06 fev Mercado Público, 124 anos de memórias
Artigo de Lélia Pereira Nunes
Membro da ACL (Academia Catarinense de Letras) e escritora
O Mercado Público de Florianópolis é a vida, a alma da Ilha. Sempre foi assim desde a construção da primeira Praça do Mercado em 1851 e, depois, do atual edifício inaugurado em 5 de fevereiro de 1899, ampliado em 1931 e uma derradeira reforma em 2015.
É o nosso endereço oficial, o lugar de todos, democrático, onde a cidade se encontra e se identifica. Por tudo que significa, o Mercado é um dos ícones da Ilha de Santa Catarina e patrimônio cultural da nossa gente. Espelha a multiculturalidade de seus frequentadores e dos comerciantes que negociam os seus produtos ou oferecem uma gastronomia regional muito rica. É também no Mercado Público que desfilam os sentimentos de pertença dos moradores que, de forma consciente ou não, carregam no seu jeito de ser, de bem viver e que nesta tessitura da
renda fina configura a identidade cultural da cidade – a cara de Florianópolis humorada e irreverente.
Sábado, perto do meio-dia, dou uma circulada pelo Mercado Público sempre impregnado pelo clima festivo que envolve a cidade, seu povo e a Ilha em tempo de verão e fevereiro do Carnaval. Tudo transbordando como uma maré cheia de afetos e merecidos aplausos. Bonito e borbulhante. Espiei de um lado a outro. Encontrei amigos e vi muita cara nova. Apreciei as novas peixarias em grande azáfama. O cheiro de ontem estava ali. O de hoje flui gostosamente.
Sem mais nem menos, do passado assomaram imagens caleidoscópicas da memória, em movimentos coreografados, um balaio de recordações e de saudade levados pelo carrossel imparável do tempo.
Neste caminhar emocionado pelo Mercado emergiram boas lembranças e saudade imensa de suas personagens: o amigo Aldírio Simões que num belo dia de janeiro de 2004 resolveu soltar seu barco da vida e partiu. Saudade do Mazinho do Trombone que nos deixou em 2019, do Alvim Spinoza e seu tradicional bar no box 1, que morreu no dia 3 de fevereiro, há quatro anos. E por onde andará o vendedor de torradinha – “vai querer um salário mínimo?” e a vendedora de loteria? Da memória, surge a inescapável lembrança do incêndio que, há 18 anos, rompeu na ala norte do centenário edifício.
Um fumo negro que manchou o céu azul da Ilha deixou o manezinho abismado, atoleimado sem entender o que acontecia na sua Florianópolis em plena manhã de sexta-feira. Lágrimas que teimaram lavar a sua face. Quem sabe na esperança de apagar o lume que queimava o seu coração. Do dia trágico, ficaram as lembranças… Parei no Box 32, também patrimônio cultural da nossa gente, esqueço até da hora conversando com o Beto Barreiros e Içuriti Pereira, dois personagens do nosso Mercado e donos de muitas histórias.
Hoje é um novo amanhã. É tempo de Berbigão do Boca, de escolher a rainha da folia momesca, de ouvir o tamborim e eleger a melhor marchinha do Carnaval 2023. O templo do povo continua ali, elegante, sem vergar, indissociável e muito amado. Eis, nosso Mercado do século 21, 124 anos de vida na linda Floripa, em breve, a festejar 350 anos de fundação. Parabéns, querido Mercado Público!
(ND, 05/02/2023)