02 mar Moradores questionam construção de casas de alto padrão no Gravatá
O caminho do Gravatá, paraíso intocado no leste da Ilha de Santa Catarina, recebeu nos últimos dias escavadeiras, máquinas e funcionários que trabalham atrás de tapumes verdes. As obras chamaram atenção de moradores, turistas e surfistas que fazem a trilha para a pequena praia que fica ao canto sul da Mole. Ali estão sendo construídas três casas de alto padrão, com 473 metros quadrados cada. A intenção da empresa responsável é erguer nove no total.
— Querendo ou não, é uma região tradicional de pescador. E aí começaram a construir durante o Carnaval. Agora vai ser difícil recorrer. Daqui a pouco está na praia — reclama o músico e surfista Junior dos Santos, 24 anos, morador da Barra da Lagoa.
— Alguma coisa está errada, não se pode simplesmente construir algo tão grande numa área de preservação — questiona o salva-vidas e também morador da Barra Gabriel Parmera.
No entanto, pelo menos para a Justiça, está tudo certo. A empresa que está executando as obras se chama Tandau Empreendimentos Turísticos LTDA, proprietária do terreno. Ela obteve em 2015, por meio de um mandado de segurança do Tribunal de Justiça de SC, autorização para construir as três casas.
No ano seguinte, teve o alvará da propriedade renovado junto à prefeitura e obteve aprovação pela Fundação Municipal do Meio Ambiente de Florianópolis (Floram) para supressão de 1.127 metros quadrados de vegetação em uma Área de Preservação Limitada. No entanto, conforme o sócio-administrador da Tandau, Gilberto Antônio Matos, 66 anos, foram quase duas décadas de embates judiciais até conseguir toda essa papelada. E o principal entrave atende pelo nome de Caminho dos Pescadores.
É TRILHA OU É ESTRADA?
Na quarta-feira, a reportagem foi até a praia do Gravatá. Para chegar ao destino, se passa por um caminho íngreme e acidentado de barro, pedregulhos e muitos buracos. Impossível qualquer veículo motorizado subir. No entanto, foi o entendimento da Justiça — de que ali se trata de uma via pública — que possibilitou a construção das casas em um raio de 200 metros dessa estrada.
Tanto Ministério Público quanto prefeitura se posicionaram contra a construção das residências de luxo naquele local com o argumento de que ali não existia via pública. No entanto, a defesa da Tandau apresentou fotos antigas que mostram diversos carros e camionetes no topo do morro, lá onde se tem uma linda vista das praias Mole e Gravatá e de onde saltam os profissionais de asa delta. Essas imagens foram consideradas provas pela Justiça, mesmo que hoje a ação do tempo, das chuvas e a falta de manutenção tenham descaracterizado totalmente o local de uma estrada.
Atualmente, encontra-se em fase de cumprimento de sentença um Termo de Ajustamento de Conduta que prevê a manutenção desse caminho histórico com execução de drenagem e recuperação da área pela erosão, caso necessário. A Justiça admite pequenos alargamentos pontuais com contenções ou arrimo, desde que aprovados pela prefeitura. A empresa também terá de fazer a reposição florestal em uma Área de Preservação Permanente (APP) dentro do terreno.
O proprietário Gilberto Matos defende que sempre protegeu a natureza da praia e o caminho do Gravatá. Que inclusive já expulsou pessoas que ergueram barracos no local.
— Essa área é totalmente preservada porque há mais de 20 anos a empresa tem um funcionário que caminha todos os dias da frente do terreno até a praia para cuidar que não haja nenhuma invasão e construção ilegal. Ela é preservada? Agradece à Tandau! Não é por causa de prefeitura nem do Ministério Público. Todas as outras encostas de morro no interior da Lagoa têm ocupação irregular, essa que é da Tandau não tem.
O que diz a prefeitura:
Em nota técnica, a Floram informou que este processo levou cerca de um ano e meio para finalização da análise técnica a autorização, “sendo que durante tal período o setor competente desta Fundação realizou vistorias, solicitou informações e estudos complementares, bem como adaptações ao projeto original das três edificações unifamiliares e das áreas propostas para compensação, a fim de que a supressão não atingisse nenhuma Área de Preservação Permanente e respeitasse integralmente todas as exigências da Lei da Mata Atlântica”.
(Hora de Santa Catarina, 02/03/2018)