Dos desafios da pandemia aos do plano diretor: gestão de Rossoni à frente da Acif

Dos desafios da pandemia aos do plano diretor: gestão de Rossoni à frente da Acif

Em dois mandatos na presidência da Associação Empresarial de Florianópolis (Acif), o empresário Rodrigo Rossoni enfrentou os desafios impostos pela histórica pandemia da Covid-19, e um trabalho especial da entidade para colaborar na aprovação de mudanças no plano diretor do município. O período de quatro anos, que começou em maio de 2019, se encerra agora, dia 15, quando ele passará a presidência para o empresário Célio Antônio Bernardi Junior.

Segundo ele, a Acif foi muito exigida diante da série de obstáculos que as empresas enfrentaram para tentar sobreviver na pandemia. Além de ajudar a salvar empresas, em 2021 a entidade se uniu a outros parceiros e criou um serviço para salvar vidas.

As mudanças no plano diretor exigiram muitas reuniões, audiências e embates, observou ele. Agora, permitirá centralidade em bairros e outras melhorias.

Nesses quatro anos, a Acif avançou também na oferta de planos de saúde e serviços na câmara tributária. Um dos saldos positivos foi o aumento do número de associados. Saltou de 3.100 para 4.610 associados, um aumento de 48,71%. Saiba mais na entrevista a seguir:

Qual foi o grande desafio da sua gestão à frente da Acif?

– Começa com P e termina com andemia: Pandemia. Fomos pegos de surpresa. Mas

acho que a gestão conseguiu, além de enfrentar desafios da pandemia, manter a Acif num patamar de excelência e evoluindo. Acho que a gente conseguiu trazer um novo ciclo de desenvolvimento e crescimento importante para a entidade, mesmo com o desafio da pandemia.

Nessa visão, claro que 2019 foi um ano mais comum (sem pandemia) porque foi o primeiro ano do mandato e a gente enfrentou desafios muito mais internos do que externo. Naquele ano, nos dedicamos mais a olhar para desestatização, focar em melhoria em relação ao Sapiens Parque, fazer com que a gente tivesse a implantação da Lei da Liberdade Econômica em Florianópolis, apoiando a prefeitura. Tivemos atuações que estavam bem estratégicas na melhoria do ambiente de negócio.

Quando surge a pandemia, o desafio foi gigantesco, primeiro porque não tinha um modelo para seguir. Então, a gente teve que que se desafiar e agir muito rápido. Nós conseguimos nos unir rapidamente aqui na Acif, criamos um comitê de crise logo no primeiro dia, até antes do lockdown estadual.

No dia 16 de março, uma segunda-feira, nos reunimos às 8h horas da manhã aqui na Acif e já começamos com uma série de ações.

Fizemos uma boa leitura do que seria o drama para as empresas. Desenvolvemos ali logo o que a gente entendeu que seria o principal apoio necessário às empresas, que era capital de giro.

Nessa reunião de 16 de março nasceu o projeto Acifcred Emergencial, que foi selado em parceria com o Badesc, para que as empresas que não tinham capital de giro e não tinham garantia real tivesse a Acif como suporte, como um fundo de aval para tomar o crédito junto ao Badesc e não precisar apresentar as suas garantias reais.

Depois, fizemos parcerias com outras instituições de crédito. Naquele momento, era  lockdown. Entendemos que as empresas iriam sofrer porque as pessoas iriam ficar em casa, ter atenção à saúde. O nosso papel era atenção aos negócios para que, passado lockdown, tivesse uma superação. Acontece que foi se perpetuando e aí começaram até medidas mais restritivas.

Alguns setores foram considerados essenciais e outros não. Como a entidade trabalhou nesse aspecto?

– Apenas alguns setores foram considerados essenciais. Outros estavam entre os que tinham atividades que prejudicavam o combate à pandemia. Para uma entidade como a Acif, que representa todos os setores da cidade, a a gente precisou atuar de uma maneira muito integrada, ouvindo muito o que estava acontecendo.

Fizemos muitas reuniões com os empresários para entender como é que eles estavam se fortalecendo naquele momento. Direcionamos os nossos esforços também por diálogo com a prefeitura e com o governo do estado para entender o que estavam fazendo.

Vimos que algumas coisas estavam devagar e a gente não via muita coerência nas decisões. As decisões estavam muito: lá fora fazem isso e faremos o mesmo aqui. As medidas do nosso ponto de vista, todo mundo entendeu. Mas como as coisas começam a se perpetuar sem lógica, a gente precisou agir de uma maneira muito enfática e aí mobilizamos uma série de entidades pelo Estado.

Acho que ali foi um ponto muito importante da batalha pelo desenvolvimento econômico. Criamos, em menos de 24 horas, o movimento Reage Santa Catarina, com mais de 100 entidades de todo o Estado.

Já tinha vacina quando criaram esse movimento?

– Não tinha vacina ainda. Foi mais uma mobilização das entidades em relação às medidas contra as empresas. Começamos a dizer: ‘a gente precisa reagir não dá para ficar todo mundo fechado o resto da vida aqui.

Todo mundo preparou as medidas. Isso foi no auge da crise econômica de 2020. Muitas empresas estavam fechando e a gente vendo é o desespero dos empresários nos procurando. Um dos termômetros foram os pedidos de desfiliação da Acif. Empresas fechando, encerrando CNPJ, demitindo empregados.

Então como é que a situação ia se perpetuar daquele modo.

O desafio grande da Acif, com certeza, foi estar altiva em meio ao caos, que foi a pandemia. E conseguir sair disso bem. E também em 2020, falamos para o governo: ‘olha, está tudo fechado. Agora, não esperem que estará tudo bem quando retomar. Na economia, não é um liga e desliga.

Aí concluímos que precisaríamos de um plano para a retomada. Nos mobilizamos,  convidamos outras entidades, e, especialmente contratamos a consultoria do Dr. Vicente Falconi para elaborar um plano de retomada econômica de Florianópolis. A gente deu o nome de Pacto Floripa porque convidamos todas as forças da cidade para fazerem parte dos grupos de trabalho e desenvolvemos em quatro setores:

Saúde Bem Viver; Educação, Tecnologia e Turismo. O turismo estava superafetado, principalmente hotéis, restaurantes e eventos. O Pacto Floripa foi importante. Criamos uma agenda de retomada do desenvolvimento econômico. Eu acredito que isso teve um impacto muito importante. Ali a gente mapeou necessidades de postos de trabalho pós-pandemia, a capacitação necessária para todos os segmentos.

Logo que Gean Loureiro assumiu o segundo mandato, em 2021, elaborou um programa da prefeitura chamado Floripa Mais Emprego, desenhado com apoio do Pacto Floripa.

E se você for olhar hoje Florianópolis, por dois anos consecutivos, foi a cidade de Santa Catarina, que mais gerou empregos.

Isso em 2021 e 2022. E continua gerando vagas, mesmo com a queda abrupta da economia brasileira. Isso não é resultado único da Acif, nem da prefeitura. É um trabalho da sociedade, mas especialmente dos empreendedores. E se a gente pôde dar algum apoio aos empreendedores, a retomada foi mais forte e acredito que superar esse desafio é uma grande uma grande alegria.

A pandemia impactou de forma diferente os municípios catarinenses. Quem é forte na agroindústria e na indústria, sofreu menos porque praticamente não parou a produção. Florianópolis sofreu mais, por ter mais serviços. A cidade já se recuperou da pandemia?

– Olha eu acredito que do ponto de vista de números, talvez a gente esteja começando a voltar aos patamares de 2019 em alguns segmentos. Se você olhar o ano de 2022 sobre o ano de 2019 até houve crescimento, daquelas empresas que estavam mais resilientes e tiveram caixa para aguentar.

Mas a gente não pode deixar de olhar que muitos nem vão se recuperar. Milhares de empresas fecharam. Essa é a realidade. Esses abriram espaço para quem estava mais capitalizado vir agora e criar novos negócios, novos empregos. Acho que Florianópolis está superando a crise, mas eu vejo que o impacto em alguns segmentos, eu falo do turismo, nós vamos precisar de mais alguns anos para superar.

Nós tivemos o segmento de eventos com quase três anos fechado direto. Pensa o que que é isso. Obviamente que as empresas não se sustentaram com eventos. Elas se endividaram, a pressão de custos para cadeia toda foi transferida, veio a inflação. Tentaram manter alguma operação para pagar dívidas.

Foram muitos gastos necessários durante a pandemia.

Tivemos também muitos gastos públicos também. O governo teve que imprimir

muito dinheiro e, obviamente, gerou inflação. E agora tem uma pressão em vez de reduzir gastos públicos, a gente continua aumentando. As empresas não vão se recuperar simplesmente com reajuste de preços. Elas precisam se recuperar com produtividade, com a economia evoluindo. Florianópolis precisa se recuperar ainda no setor turístico. O setor de tecnologia teve dificuldades parcialmente porque é transversal. Algumas áreas de tecnologia se desenvolveram bem, mas ouras, que trabalham para o comércio e serviços, entraram em crise.

O setor de saúde também entrou em crise…

– É um setor que, com certeza, ainda não se recuperou. É um setor que tinha tudo para faturar durante a pandemia, mas, bem pelo contrário, as empresas de saúde quase quebraram especialmente os hospitais. Fecharam os hospitais, não tinha mais cirurgia eletiva que é uma fonte de renda  importantíssima, represou todos os problemas de saúde que poderiam ser resolvido de maneira preventiva ou pegar no começo.

Os casos ficaram muito mais graves, a saúde está transtornada agora. Muitas empresas de saúde não se recuperaram ainda. Planos de saúde, hospitais e laboratórios sofreram durante a pandemia por mais antirracional que isso possa parecer. Quem faturou na saúde eu acho que foram apenas os laboratórios mundiais fabricantes de vacinas. Empresas de medicamentos foram bem também.

O setor de educação é essencial. Mas as empresas de educação sofreram muito, também fecharam. Muitas conseguiram se adaptar, trazer os alunos para o digital, mas isso não recupera nem a questão da educação que o aluno teve durante aquele período que não foi não foi normal, não foi regular. E também muitos alunos cancelaram matrícula na escola particular. Essas escolas tiveram uma queda drástica na receita.

Mas, no geral, em Florianópolis a gente está melhor do que a média nacional porque o nosso empreendedor, pelas suas características, conseguiu fazer um retorno mais rápido. Mas, ainda assim, muitos setores foram afetados. Além disso, tivemos em SC uma economia que foi menos afetada em função da resiliência do empresário catarinense.

A gente não pode se iludir. Não foi governo que resolveu essa conta. As entidades empresariais tiveram um papel fundamental nesse trabalho. Os empresários grandes, médios e pequenos  recorreram às entidades quando precisaram de interlocução com o poder público. Isso foi mais quando tinha a necessidade de flexibilizar regras.

A Acif foi uma das entidades fundadoras de um serviço privado gratuito de saúde na pandemia. Por que foi necessário?

– A gente que estava salvando empresas não imaginava que ia ajudar a salvar vidas também. Essa foi a realidade da pandemia. Nós criamos, junto com outras entidades e empresas o programa Aliança pela Vida. Isso porque o setor de saúde pública não estava dando conta, apesar de todos os hospitais que têm nessa região.

No pico da pandemia, em 2021, nós começamos a receber notícias dos nossos associados. De diretores internados sem conseguir vagas. Aquilo foi me dando um desespero. Aí fomos falando com donos de hospitais, até pelo próprio Pacto Floripa estávamos próximos da realidade dos hospitais e das clínicas.

Naquele momento liguei para o prefeito e para outras entidades, dizendo que precisaríamos fazer alguma coisa. Como poderíamos ajudar?

Decidimos nos mobilizar e criar um atendimento. O que que a gente poderia fazer para aumentar a oferta de respiradores, medicamentos. Firmamos uma parceria com a Associação Catarinense de Medicina (ACM) e com a Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc).

A prefeitura abriu um canal para a gente compreender a realidade do atendimento de saúde no setor público. Percebemos que tinha uma oportunidade com a telemedicina e atendimento com ambulância ou UTI móvel para os casos mais graves. Firmamos uma parceria com o serviço da Help Emergências Médicas, um serviço gratuito para toda a população. Atendemos 6.838 pessoas.

O serviço foi custeado por empresas associadas da Acif, CDL com destaque para empresas como a Engie Brasil Energia, Intelbras e o laboratório Santa Luzia. Também participaram o Sinduscon e a Associação Catarinense de Tecnologia (Acate). A Acif arrecadou, sozinha, mais de R$ 2,5 milhões de um total superior a R$ 4 milhões para fazer frente aos custos necessários para um atendimento gratuito.

Durante quase um ano, tivemos apenas três óbitos. Acertamos em alguma coisa. Eu não imaginava que a gente iria conseguir ajudar a salvar a vida. Tivemos depoimentos emocionantes. É algo gratificante. Fico emocionado.

Outro desafio da Acif foi colaborar para a aprovação das mudanças no plano diretor de Florianópolis. O prefeito Topázio Neto sancionou a nova lei. O que significam essas mudanças para o município?

Na minha opinião, significa uma nova era para o desenvolvimento econômico e social de Florianópolis. O plano diretor dá diretrizes de como a cidade vai se organizar, se desenvolver e o nosso plano, de 2014, era muito ruim. Ele tinha artigos completamente contraditórios entre si, criava um clima de insegurança jurídica.

O resultado foi o que aconteceu na prática, nos últimos 10 anos, em Florianópolis. Tivemos apenas 11 loteamentos regularmente aprovados e mais de 10 mil matrículas regularizadas ilegalmente na prefeitura.

O plano anterior significava levar as pessoas para informalidade, falta de dignidade você não saber se o seu imóvel é seu e o que você vai poder fazer com aquilo depois. Mas é mais do que isso. Significa aluguéis mais caros, menos oportunidade para as pessoas procurarem uma residência com preço que caiba no seu bolso.

Recebemos há duas ou três semanas aqui na Acif o urbanista francês Alain Bertaud, que trabalho com o arquiteto famoso Le Corbusier e foi urbanista do Banco Mundial. Ele deixou claro tudo o que a gente já sentia sobre os problemas do nosso plano diretor, reforçando a necessidade das mudanças.

Ele mostrou que o plano diretor tem que ser muito simples e evitar regulações detalhadas ao máximo porque as pessoas vão buscar trabalho e querem residir perto de onde trabalham.

Como foi a participação da entidade nesse trabalho em favor da mudança do plano diretor?

– A Acif participou por ter uma representação no Conselho da Cidade. Tivemos debates incansáveis nas audiências públicas. Na Câmara de Vereadores conseguimos aprovar um plano sem emendas. Isso é um marco nos nossos objetivos. Um dos resultados que esperávamos na Acif era aprovar o plano diretor sem emendas e foi possível isso. Uma das mudanças importantes é teremos as centralidades.

A Acif presta uma série de serviços e benefícios para os associados. Qual é o mais procurado?

– Eu acho que um dos maiores benefícios que a gente tem para oferecer são os planos de saúde porque eles têm um custo alto para empresas. Durante os quatro anos em que estive à frente da entidade, o número de beneficiários de planos de saúde cresceu mais de 30%. No caso do número de associados, quando eu assumi estava na casa de 3.100. Agora, temos 4.610, o que confirma que a Acif é uma das maiores associações voluntárias do país em número de sócios. Tínhamos só a Unimed na área de seguro saúde. Agora, estamos com a Amil, um grupo multinacional. Assim, podemos atender nosso portfólio de saúde.

O que mais o senhor destaca como avanço na sua gestão à frente da Acif?

– Eu destaco entre as nossas soluções algo que é muito voltado para uma economia liberal, moderna, que é a mediação e arbitragem. Nós temos a Câmara de Mediação e Arbitragem Acif  (CMAA) que se fortaleceu muito ao longo do nosso mandato. Temos as primeiras arbitragens acontecendo e ela é uma referência nacional. Temos grandes empresas que usam a nossa câmara como referência.

Como funciona essa câmara de mediação e arbitragem?

– A câmara tem um hall de árbitros com referência nacional e internacional que podem ser selecionados pelas empresas quando vão fazer um contrato. As empresas, ao invés de escolherem o fórum da comarca da capital elas podem indicar a CMAA. Para resolver eventuais conflitos, ao invés de ser o fórum da comarca, é indicada a câmara. Já tivemos indicação até de juiz. Foi para uma mediação e arbitragem entre o município de Balneário Camboriú e a companhia de águas.

O novo governo federal já tem mais de quatro meses. Como analisa esse início da terceira gestão do presidente Lula?

– Infelizmente, eu vejo que o governo federal não está conectado com as necessidades que o Brasil precisa. Vejo medidas que vêm pressionando cada vez mais a inflação, o  aumento de gastos públicos e concessão de privilégios. Há pouca austeridade fiscal ou nenhuma, para dizer assim de um jeito bem objetivo. Então, nesse momento, eu estou muito preocupado inclusive com desdobramentos não só da área econômica mas de outras áreas que acabam afetando a economia e a segurança jurídica das empresas.

É preciso mudar muito para que a gente possa voltar a ter esperança. Nesse momento, existem empresas que estão freando investimentos porque temem aumento de tributos. Eles estão propondo uma reforma tributária que vai acabar com as empresas de serviços sob a justificativa de que é preciso integrar todos os impostos em um IVA (imposto de valor agregado).

Isso é uma grande falácia. Imagina incluir também as empresas de serviços que hoje pagam no máximo 5% de tributos. De um dia para a noite vão pagar 27% de IVA. O secretário disse que isso é repassado para o consumidor. Como você vai aumentar uma mensalidade escolar de R$ 1.000 para R$ 1.250, só fazendo uma conta redonda?

Qual a sua avaliação sobre a gestão do governo estadual, de Jorginho Mello, nesses pouco mais de quatro meses?

– A equipe econômica parece experiente, o que é um caminho positivo. Nós queremos ver a desburocratização acontecer e também um programa de desestatização sério. Eu acho que é muito importante e a gente tá mais confiante aqui no governo do Estado, tanto pelo que vem sendo feito, quanto pelo que vem sendo anunciado, com um olhar para austeridade nas contas públicas.

Mas também não queremos aumento de tributo aqui. Preocupa, além disso, medidas que possam aumentar exigências para a nota fiscal estadual, o que pode complicar a burocracia para as empresas.