26 nov A lenta agonia do Papaquara
Abandono. Poluição toma conta do mais importante rio da bacia do Ratones, no Norte da Ilha.
Mais importante leito d’água da bacia do Ratones, o rio Papaquara dá seus últimos sinais de vida. Seu traçado nasce no morro do Caçador, na Vargem do Bom Jesus, atravessa a SC-401, principal ligação ao Norte da Ilha, rasgando a Estação Ecológica de Carijós. Há seis anos, ainda se pescavam tainhotes, robalos e siris. Há 10, crianças tomavam banho, saltando das duas pontes, na rodovia e sobre a avenida Virgílio Várzea. Hoje, a poluição que chega dos loteamentos clandestinos, da favela Papaquara e das sobras do esgoto que a Casan não dá conta de tratar nas suas estações permitiu a proliferação dos aguapés, algas e bactérias que consomem o oxigênio da água, mata os peixes e reduz a biodiversidade.
O instrutor de ginástica Olímpio Monteiro, 39 anos, vive desde que nasceu na Vargem Pequena, onde aprendeu a pescar com o pai no Papaquara.
Hoje, só há peixes nas proximidades da nascente, onde as algas ainda não cobriram a água, mas o lodo escuro esconde garrafas, sacos plásticos e sapatos. “Já encontrei uma mesa e um sofá no rio”, conta ele.
Coliformes. Há dois anos, um óleo industrial se juntou à sujeira e formou uma camada sobre a superfície da água. Os pescadores desconfiaram de um posto de combustíveis recém-instalado no bairro, ou mesmo do esgoto vindo dos loteamentos do Canto do Lamin, Brim e Lili e do Quildo, onde a rede de coleta e tratamento da Casan em Canasvieiras não alcança e não é possível se instalar fossas sépticas.
Uma pesquisa feita há dois anos pelos Instituto Federal Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
detectou que apenas na nascente do Papaquara não havia interferência do homem. Nos demais pontos, há quantidades acima do normal de nitrogênio e coliformes fecais, o que indica despejo de esgoto sem tratamento no rio. Na entrada de Canasvieiras, o índice de coliformes encontrado foi duas vezes maior que o aceitável: 13 mil para cada 100 ml. de água.
Faxina solitária na beira do rio
Além dos segredos da pescaria, o pai de Olímpio ensinou o filho a respeitar o ambiente. O carinho com a natureza fazia os dois saírem juntando lixo na margem do rio, há 20 anos. Duas décadas depois, Olímpio
mantém a rotina, agora acompanhado de alguns amigos. Tiago Santos, 29, trabalha como ambulante na
praia, e sofre cada vez que a cheia no rio do Brás leva muita sujeira para a areia de Canasvieiras. Os dois recolhem lixo na beira do rio e na mata perto dali, mas não conseguem limpar a água do Papaquara.
Às vezes, os sacos cheios deixados por eles na estrada ficam esquecidos pela Comcap. “Eu volto lá e faço um monte ainda maior, daí eles se obrigam a juntar e levar”, conta Olímpio. Na entrada do Lamin, onde a Casan montou um canteiro de obras há um mês, há lixo de todo tipo, junto a um esgoto a céu aberto que desemboca no Papaquara. São pneus de bicicleta, madeira e gesso acumulados à espera
de providências.
Sujeira aparece de todos os cantos
Há seis anos o Papaquara ganhou vizinhos que se instalaram na sua margem, no final da servidão Braulina Machado, junto ao terminal de Canasvieiras. As três famílias iniciais se multiplicaram para 47,
formando uma favela que ganhou o mesmo nome do rio. Todos escolheram o lixo como meio de vida, e
as sobras orgânicas da reciclagem, bem como seus esgotos, vão parar no que restou do Papaquara. A
terra também suga alguma sujeira com a chuva para seus lençóis freáticos, indo tudo se juntar ao lodo
escuro do Rio.
Carla Vieira, 24 anos, limpa a moradia de madeira sobre palafitas quase sobre o rio. Assim como
a maioria dos moradores da favela, ela veio de Foz do Iguaçu, há duas semanas, em busca de oportunidades na Ilha. “Todos começam com o lixo, mas a reciclagem é só o início”, explica. O presidente da associação de moradores local, Luis Alberto Pereira Corrêa, 62 anos, conta que a ocupação é diversa em profissões. “Aqui tem vagabundo sim, mas tem formando e até policial federal”, revela. A água e a luz são “roubadas”, confessa. Mas todos têm esperança em dias melhores. “Nos prometem uma área para sairmos daqui já faz mais de seis anos”, afirma.
A estação da Casan, inaugurada em 1995, tem capacidade para tratar o esgoto de até 25 mil habitantes,
mas, no auge do verão, a região chega a contar com 112,3 mil pessoas. Nesse ano, o Instituto Chico
Mendes embargou as obras na rodovia SC-401 porque, entre outros motivos, estaria despejando boa
parte do material usado na duplicação da pista nos rios Papaquara e Ratones.
(Róbinson Gâmboa, Notícias do Dia, 21 e 22/11/2009)