18 abr O que podemos aprender com as três gerações de Cidades Inteligentes
Da era em que grandes empresas forneciam serviços aos gestores públicos até a fase da “governança em rede”, as smart cities também acompanham a evolução tecnológica
Por Thais Nahas*
À medida que as cidades crescem em número de habitantes, a expectativa e a demanda por empregos, transporte, habitação, infraestrutura, número de vagas nas escolas, de atendimento em postos de saúde, opções culturais, aumenta significativamente. Este ciclo será difícil de quebrar – as cidades com mais oportunidades de trabalho e opções ao cidadão estão atraindo diariamente um grande número de migrantes de municípios menores. Diante deste crescimento acelerado e descontrolado, é preciso pensar em novas estratégias.
Há alguns anos, ao estudar diferentes iniciativas de Cidades Inteligentes em pequenas e grandes cidades do mundo, o pesquisador americano Boyd Cohen, Ph.D. em Urbanismo e professor de Empreendedorismo e Sustentabilidade na EADA Business School Barcelona, definiu que existem três gerações distintas quanto a adoção de tecnologia e desenvolvimento de projetos. Boyd afirma que algumas cidades passam de uma geração para outra, e outras ficaram presas em um dos seus experimentos.
Cidades Inteligentes 1.0: Guiadas pela tecnologia
Esta primeira geração é caracterizada por provedores de tecnologia incentivando os gestores públicos de cidades que enfrentavam grave crise econômica, a melhorar a eficiência através de implementações exclusivamente tecnológicas. São as chamadas iniciativas top-down (de cima para baixo). Uma crítica a esta geração é que muitas vezes as cidades – e seus cidadãos – não estavam realmente preparadas para entender as aplicações ou como elas poderiam afetar a qualidade de vida. Como Boyd cita, é como alguém que espera na fila pelo mais recente lançamento da Apple sem nem mesmo saber para que usar.
Segundo o pesquisador Boyd Cohen, algumas cidades passam de uma geração para outra, e outras ficaram presas em um dos seus experimentos
No Brasil, é possível encontrar inúmeros casos em que a administração pública adquiriu uma solução tecnológica de ponta, e que, por falta de equipe qualificada para operar, entre outros motivos mais obscuros, acabou por não usá-la e os equipamentos tornaram-se obsoletos.
Por outro lado, acredito que aqui no Brasil, como estamos de certa forma iniciando os projetos, os grandes players globais podem atuar como disseminadores de conhecimento e experiências e atuarem junto neste processo de inovação que o país tanto precisa.
Cidades Inteligentes 2.0: Prefeituras liderando projetos com o uso de tecnologia
Esta geração foi liderada pelas cidades. Prefeitos e gestores públicos determinaram o futuro da cidade contemplando a implantação de tecnologias e outras inovações. Talvez um dos melhores exemplos seja o que o prefeito do Rio de Janeiro fez quando buscou a expertise de grandes multinacionais de tecnologia para a criação de uma rede de sensores que pudessem amenizar as consequências dos deslizamentos de terra nas encostas. Este projeto recebeu grande atenção da mídia global, especialmente por ter se transformado em um centro de operações moderno, conectando streaming de vídeo para detecção e prevenção de crimes e gestão integrada de serviços de emergência entre outras operações.
Cidades Inteligentes 3.0: Cidadãos ajudam a desenvolver as cidades
Os governos, sejam eles federal, estadual, ou municipal, vêm e vão. Eles se movem em ciclos de quatro ou oito anos. Desta forma, a agenda de longo prazo tem de ser cívica. Os cidadãos ao redor do mundo estão cada vez mais conscientes de que precisam participar ativamente de projetos cujo objetivo é melhorar a sua própria qualidade de vida. É o morador da cidade que conhece e sente na pele os problemas de mobilidade, falta de saneamento, a burocracia, a desigualdade e tantos outros problemas. E é ele mesmo que pode mudar a sua realidade e ser o “guardião” da agenda de longo prazo.
Na terceira geração de Cidades Inteligentes, há um modelo de “governança em rede” que incentiva a inovação local para enfrentar desafios urbanos complexos, como oportunidades econômicas, sustentabilidade e infraestrutura, por exemplo. A atuação de entidades representativas da sociedade civil em conselhos municipais, é um exemplo já adotado no Brasil.
“É o morador da cidade que conhece e sente na pele os problemas de mobilidade, falta de saneamento, a burocracia, a desigualdade e tantos outros. E é ele mesmo que pode mudar a sua realidade e ser o “guardião” da agenda de longo prazo”
O cidadão aqui é o centro das iniciativas e dele pode partir as ideias de projeto. É o que chamamos de iniciativa bottom-up(de baixo para cima). Ele pode ser co-criador de soluções tecnológicas ao listar os seus desafios para que empresas criem funcionalidades. E ele pode também testar esses novos produtos. Pode participar de ações cujo o objetivo é encontrar soluções para desafios pontuais, como os Hackathons.
No Brasil estamos observando iniciativas de Cidades Inteligentes do tipo top-down, bottom-up e uma certa mistura das três gerações. O grande desafio do crescimento acelerado de cidades é mundial, e acredito que podemos aprender muito com os cases de projetos internacionais, mesmo tendo uma realidade socioeconômica e política diferente. A tendência da participação cidadã está presente no mundo todo, impulsionada principalmente pelas redes sociais, e devemos usufruir desta pluralidade de ideias e conhecimentos para encontramos melhores soluções para os nossos desafios diários.
* Thaís Nahas é consultora do Programa Cidades Inteligentes da Associação Catarinense de Tecnologia (ACATE) e escreve mensalmente sobre Cidades Inteligentes para o SC Inova
(SC Inova, 18/04/2018)