Últimos Sonetos: obra póstuma de Cruz e Sousa reúne escritos derradeiros do grande poeta simbolista

Últimos Sonetos: obra póstuma de Cruz e Sousa reúne escritos derradeiros do grande poeta simbolista

Em 1905 é lançada a obra Últimos Sonetos, do poeta catarinense Cruz e Sousa. Publicada postumamente, a coletânea reunida pelo amigo Nestor Vitor marca o apogeu estético do mais notório simbolista brasileiro. O ápice da forma contrasta, todavia, com a angústia do escritor, até então não reconhecido.

Lançada integralmente pela Editora da UFSC (EdUFSC), a obra com mais de 90 sonetos é permeada pela contradição entre o ideal de perfeição esteticamente realizado e a desconsideração desta grandeza pela sociedade da época, diante de um artista negro. Nos poemas, o temor da morte e o assombro do esquecimento convivem com a percepção da morte enquanto redentora diluição do artista na totalidade e nas visões de glória do escritor que pode ser reconhecido por outros artistas.
No soneto nº 8, intitulado “A perfeição”, Cruz e Sousa exalta a sensibilidade do poeta em superar o fardo de uma vida injusta – como a do negro convivendo em uma cidade de brancos, que sequer pôde assumir cargo público a que foi nomeado, unicamente por sua negritude – na busca pelo ideal artístico:

A Perfeição

A Perfeição é a celeste ciência
Da cristalização de almos encantos,
De abandonar os mórbidos quebrantos
E viver de uma oculta florescência.

Noss’alma fica da clarividência
Dos astros e dos anjos e dos santos,
Fica lavada na lustral dos prantos,
É dos prantos divina e pura essência.

Noss’alma fica como o ser que às lutas
As mãos conserva limpas, impolutas,
Sem as manchas do sangue mau da guerra.

A Perfeição é a alma estar sonhando
Em soluços, soluços, soluçando
As agonias que encontrou na Terra!

Esse encontro da forma e expressão é também uma maneira de manifestar o desejo pelos louros negados ao poeta, como expressa o soneto nº 12, intitulado “O Grande momento”:

O Grande Momento

Inicia-te, enfim, Alma imprevista,
Entra no seio dos Iniciados.
Esperam-te de luz maravilhados
Os Dons que vão te consagrar Artista.

Toda uma Esfera te deslumbra a vista,
Os ativos sentidos requintados.
Céus e mais céus e céus transfigurados
Abrem-te as portas da imortal Conquista.

Eis o grande Momento prodigioso
Para entrares sereno e majestoso
Num mundo estranho d’esplendor sidéreo.

Borboleta de sol, surge da lesma…
Oh!vai, entra na posse de ti mesma,
Quebra os selos augustos do Mistério!

Esse sonho, que concretizaria o ideal artístico, carrega consigo beleza e angústia ao mesmo tempo em que conserva imaculado e puro o artista na busca, na vida e na morte, da perfeição de uma alma inclinada ao sublime. Esse movimento tem o poder de realizar e encontrar a redenção além deste deletério mundo, como manifesta o segundo soneto dedicado a Nestor Vitor:

Longe de tudo

É livre, livre desta vã matéria,
Longe, nos claros astros peregrinos
Que havemos de encontrar os dons divinos
E a grande paz, a grande paz sidérea.

Cá nesta humana e trágica miséria,
Nestes surdos abismos assassinos
Teremos de colher de atros destinos
A flor apodrecida e deletéria.

O baixo mundo que troveja e brama
Só nos mostra a caveira e só a lama,
Ah!só a lama e movimentos lassos…

Mas as almas irmãs, almas perfeitas,
Hão de trocar, nas Regiões eleitas,
Largos, profundos, imortais abraços!

Cruz e Sousa alcança em seus Últimos Sonetos seu ápice simbolista e, contrastante como seus poemas, encontra na expressão de sua dor a redenção e o reconhecimento inacessíveis durante sua vida. Póstuma, como sua última obra, a glória, enfim, chega ao hoje imortal simbolista.

Serviço

O quê: Últimos Sonetos, 106 páginas

Autor: Cruz e Sousa

Quanto: R$22,00 impresso ou E-book gratuito

Mais informações na página da EdUFSC

(UFSC, 06/03/2020)