07 ago A reinvenção das ruas como espaços públicos multifuncionais
Artigo de Claudio Bernardes
Engenheiro civil e presidente do Conselho Consultivo do Sindicato da Habitação de São Paulo.
Presidiu a entidade de 2012 a 2015.
As ruas são elementos tradicionais na organização das cidades, ao longo das quais se concentram edifícios destinados às habitações, ao comércio e aos serviços, além de outras estruturas urbanas. Elas servem para conectar os diferentes espaços urbanos, não só acomodar os sistemas de transporte.
As vias públicas também podem ter funções importantes no que se refere à interação social, com destinação de seus espaços à realização de atividades culturais e de lazer, e ainda para atividades políticas ou econômicas.
Em várias cidades da Europa, dos EUA e da Oceania, as vias urbanas têm sido redesenhadas para acomodar essa característica multifuncional, tornando-as mais acessíveis aos diversos tipos de usuários.
Ao mesmo tempo, transformam as cidades em ambientes mais saudáveis e com menores níveis de poluição, à medida que se reduz a circulação do transporte motorizado.
Essa tendência de reestruturação das vias públicas foi explorada em trabalho publicado pelo UN-Habitat (ONU), intitulado “Streets as urban spaces and drivers for prosperity” (“Ruas como espaços urbanos e condutores da prosperidade”).
A publicação enfatiza que, além das ações mais comuns para a reestruturação das ruas, como faixas exclusivas para ciclistas e pedestres, alargamento de calçadas e outras medidas para aumentar a segurança e o conforto das pessoas que usam transportes alternativos, a transformação das vias arteriais para acomodar melhor os pedestres é essencial.
O espaço ocupado pelas ruas nas cidades é um indicador de sua importância no contexto urbano. Em locais como Paris, Londres, Tóquio, Barcelona e Nova York, por exemplo, as ruas ocupam entre 30% e 35% do espaço das cidades, enquanto em cidades brasileiras como São Paulo e Brasília, esse número é de aproximadamente 20%.
Hoje, a população quer recuperar as ruas como espaços públicos multifuncionais. Para que isso ocorra, elas devem, primeiro ser reconhecidas como áreas públicas que, além de conectar espaços e abrigar atividades econômicas, podem ter a finalidade de proporcionar maior bem-estar e qualidade de vida para as pessoas.
Muitas árvores, calçadas mais largas, obras de arte, mobiliário elegante, sanitários públicos e pontos de informação para turistas, entre outras possibilidades, melhoram a qualidade e a eficiência desses espaços.
É importante considerar que vias de circulação estruturadas de forma adequada e com características multifuncionais operam de forma satisfatória, desde que integrem uma rede com alto índice de conectividade.
Quanto maior essa conexão, maior será a atratividade e o número de opções de rotas, diminuindo as distâncias das viagens.
O replanejamento das vias públicas deve ainda levar em conta a dinâmica populacional, em especial a estratificação por idade e as eventuais alterações no tamanho das famílias.
Enquanto pais e filhos gostam de passar mais tempo nas ruas, em parques e outros locais públicos, os idosos podem não ter condições de ficar muitas horas nesses espaços.
Como os jovens são, em grande parte, solteiros, preferem frequentar bares, restaurantes, teatros e shopping centers.
Por essas razões, o planejamento da multifuncionalidade das vias deve considerar essas características distintas dos grupos sociais, projetando áreas capazes de lidar com essas alternâncias.
Não restam dúvidas que as ruas devem ser priorizadas como elementos básicos de mobilidade.
Para que elas se tornem também indutoras de prosperidade e sustentabilidade, suas funções básicas devem ser acompanhadas de uma progressiva provisão de serviços e elementos que propiciem bem-estar e qualidade de vida para a população.
(Folha de São Paulo, 06/08/2018)