Floripa – Brasil surpreendente

Floripa – Brasil surpreendente

A capital do Estado de Santa Catarina é um éden singular. A ilha onde se ergueu, ocupada desde há sete mil anos, oferece praias magníficas, paisagens marcantes, muita arte e a rica herança cultural dos colonos dos Açores. Tudo é sedução, cor, e tem um sabor de excelência: ostras!

Qualidade de vida

Há qualquer coisa neste lugar do sul do Brasil. Qualquer coisa de encantatório. Não é de espantar que a Ilha de Santa Catarina seja conhecida por Ilha da Magia – além da beleza natural, explicam-no mitos e lendas. Nem espanta que seja destino para tantos brasileiros e europeus que vêm para ficar. Os números estimam que, numa população com cerca de 500 mil habitantes, 52% não são florianopolitanos. Ou “manezinhos da ilha”, a designação popular dada aos nativos, do tempo dos colonizadores portugueses, na sua maioria vindos dos Açores para tentar a sua sorte no Brasil, na época em que Florianópolis – que se abrevia como Floripa – se chamava Nossa Senhora do Desterro. Manoel era o nome mais comum em Portugal, por isso referiam-se aos moradores da ilha como “manoelzinhos”. Com o tempo a expressão foi transformada em “manezinho” e depois “mané”.

É na ilha que fica Floripa, capital do Estado de Santa Catarina, 700 quilómetros a sul de São Paulo, que coleciona histórias há séculos, mas continua a escrever o futuro. As marcas das tribos pré-históricas constituem hoje o maior acervo de arte rupestre no país. No século XVIII os açorianos escapavam de um arquipélago com o sonho de encontrar uma “terra prometida”. Já na década de 1980 o grande fluxo de migração europeia trouxe-lhe um outro olhar. Sem falar da singular interação da natureza com a cidade, das suas 42 praias e deste povo que sabe praticar a arte de bem receber como poucos.

A indústria das ostras, seu prodígio gastronómico – Floripa é a maior produtora do Brasil (92% do mercado nacional) –, a tecnologia e o turismo são os grandes motores da economia deste que é um dos principais polos de inovação do Brasil. As universidades trazem milhares de estudantes e, no verão, chegam cerca de dois milhões de turistas. Muitos deles entram na ilha por duas pontes paralelas, a Colombo Salles e a Pedro Ivo Campos. Já a imponente Ponte Hercílio Luz, símbolo da independência, da evolução da arquitetura brasileira nos anos 20 e de Santa Catarina, encontra-se em processo de restauro. “Ilha do meu coração” diz uma canção que acompanha esta viagem.

Cidade criativa

Depois de atravessada a lindíssima Avenida Beira-Mar Norte, a estrada indica o caminho para o coração de Florianópolis. A inquietação do Mercado Público, de tons amarelados, e os prédios oitocentistas, preservadores do estilo colonial luso-brasileiro, preenchem o cenário. Também no centro fica a catedral dedicada a Nossa Senhora do Desterro, projetada pelo brigadeiro português José da Silva Paes, concluída em 1773. “Aqui nasce a cidade”, ouvimos. Abaixo da igreja matriz, o engenheiro e militar edificou ainda a Casa do Governo da Capitania da Ilha de Santa Catarina, outra herança do período colonial no século XVIII, hoje o Palácio Cruz e Sousa, em homenagem ao poeta simbolista catarinense. Alvo de várias intervenções ao longo do tempo, para a sua preservação, a atual sede do Museu Histórico de Santa Catarina, desde 1986, apresenta uma arquitetura eclética, caracterizada por uma conciliação de estilos, como o barroco e neoclássico, e por esculturas, pinturas no teto, mobiliário e uma escadaria de mármore. Além dos acervos arquitetônico, arqueológico, arquivístico, bibliográfico e museológico, a entrada principal do palácio é ocupada pelo piano do maestro José Brazilício de Souza, compositor do hino de Santa Catarina.

O compasso das artes prolonga- -se até ao Centro Integrado de Cultura Professor Henrique da Silva Fontes, que é a casa do Museu de Arte de Santa Catarina (MASC) e também do Museu da Imagem e do Som, do Teatro Ademir Rosa e de outras manifestações culturais catarinenses. O MASC possui cerca de 1800 obras de arte contemporânea, de artistas nacionais e internacionais, com destaque para os da região, e celebrou 70 anos em 2018.

Voltamos ao coração da cidade, agora no antigo ponto de encontro da elite intelectual, o trapiche Miramar. Daí subimos à praça XV de Novembro, onde os desenhos cravados na calçada, do artista plástico Hassis, revelam elementos da cultura de Floripa, desde os engenhos da pesca às festas, passando pela renda de bilro e por mais representações tradicionais. A figueira, na mesma praça, constitui outro dos símbolos do centro e da capital, não só pela exuberância, mas pela sua aura mística.

A décima ilha

À primeira vista, quem aterra nesta que é uma das capitais com a maior área de Mata Atlântica preservada do Brasil, repara nos morros. Floripa é apontada como a décima ilha do arquipélago dos Açores, mas não só pelos fenómenos da natureza. O brigadeiro José da Silva Paes é uma peça fundamental na ligação com Portugal. Ele idealizou, em 1739, um triângulo defensor da Ilha de Santa Catarina formado pelas fortalezas São José da Ponta Grossa, Santo Antônio de Ratones e, a principal, Santa Cruz de Anhatomirim, na barra norte, para consolidar o domínio português no sul do Brasil e proteger a ilha de investidas estrangeiras.

A partir da Praia de Canasvieiras existe um navio – o Corsário Negro I, um barco de piratas – que visita as fortalezas de Ratones e Anhatomirim na companhia de uma anfitriã que se apresenta como D. Leonor. “Deixem-se levar pelo balanço das ondas, como uma espécie de poesia”, apelou a fidalga mal nos fizemos ao mar, em direção às ilhas onde moram estes edifícios preservados pela Universidade Federal de Santa Catarina. Aqui foi o ponto de partida para a colonização por açorianos, chegados em 1748. Habituados ao convívio com o mar, adaptaram-se de imediato. Trouxeram uma vida nova, costumes, sementes, ferramentas e gado. À equação junta-se a produção de mandioca e a renda de bilro, uma arte tornada numa tradição local que continua a ser praticada nos lugares mais típicos de Floripa. Como em Santo Antônio de Lisboa. Junto à praia preenchida por barcos de pesca e por uma fazenda/viveiro de ostras, este bairro denuncia a arquitetura colonial portuguesa. Na estrada Caminho dos Açores, cujo epicentro é a Igreja Nossa Senhora das Necessidades, encontram-se ateliês, lojas de artesanato (com as rendas), galerias de arte e restaurantes. E ainda a primeira calçada portuguesa de Santa Catarina, que foi colocada para receber o imperador D. Pedro II no século XIX. A palete de cores do casario continua na costa Oeste, nomeadamente em Ribeirão da Ilha, outra colónia açoriana.

Imensidão

A Praia de Itaguaçu (nome indígena que significa laje de pedra) é uma referência na cidade. E as dezenas de pedras espalhadas pelo mar deste lugar da baía sul, que ilustra o Bairro de Coqueiros (via gastronómica de Floripa), guardam uma das histórias do folclore local que explicam o significado de Ilha da Magia. Reza a lenda que são bruxas petrificadas e que esta praia era um salão de festas onde elas se encontravam com outras figuras assustadoras, como lobisomens e vampiros. Em assembleia, as bruxas decidiram não convidar o Diabo para a festa, desprezando o seu poder absoluto. Irritado, entre raios e trovões, transformou-as nas pedras grandes que ainda se veem pelas águas de Itaguaçu.

No Leste somamos um pedaço de paraíso às 42 praias da capital catarinense: as piscinas naturais da Barra da Lagoa. O acesso faz-se através de um trilho que tem tanto de aventuroso como de aliciante, tal é o contacto com a natureza. Depois de atravessadas a ponte e a escadaria que conduzem à Prainha da Barra da Lagoa, estão paisagens que contemplam um oceano interminável e, ao fundo, do outro lado, a extensão de nove quilómetros da Praia de Moçambique. No final da caminhada há saborosos mergulhos nas águas transparentes das piscinas naturais, completas por um cenário tropical, rochoso e verdejante.

Na Praia do Mole também se entra por um trilho. Mas é lá perto que somos ainda mais conquistados, assim que começa a viagem de barco-ônibus em direção à Costa da Lagoa, desde a Marina do Centrinho da Lagoa da Conceição. Junto a esta antiga vila de pescadores, coberta por morros enormes, uma comunidade isolada onde os carros não chegam e que ainda preserva vestígios da cultura deixada pelos imigrantes açorianos, o barco vai parando em vários cais para que as pessoas desembarquem para as suas moradias na costa e no meio da Mata Atlântica. Cerca de 50 minutos depois da partida, paragem na orla gastronómica da Costa da Lagoa para provar o delicioso peixe assado ali pescado. Às tantas, pensar em viver aqui não é assim tão má ideia. A vida é boa!

O homem do Sambaqui

No século XVIII a Praia da Armação era uma estação baleeira. Na altura, o óleo da baleia era utilizado para a iluminação pública de cidades como Florianópolis, Rio de Janeiro e São Paulo (as sobras eram exportadas para Lisboa ou para os Açores). A caça é hoje ilegal, e as baleias- -francas continuam a aparecer nos mares do Sul, sobretudo no inverno.

Na Armação os barcos de pesca partilham as águas com os surfistas. E junto à praia há vestígios de oficinas líticas, que assinalam o local de confecção de instrumentos de pedra, como pontas e anzóis. Estas bacias de polimento em que os pré-históricos moldavam as suas ferramentas encontram-se também na Ilha do Campeche. As embarcações da Praia da Armação fazem a travessia até lá, onde existe o maior acervo de arte rupestre no Brasil e um paraíso de águas azuis comparado às Caraíbas. Subimos o morro preenchido por Mata Atlântica, em direção ao Leste, para observar as gravuras. O seu aspeto triangular é provavelmente uma referência ao lado guerreiro das tribos. Descida a encosta rochosa, com o oceano no horizonte, descobrem-se as famosas Máscaras Gêmeas, símbolo da Ilha do Campeche. O desenho geométrico faz um efeito de reflexo, mas desconhece-se o seu significado. Pode ser uma marca territorial ou apenas uma forma de expressão. Estima-se que cada linha levou 200 horas de trabalho.

Campeche

O Museu Arqueológico ao Ar Livre da Praia do Santinho também denuncia essa herança e confirma a vinda dos sambaquieiros – nome dado aos primitivos habitantes da costa – há sete mil anos, sendo que os registos de ocupação permanente da Ilha de Santa Catarina têm cinco mil anos. Situado no Morro das Aranhas, o museu tem acesso pelo resort Costão do Santinho e preserva o legado através de estruturas que diminuem a temperatura das pedras onde estão as gravuras rupestres.

Confira o vídeo.

FLORIANÓPOLIS from Up Inflight Mag on Vimeo.

(Up Magazine – TAP, 01/01/2019)