismo da ilha. Sim, senhor governador, o jogador de golfe ou golfista chega de avião, confina-se em hotel de luxo, pratica o seu esporte e em menos de três dias retorna à sua origem. E deixou seu dinheiro para o dono do hotel e do campo de golfe. Por acaso, o senhor poderia me responder se foi este perfil de turista que ajudou a consolidar o desenvolvimento da Europa?
Engano!
O turista de classe média, aquele que sai às ruas para comer em restaurante, comprar souvenirs, assistir a shows, etc.etc. é o que forma o grande contingente de visitantes, que só na Espanha em 2009 somaram 37 milhões. Mas como o turista de classe média vai se atrever a passear em Floripa, a cidade mais cara do Brasil? É por isso que a maioria vem em tropa, aluga casa, faz rancho no supermercado e de vez em quando engarrafa o Mc Donald. Não sabemos fazer turismo. A nossa consciência é a do lucro momentâneo. Queremos tudo em curto prazo e, por isso, nos tornamos gananciosos por dois meses ao ano. Gente, ficamos dez meses parados, à base de turismo de negócio que não cresce porque construíram um elefante branco no aterro, o chamado centro de convenção, que só interessou a um investidor, aquele que já tinha hotéis no centro da cidade. Enquanto isso, as dezenas de hotéis e pousadas dos balneários continuam na inércia, penando. Aliás, este foi o equívoco do ex-prefeito Sérgio Grando, que se entusiasmou com a idéia do investidor do elefante branco do aterro e não enxergou mais nada.
Você, leitor, saberia dizer por que Balneário Camboriú explodiu? Além de organizar-se como cidade, o balneário atrai visitantes durante o ano inteiro, pela fama de que seu comércio, principalmente o atacadista, é o que oferece melhores preços no Sul do Brasil. Além disso, Balneário conjuga seus esforços com outras cidades bem estruturadas, como Blumenau, Brusque, Pomerode, que atraem turistas pela gastronomia diferenciada, musicalidade e outras paixões culturais identificadas com suas raízes étnicas.
Turismo Capenga
É preciso raciocinar sob a lógica do turismo. Primeiramente, a cidade precisa ser multi-atraente. Quero dizer, com este silogismo, que Floripa não pode apenas depender das suas praias e muito menos do complemento chamado shopping. A Ilha não pode viver do orgasmo da mídia, que transforma um pequeno fato num espetáculo. Estamos chegando ao final do ano sem uma programação decente para nossos teatros, casas de show, enfim, continuamos a alimentar o surrado ritual que coloca o turista num triângulo: praia, shopping e dormitório.
Vocês, leitores, conhece algum cardápio que possa identificar-se com as características da Ilha? O que você come melhor? Pratos chineses? Mc Donald? Comida italiana? Sim, há peixes, mas há algum prato especial que se identifique com a natureza da ilha? Muqueca? Peixe frito? Camarão ao bafo? Ah, já sei, peixe a Belle Meunière, peixe à Florentina, peixe assado com recheio, ostra gratinada, peixe ao molho de camarão, camarões a portuguesa, camarões à grega, camarões com catupiri, o provençal, na moranga? Tudo isso é comum em qualquer parte do mundo, inclusive a ostra gratinada. Somos o maior produtor de ostra da América do Sul e, no entanto, não dispomos de um cardápio apropriado, exceto o que foi lançado, recentemente, em livro pelo Curso de Gastronomia da Unisul.
Há algum show típico da Ilha? Refiro-me a atrações culturais que possam identificar os traços da nossa terra. Ouvi recentemente de um homem público que Florianópolis nunca teve movimentos culturais próprios. Chamei-o de ignorante. E lhe disse que Carmem Fossari, Brasil e outros podem mostrar como o nosso teatro já foi rico. Da mesma forma, Luiz Henrique Rosa, Zininho, Abelardo de Souza, Fernando, etc.etc. deixaram um legado musical inconfundível. Poucas pessoas sabem que o carnaval florianopolitano, até final dos anos 60, era movido a sambas originados da Ilha. Os remanescentes do Grupo Sul, a exemplo de Salim Miguel e Eglê Malheiros, Zeca Pires, Chico Faganello e tantos outros podem comprovar que a Ilha já foi um celeiro de produção cinematográfica, a começar pelo primeiro longa-metragem Preço da Ilusão. Na literatura, não vou nem citar nomes em razão das milhares de obras e dezenas de autores. Poucas pessoas sabem que a Ilha é poética. E os nossos museus? A propósito, eles têm estado abertos todos os dias? Ou ainda costumeiramente fecham nos feriados e fim de semana? Gostaria de conhecer uma pesquisa que revelasse quantos florianopolitanos conhecem seus museus. O resultado, com certeza, nos frustraria.
Quero dizer com isso que Florianópolis não sabe construir uma identidade cultural e se houve algum dia um política cultural foi episódica, porque cada governante que chega pensa diferente e impõe uma forma diferente de ver a cidade. O governante está habituado a romper com tradições, a destruir raízes.
A organização da cidade não implica a construção de viadutos, pavimentação de ruas, etc. Um plano de organização da cidade é abrangente, precisa desencadear processos de (re)construção cultural, inclusive a restauração e proteção do seu patrimônio público e histórico, de repensar a cidade sob a ótica da humanização. Para isso, ela precisa de áreas de lazer, segurança nas travessias humanas, parques, estruturação dos balneários, com plano diretor rigoroso e convincente, dignificação das áreas de risco onde se amontoam centenas de casas em ambientes promíscuos e que se transformaram em produtoras de marginais sociais. Florianópolis precisa se transformar em uma cidade disciplinada, com leis rigorosas que impeçam o vandalismo na sua construção diária. Se assim fosse, o alcaide alienígena não se atreveria em adquirir uma árvore por R$ 3,5 milhões e nem contratar um tenor italiano por mais de R$ 5 milhões.
Florianópolis só se tornará uma referência em qualidade de vida depois de se organizar, estruturar-se sem visão megalômana; apostar em sua organicidade urbana, ética, humana e de controle social (não ideológica)
Vamos torcer para que Floripa dê o ponta pé inicial em 2010.