Sistema gratuito automatiza análise de regiões costeiras e pode impactar políticas públicas

Sistema gratuito automatiza análise de regiões costeiras e pode impactar políticas públicas

Uma ferramenta para análise e mapeamento das regiões costeiras que processa imagens de satélite e define as linhas de costa via Computação em Nuvem – ou seja, sem necessidade de armazenamento no dispositivo – é um dos resultados do projeto Bay Squeeze, coordenado, na UFSC, pelo professor Antonio Klein, do Laboratório de Oceanografia Costeira. Um artigo publicado no periódico Environmental Modelling and Software apresenta e detalha o sistema, ainda em desenvolvimento, produzido com a parceria da Universidade do Vale do Itajaí e colaboração da Universidade Federal de Rio Grande, e do COLAB +ATLANTIC LVT, de Portugal. Seus resultados podem prever impactos comparando o passado e o presente e orientando políticas públicas de gestão costeira.

Denominado C.A.S.S.I.E. – Coastal Analysis System via Satellite Imagery Engine, o sistema automatiza um processo que até então dependia da digitalização de fotografias aéreas, com cálculos de sua resolução e comparação com as imagens de satélite disponíveis a uma determinada altitude. “Mais recentemente algumas aplicações comerciais foram desenvolvidas. E outro grupo desenvolveu um sistema que as imagens da área de interesse são baixadas no computador.  O C.A.S.S.I.E. faz todo processamento e definição da linha de costa na ‘nuvem’, a partir de imagens de satélites disponíveis de forma gratuita via Google Enginee, em diferentes plataformas”, explica Klein.

O trabalho de análise das costas possibilita desde a avaliação do impacto da ação humana nas praias e mangues, por exemplo, até a compreensão dos efeitos naturais e processos de erosão e acreção – perda ou acréscimo de sedimentos, respectivamente. As chamadas linhas de costa marcam o limite entre água e terra e podem representar diagnósticos ambientais necessários para políticas públicas.

Klein explica que é necessário estudar o balanço de sedimentos no sistema. Quando deixa de entrar areia numa região, por exemplo, começa um processo erosivo. Já quando a quantidade que entra é maior do que a que sai, também há desequilíbrio nessa balança, neste caso positivo. “Reservatório em rios e obras nas regiões costeiras podem gerar desequilíbrio, mas também o balanço regido pelas ondas, eventos extremos, aumento do nível do mar. Há fatores naturais e também ocasionados pela interferência do homem”, aponta.

De acordo com o pesquisador, o ponto central para se fazer projeções futuras de linhas de costa está justamente na definição da sua variação com relação ao passado. Esse processo é facilitado pela ferramenta. “Pode-se utilizar esta taxa, multiplicada por um período (tempo) para definir área de não edificação na costa.  Ou se soubermos o quanto houve de retração da linha de costa, podemos prever quanto de areia temos de adicionar para que haja uma recuperação da praia para o mesmo período de saída do material”, exemplifica.

O C.A.S.S.I.E. pode ser utilizado por técnicos, mas também por interessados na temática que não sejam necessariamente especialistas. Para acessá-lo, é preciso ter uma conta Google. Os algoritmos do C.A.S.S.I.E. reconhecem uma missão de satélite e, por meio de técnicas de abstração, oferecem um conjunto de imagens precisas e delimitam as linhas de costa.

O sistema, no momento, opera com dois satélites, o Landsat (da NASA )e o Sentinel (da ESA/Copernicus). No início, a ideia era utilizá-lo para a análise de baías costeiras, mas depois a proposta foi ampliada para qualquer região costeira. Com ele, é possível conhecer e monitorar a variação das linhas nas últimas décadas, comparando o passado ao presente ou intervalos temporais pré-determinados. “Havia uma dificuldade destes outros métodos, nem sempre viáveis e de custo elevado”, reforça Klein.

No artigo, os pesquisadores ressaltam que as linhas costeiras derivadas do satélite são analisadas para um conjunto de definições estabelecidas pelo usuário. As comparações de C.A.S.S.I.E. com a taxa de mudanças apresentadas por outros métodos mostram que os produtos desta ferramenta têm precisão de subpixel. “É uma ferramenta completa para apoiar uma ampla variedade de estudos e aplicações onde o conhecimento do comportamento da linha costeira é fundamental”, registram os pesquisadores da equipe.

Bay Squeeze

O sistema C.A.S.S.I.E. é fruto de uma pesquisa maior, intitulada Bay Squeeze -termo que se refere a ideia de aperto, de uma baía em compressão, de falta de espaço. Trata-se de um projeto para o desenvolvimento de metodologias para  prever e mitigar impactos da subida do nível do mar, tendo como estudo de caso a Baía da Babitonga, no Litoral Norte de Santa Catarina, a partir de uma abordagem eco-morfodinâmica. Financiado pelo CNPq, no Edital Baias, o estudo se ancora em quatro metas interligadas para verificar se há mesmo menos espaço entre a areia ou a vegetação e o oceano.

Uma das metas era justamente a elaboração da ferramenta. As outras buscam investigar se está ou não ocorrendo a diminuição de espaço. “Uma das metas nos ajudou a estabelecer o espaço de acomodação disponível e as alterações que vêm ocorrendo no mangue a área adjacentes.  A variação da linha de costa foi feita de forma manual, o que ajudou e incentivou o desenvolvimento do C.A.S.S.I.E.”, explica. Já as demais irão fornecer a taxa de deposição dos sedimentos na baía e a taxa de preenchimento do espaço de acomodação. “Com a linha de costa, batimetria, e dados hidrodinâmicos, teremos as condições de contorno para rodar modelos numéricos”, prevê o pesquisador.

Segundo dados publicados no artigo Coastal Analyst System from Space Imagery Engine (CASSIE): Shoreline management module, estima-se que 24% das costas de areia em todo mundo estejam sofrendo recuo, enquanto 28% estão acumulando e 48% apresentam estabilidade. Os fatores antropogênicos, ou seja, frutos da ação humana, são encarados como a principal causa das erosões. Por isso, a avaliação quantitativa dessas tendências é vista como um indicador de vulnerabilidade das regiões.

No caso da Baía da Babitonga, onde se concentram as metas do Bay Squeeze, investiga-se a evolução da geomorfologia, estrutura sedimentar, geofísica e ecologia, na área de manguezais. O aumento da pressão humana na região, com o crescimento da população de Joinville ou  aumento da infraestrutura portuária, somada à elevação do nível médio do mar já registram impactos nas linhas.

O projeto utiliza uma abordagem multidisciplinar e inovadora para analisar os impactos e explorar medidas de mitigação e adaptação a estas mudanças. A ideia é contribuir com ações e resultados de preservação do planeta, alinhados com o propósito de cumprir os objetivos de desenvolvimento sustentável estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU).

(UFSC, 26/04/2021)