21 set Além de supermercado, outros imóveis da Lagoa da Conceição enfrentam processos de demolição
Nativo da Lagoa da Conceição, Amilton Cândido Thomé, de 60 anos, é uma das tantas pessoas no centro de uma polêmica no bairro que é um dos principais destinos turísticos de Florianópolis. Dono de um pequeno rancho de pesca, atrás de uma dezena de imóveis com processos de demolição pela Prefeitura da Capital e Justiça Federal em áreas consideradas de preservação permanente pelas legislações ambientais, pesca seu peixinho sem saber até quando a estrutura de madeira ficará em pé. Seu rancho, assim como o supermercado Chico, condenado a demolição pela Justiça na terça-feira (18), fica no setor 2 da orla da Lagoa, no centrinho, pouco antes da ponte que leva à avenida das Rendeiras.
Na mais recente movimentação oriunda de uma ação civil pública de 2003, oferecida pela procuradora Analucia Hartmann, do Ministério Público Federal (MPF), uma sentença da juíza Marjôrie Cristina Freiberger condenou os donos do supermercado Chico, construído nas margens da Lagoa da Conceição, a demolir a edificação em um prazo de seis meses, por estar em terreno de marinha e área de preservação permanente. Também precisam promover a recuperação ambiental do local.
A sentença é resultado da ação de 2003 do MPF, que condenou o Município de Florianópolis a resolver as irregularidades da Lagoa. A Prefeitura da Capital, então, tem entrado com ações de demolição individuais contra cada proprietário de imóvel apontado como irregular pelo MPF e pela Justiça Federal.
A reportagem esteve no supermercado Chico nesta quinta-feira, mas não localizou os proprietários. Advogado dos donos do estabelecimento, cuja construção inicial data de 1945, Cassiano Starck, afirma que vai recorrer da decisão. Ele afirma que o imóvel é consolidado e, em segunda instância, crê na reforma da sentença, por haver casos semelhantes em que demolições foram suspensas. Avalia que as decisões judiciais precisam ser analisadas de forma individual e, nesse caso, o supermercado Chico é uma das primeiras construções existentes no centrinho da Lagoa.
— Tomamos conhecimento da sentença e vamos recorrer. O imóvel é bem consolidado, é da década de 40, e já temos decisões em outros processos em segunda instância que reconhecem a área como consolidada e sem nenhum dano — explica Starck, destacando a individualidade de cada ação, pois há imóveis mais antigos e outros recentes. O supermercado Chico funciona como comércio desde 1976, e no início era um armazém que vendia secos e molhados, numa época de poucas construções no hoje supervalorizado bairro da Ilha de Santa Catarina.
O prédio do supermercado, na rua Henrique Veras do Nascimento 77, na Lagoa, tem cerca de 1.000 m², foi construído sem aprovação de licença pela prefeitura e sem licenciamento ambiental, ocupa todo o terreno de marinha de 723 m², sem recuos e avança sobre a praia e as águas da lagoa. Na sentença a juíza federal Marjôrie observa que é “fato relevante” que parte da edificação está construída sobre a praia existente na margem da Lagoa da Conceição, parte incluída no terreno de marinha, mostrando a irregularidade e a precariedade da ocupação.
— E, ainda mais, por ser a praia consagrada como bem de uso comum do povo, inadmitida qualquer forma de apropriação. O uso livre pelo público constitui a destinação fundamental das praias — afirma a magistrada.
Ações têm objetivo de oferecer acesso público à Lagoa e respeitar os 30 metros
As ações têm por objetivo promover acesso público, livre fruição e preservação das margens da Lagoa da Conceição. Preveem, ainda, a liberação de uma faixa de 30 metros a contar da margem da Lagoa, em áreas consideradas de preservação permanente pelas leis ambientais. A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da Prefeitura da Capital, para saber quantos imóveis estão localizados dentro dessa área na Lagoa, mas até este momento não obteve retorno. Nenhuma das várias perguntas da reportagem foram respondidas. Em 2015, a estimativa do município é de que havia cerca de 1.000 imóveis nessa situação.
Para Amilton, que no início da tarde desta quinta-feira, pescou dois carapevas, espécie de peixe que habita a Lagoa da Conceição, as decisões da Justiça precisam levar em conta o fato de que muitas das construções ditas irregulares estão consolidadas, com décadas erguidas, em atendimento também à população do bairro. Para ele, “cada caso é um caso”, pois também há imóveis erguidos após 2005, ano que é uma espécie de marco judicial para proibir novos empreendimentos na área.
— Vão querer demolir o que está aqui há décadas? Então porque deixaram ficar assim tanto tempo. Tenho meu rancho, a prefeitura já conversou com a gente, mas não tem outro lugar para irmos. Acho que nem tudo pode ser demolido — diz Amilton, antes de ir embora para casa, também no centrinho, para fazer os carapevas “fritinhos” para “a família”.
Em junho, dois imóveis na mesma situação foram demolidos
As ações demolitórias na Lagoa da Conceição são individuais e, cada situação, está sendo analisada separadamente. Em junho deste ano, a Fundação do Meio Ambiente de Florianópolis (Floram) demoliu uma casa de câmbio e um bar que ficam próximos ao supermercado do Chico. A determinação de demolição da casa de câmbio, por exemplo, foi proferida pela Justiça Federal em fevereiro de 2016, mas os donos recorreram. Há três meses, como todos os recursos foram esgotados, a demolição foi executada.
Outros imóveis do setor 2, onde há bares, sorveteria, loja de sapatos, roupas íntimas e vestuário, também chegaram a ter sentença demolitória proferida. Mas recorreram e, até hoje, seguem atuando no mesmo lugar. Quando condenados, os réus precisam também fazer a recuperação ambiental da área degradada, com apresentação de Plano de Recuperação (Prad), a ser aprovado pela Floram, e à interdição das atividades comerciais realizadas no local. Todas as ações de demolição são ajuizadas pela Prefeitura de Florianópolis em cumprimento à sentença da ação oferecida pelo MPF em 2003.
(Hora de Santa Catarina, 20/09/2018)