27 mar Cidade em disputa: como o crescimento desordenado ameaça Florianópolis
Do mar até o cume, atravessamos o asfalto, passamos pelo metro quadrado mais caro da cidade, subimos o morro —a vegetação já escassa—encontramos outra cidade. O improviso urbano, formado na sua maioria por invasões e obras irregulares. Lá de cima, o visual é privilegiado. Alguns perguntam: como conseguem chegar lá? Outros pensam que lá é o melhor lugar para se viver. Mas à noite, a polícia sobe o morro. As facções também estão presentes. E tiros, bombas, prisões também acabam fazendo parte da rotina de quem vive nesses locais.
A violência é a consequência mais grave nos mais de 60 bolsões de pobreza que se formam na Capital. Atacar a criminalidade é como enxugar gelo, diz o delegado Anselmo Cruz, da Deic (Divisão Estadual de Investigações Criminais).
O assunto é o primeiro de uma série de reportagens que pretende discutir a situação e o futuro das chamadas ocupações irregulares em Florianópolis. Tema que envolve não só a polícia, mas, sobretudo, o poder público, a Justiça e demais agentes sociais.
“Antes, preciso estancar, conter o crescimento desordenado, para depois se pensar em reverter a situação dessas comunidades. Eu costumo dizer que o trabalho da polícia é como o de um tratamento, que ataca só a doença, mas que as causas são outras, dependem de outros fatores”, afirma Cruz.
Estatísticos estimam que em dez anos a população de Florianópolis pode crescer em até 100 mil habitantes. E os motivos que levam os novos moradores tanto a compra de um apartamento de frente para o mar em loteamento ilegal —em terras possivelmente fruto de grilagem ou fraude— como de invadir uma área pública ou privada na calada da noite para erguer barracos nos morros são muitos.
Um deles passa pela falta de fiscalização ou até mesmo certa conivência do poder público. Só nos dois últimos anos, por exemplo, foram realizadas 4.100 novas ligações elétricas na cidade. O Ministério Público vem apurando a situação, considerada pela 32ª Promotoria de Justiça como uma epidemia de loteamentos clandestinos, invasões, construções irregulares e clandestinas em diversos bairros da Capital.
Em fevereiro deste ano, a Justiça emitiu decisão suspendendo qualquer autorização para ligação de água e energia em áreas ocupadas de forma irregular ou invadidas.
Problemas sociais se tornam crônicos
A falta de urbanização não resulta apenas em uma moradia muitas vezes improvisada, mas reflete também na falta de saneamento, creches, escolas e serviços adequados de Saúde. “A multiplicação dos bolsões de pobreza em áreas invadidas ou aquelas vendidas ou irregulares, não só aqui, mas em todo o mundo, são nicho para os focos de violência”, aponta Anselmo Cruz.
Para a presidente da organização FloripAmanhã, Anita Pires, Florianópolis sobre com o descaso histórico. “Os políticos não têm cultura de planejamento, não se pensa um projeto para a cidade, mas sim projetos de governo. E a cidade vira essa colcha de retalhos. O papel da gestão pública tem que ser revisto e a sociedade tem que participar”, afirmou Anita.
A presidente do FloripAmanhã lembra, por exemplo, que a insistência em se ter crianças fora da escola gera um passível para as situações atuais que as torna inviáveis de serem resolvidas. “Nas comunidades carentes falta quase tudo. Mas se não olharmos para as crianças, daqui dez anos a situação não mudará muito, porque teremos os mesmos problemas”, conta.
Nesta quarta-feira (27), às 19 horas, o assunto também será tema de uma audiência pública realizada na Assembleia Legislativa. No parlamento, os deputados devem tratar principalmente a postura das ações policiais nas áreas de maior vulnerabilidade. A audiência foi pedida pela Comissão de Direitos Humanos e vai contar com participação de moradores e representantes do poder público.
Facções dominam comunidades no Norte
O crescimento desordenado de Florianópolis age na sombra da fiscalização, que se demonstra ineficiente em muitos casos. É assim por exemplo que loteamentos inteiros surgem de forma irregular, sem previsão da demanda dos serviços públicos. Igualmente agem os moradores de invasões.
A fragilidade nas comunidades mais recentes abre espaço para os mal intencionados, aponta o delegado Cruz. Segundo ele, na região centra e até mesmo no Continente não há comunidade cominada por facção, “mas sim membros das comunidades aliados a essas facções”. No entanto, ele cita casos específicos no Norte da Ilha onde o crime organizado é quem comanda as comunidades.
“Temos algumas comunidades onde existe uma disputa pelo território. E justamente nessas regiões foram registrados mais casos de mortes em 2018. Já nas outras regiões o crime organizado age, mas não tem o domínio do território como nessas comunidades”, explica.
(ND, 27/03/2019)