Mercado Público, 124 anos de memórias

Na imagem uma mulher de pele branca com cabelos pretos

Mercado Público, 124 anos de memórias

Na imagem uma mulher de pele branca com cabelos pretosArtigo de Lélia Pereira Nunes
Membro da ACL (Academia Catarinense de Letras) e escritora

O Mercado Público de Florianópolis é a vida, a alma da Ilha. Sempre foi assim desde a construção da primeira Praça do Mercado em 1851 e, depois, do atual edifício inaugurado em 5 de fevereiro de 1899, ampliado em 1931 e uma derradeira reforma em 2015.

É o nosso endereço oficial, o lugar de todos, democrático, onde a cidade se encontra e se identifica.  Por tudo que significa, o Mercado é um dos ícones da Ilha de Santa Catarina e patrimônio cultural da nossa gente. Espelha a multiculturalidade de seus frequentadores e dos comerciantes que negociam os seus produtos ou oferecem uma gastronomia regional muito rica. É também no Mercado Público que desfilam os sentimentos de pertença dos moradores que, de forma consciente ou não, carregam no seu jeito de ser, de bem viver e que nesta tessitura da
renda fina configura a identidade cultural da cidade – a cara de Florianópolis humorada e irreverente.

Sábado, perto do meio-dia, dou uma circulada pelo Mercado Público sempre impregnado pelo clima festivo que envolve a cidade, seu povo e a Ilha em tempo de verão e fevereiro do Carnaval. Tudo transbordando como uma maré cheia de afetos e merecidos aplausos. Bonito e borbulhante. Espiei de um lado a outro. Encontrei amigos e vi muita cara nova. Apreciei as novas peixarias em grande azáfama. O cheiro de ontem estava ali. O de hoje flui gostosamente.
Sem mais nem menos, do passado assomaram imagens caleidoscópicas da memória, em movimentos coreografados, um balaio de recordações e de saudade levados pelo carrossel imparável do tempo.

Neste caminhar emocionado pelo Mercado emergiram boas lembranças e saudade imensa de suas personagens: o amigo Aldírio Simões que num belo dia de janeiro de 2004 resolveu soltar seu barco da vida e partiu. Saudade do Mazinho do Trombone que nos deixou em 2019, do Alvim Spinoza e seu tradicional bar no box 1, que morreu no dia 3 de fevereiro, há quatro anos. E por onde andará o vendedor de torradinha – “vai querer um salário mínimo?” e a vendedora de loteria? Da memória, surge a inescapável lembrança do incêndio que, há 18 anos, rompeu na ala norte do centenário edifício.

Um fumo negro que manchou o céu azul da Ilha deixou o manezinho abismado, atoleimado sem entender o que acontecia na sua Florianópolis em plena manhã de sexta-feira. Lágrimas que teimaram lavar a sua face. Quem sabe na esperança de apagar o lume que queimava o seu coração. Do dia trágico, ficaram as lembranças… Parei no Box 32, também patrimônio cultural da nossa gente, esqueço até da hora conversando com o Beto Barreiros e Içuriti Pereira, dois personagens do nosso Mercado e donos de muitas histórias.

Hoje é um novo amanhã. É tempo de Berbigão do Boca, de escolher a rainha da folia momesca, de ouvir o tamborim e eleger a melhor marchinha do Carnaval 2023. O templo do povo continua ali, elegante, sem vergar, indissociável e muito amado. Eis, nosso Mercado do século 21, 124 anos de vida na linda Floripa, em breve, a festejar 350 anos de fundação. Parabéns, querido Mercado Público!

(ND, 05/02/2023)