24 jun Não olhe para cima
Artigo de Fernando Teixeira
Arquiteto e Urbanismo (UFSC), mestre em Geociências e Doutor em Educação Científica e Tecnológica (UFSC), natural de Florianópolis. Atualmente tem se dedicado à fotografia.
Basta andarmos por algumas ruas da região central de Florianópolis para nos depararmos com uma situação cada vez mais agravante: a quantidade excessiva de fios e cabos aéreos, que se acumulam, dia após dia, dependurados sobre postes de iluminação pública. Evidentemente que este não é um problema isolado da capital catarinense. Outras cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte, também convivem com essa situação. A diferença, no entanto, é que nesses locais o problema é mais visível em regiões afastadas de seus centros urbanos principais, o que, convenhamos, em nada diminui sua complexidade.
De acordo com informações já trazidas ao público por técnicos do setor elétrico, os custos para se implementar um conjunto de obras subterrâneas que possam dar suporte a um novo modelo de distribuição, diferente do atualmente existente, é aproximadamente dez vezes maior, o que, para esses, tem inviabilizado a adoção de novas alternativas.
No entanto, é preciso considerar uma série de fatores que colocam em cheque a permanência do modelo que estamos acostumados a conviver. Dentre eles, podemos relacionar a necessidade de um constante processo de manutenção do conjunto de cabeamentos aéreos, provocados por rompimentos frequentes, ocasionados por ventos e chuvas fortes, quedas de árvores, desgastes devido ao tempo em que ficam expostos, além de vandalismos e acidentes de trânsito. Todos esses fatores acabam ocasionando um tempo considerável de interrupção nos serviços e sérios riscos às pessoas que trabalham em sua manutenção.
Em Florianópolis, algumas poucas experiências se mostram bem sucedidas, umas em áreas mais centrais, como é o caso dos calçadões da Felipe Schimdt e Conselheiro Mafra, no Largo da Alfândega, no entorno da Praça XV de Novembro, além do calçadão da Hercílio Luz. Outras, em vias com implantações mais recentes, como nas avenidas que cortam o Aterro da Baía Sul, na Beira-Mar Norte, Beira Mar Continental e Beira-Mar Sul. No entanto, ao sairmos desse pequeno contexto de vias públicas, o que se percebe é um total descuido com a paisagem urbana.
A presença de cabos e fios elétricos ou de serviços de telefonia/tv por assinatura, além de esteticamente nada contribuírem para o embelezamento da cidade, tem provocado, em muitas situações, a necessidade de verdadeiras mutilações às poucas árvores existentes em nossas ruas e avenidas.
É comum vermos clareiras deixadas nas copas das árvores para que estas não prejudiquem a livre passagem de “tão importantes elementos”. Outro fator que nos leva a pensar na diminuição ou mesmo na eliminação desses cabeamentos é o prejuízo que eles causam à visualização das fachadas de construções mais antigas e que carregam consigo elementos de nosso patrimônio histórico. Em muitos casos, essas ficam totalmente prejudicadas, sendo sua beleza encoberta por um emaranhado de fios que não condizem com sua importância e significado.
Em qualquer sitio que se preze, a valorização deste tipo de patrimônio, além de proporcionar a manutenção de elementos históricos de uma comunidade, acaba contribuindo para sua contemplação por parte daqueles que os visitam como turistas. Como bem sabemos, nem só de paisagens naturais sobrevive essa importante atividade econômica.
No momento em que estamos vivenciando a possibilidade de alterações e complementações do Plano Diretor Municipal, acreditamos ser também este um dos elementos a se discutir na nova carta que conduzirá os rumos da cidade num futuro próximo. Que o tão desejado “desenvolvimento” do município, não se alimente apenas de gabaritos, densidades ou centralidades, mas que nele também estejam embutidas questões como essa, que permitem, sobretudo, uma melhor ambiência em nossa Florianópolis.
(Portal Imagem da Ilha, 22/06/2022)