23 fev Revitalização do Largo da Alfândega divide opiniões
Um dos pontos históricos de Florianópolis, lugar de encontros e reencontros e berço da cidade, o Largo da Alfândega deve mudar de visual. A prefeitura lançou nesta quinta-feira o edital para contratação da empresa que fará as obras de requalificação. A Hora foi até o local para saber o que os moradores pensam desta intervenção. As opiniões se dividem, mas a maior dúvida é se o local vai continuar público e se o dinheiro — R$ 7,8 milhões — não poderia ser investido em outras áreas, como saúde e educação.
A estudante Caroline Regina Ricardo, 25 anos, tem receio que o Largo da Alfândega vire um espaço fechado para a população e para as manifestações culturais de rua, como as batalhas de rap que acontecem num palco aberto.
— Espero que não aconteça como no Mercado Público, onde o conceito de público acabou. No Largo eu venho nas batalhas de rap, batalhas das minas, assim como frequentava o reggae que acontecia no Mercado, mas que depois da reforma acabou. Espero que a gente possa continuar frequentando aqui — diz.
O fotógrafo Victor Hugo Silva, 34, acredita que o dinheiro poderia ser usado na conservação de outros espaços públicos, que estão piores. Mas se a obra for feita, ele espera que mantenha as características originais e a cultura local.
— Acho válida qualquer reforma que venha melhorar a nossa cidade, desde que mantenha todas as manifestações culturais que a cidade tem. Mas, para mim o local nem precisava de reforma, ele está bem conservado e acho que tem outros lugares que esse dinheiro poderia estar sendo gasto — sugere.
A artesã Maria Luiza Mello, 71, trabalha há 30 anos na Casa da Alfândega. A preocupação dela é que a revitalização modifique o espaço original e, consequentemente, a característica histórica.
— Se forem fazer uma reforma que privilegie a Casa da Alfândega e mantenha a originalidade, as características históricas da praça, tudo bem. Mas se for feito algo modernizado como o Mercado Público, aí não concordo, até porque nem acho que precise de reforma — comenta.
A atendente Vitoria dos Santos, 22, discorda da obra. Para ela, o Largo da Alfândega, assim como outras praças da cidade, é um local ocupado por moradores de rua e ela se sente insegura ao frequentar estes espaços.
— Eu penso que não seria uma boa, primeiro porque nós temos muitos parques com bancos e todos eles são ocupados por moradores de rua e que você não pode sentar com medo de ser assaltado. Eu mesma passo aqui com a minha filha e não tenho como sentar porque eles estão dormindo e sempre tá sujo de fezes, urina, vômito. Só vai aumentar o número de moradores de rua e nós não vamos usufruir deste espaço — opina.
O administrador de empresas Wagner Dercheli, 38, é um frequentador assíduo do Largo da Alfândega e concorda com a revitalização, mas não com o valor orçado para a obra.
— Eu passo todos os dias por aqui e nos fins de semana venho passear com a família, sempre tem eventos e é fundamental ter locais para a cultura. Por isso, reforma até precisa para melhorar o ambiente para as pessoas, mas esse valor aparentemente está muito alto.
Lauro Martins Filho, 55, trabalha como porteiro à noite e de dia aproveita para passear na praça. Para ele o dinheiro poderia ser investido em outras áreas.
— Acho que tem outras coisas prioritárias. Deveriam investir em educação, saúde, isso aqui nem precisa de reforma — sugere.
A revitalização do Largo da Alfândega começou a ser planejada em 2014 pela prefeitura de Florianópolis. O projeto foi desenvolvido em parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que também custeará a obra, orçada em R$ 7,8 milhões, através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para as Cidades Históricas. O edital de licitação foi lançado nesta quinta. A empresa contratada terá um ano para concluir as obras.
O diretor metropolitano do Instituto de Planejamento Urbano da prefeitura de Florianópolis, Michel Mittmann, defende que alguns espaços públicos da cidade não têm apropriação adequada e a intenção é limpar a área para valorizar as fachadas das construções antigas e preparar o Largo para proporcionar uma interação futura com o aterro e o sistema BRT, que vai passar ao lado.
— Por isso, a gente precisa preparar os lugares urbanos e dar relevância pública ao local. Para isso tem que melhorar a acessibilidade, limpar o território, deixar um espaço mais fluido para que a gente perceba melhor o casario, especialmente a Alfândega e o próprio Mercado.
Sobre o valor da obra, Mittmann defende que os investimentos têm consequência positiva na vida das pessoas.
— Quando você requalifica um lugar público, você requalifica o cotidiano das pessoas e isso causa efeito em outras áreas. Não podemos jogar todos os recursos na saúde e esquecer o espaço urbano, você tem que atacar em diversos setores, e o espaço da cultura é extremamente relevante para uma cidade sadia.
O que será alterado
Todo o local será modificado. O atual monumento em homenagem às rendeiras será removido. Ao invés de bilros, instrumento de madeira usado pelas rendeiras para fazer a renda, uma cobertura metálica será construída com os desenhos da renda. O pequeno palco, onde ocorrem as batalhas de rap toda semana, deve ser desmanchado. De acordo com Mittmann, não será construída uma estrutura fixa. Quando tiver eventos no Largo, terá que ser montado um palco provisório.
Na praça, os bancos de concreto e árvores serão realocados. O Largo ganhará bancos novos e as árvores serão reposicionadas ao longo do espaço. Serão construídos decks de madeira e um espelho d’água.
As atuais construções, onde hoje funcionam um comércio de artesanato, posto policial, sub-base da Comcap e onde muitas pessoas em situação de rua dormem, serão derrubadas. No lugar, serão erguidas duas edificações maiores para comércio de artesanato indígena, cerâmica e floricultura, dois cafés e serviços como posto policial, informações turísticas e banheiros públicos. A ocupação do local será definida por meio de licitação.
O projeto também prevê a organização das barracas da feira para que tenham mais espaços. A previsão é de que os trabalhos sejam concluídos em um ano a partir do início da obra.
(Hora de Santa Catarina, 22/02/2018)