13 nov Ocupação desordenada e ressacas históricas nas praias mudam litoral de SC
O mar sempre volta para buscar aquilo que lhe é tomado. Sabedoria popular de quem vive no litoral, a frase nunca fez tanto sentido. Desde o início do inverno, as águas avançaram com força sobre as praias catarinenses, arrancando estruturas de concreto, contorcendo vergalhões de ferro, derrubando construções de tijolos. Uma destruição implacável que já levou seis municípios do Estado a decretar situação de emergência.
Não há uma razão única para explicar a intensidade do que ocorreu neste ano. Uma combinação incomum de fenômenos naturais causou ressacas avassaladoras em diversos pontos do Estado, assustando moradores e turistas. Praias que antes tinham largas faixas de areia, como o Matadeiro, em Florianópolis, o Ervino, em São Francisco do Sul, ou o Balneário Cambiju, em Itapoá, foram tomadas pelo mar e, hoje, têm poucos metros de terra firme. A soma de eventos meteorológicos persistentes com a ocupação desordenada de áreas próximas às praias fazem parte dessa equação que resultou na erosão no litoral.
– Geralmente, isso ocorre em praias bem urbanizadas, que tiveram crescimento desordenado sem respeito à restinga, que seria uma área de amortecimento natural. É normal este processo erosivo nas dunas e restingas, o problema é quando tem ocupação urbana nessas áreas – afirma o gerente de monitoramento e alerta da Defesa Civil de Santa Catarina, Fred Rudorff.
Três fatores explicam avanço do mar no litoral catarinense
A praia dos Ingleses, na Capital, foi uma das mais afetadas. Se dois anos atrás havia uma faixa de areia de quase 30 metros de largura, hoje são menos de 10 metros. Os moradores mais antigos garantem que isso acontece de tempos em tempos, mas que dessa vez o impacto foi maior por causa das construções.
– Toda vida essa maré existiu, só que em outros tempos não tinha bar e casa na beira da praia.
As pessoas invadiram o mar. Para mim, as bruxas perderam o encanto. A Ilha é um coração de mãe que acolhe todo mundo, mas as pessoas que não vivem para o bem são penalizadas. É uma revolta da natureza, porque hoje existe muito individualismo e muitos interesses. A Ilha está perdendo a alma, e as bruxas estão revoltadas – sugere Valdir Santos, de 61 anos, mais conhecido como Valdir Mata-fome, figura característica dos Ingleses.
Se há ou não revolta das bruxas, o fato é que entre os pesquisadores da área, a sensação é de que os moradores e os turistas terão que se adaptar, ao menos por algum tempo, às novas configurações das praias. Alguns arriscam que o prazo para uma recomposição da faixa varie de dois a três anos.
– Foi um evento extremo, que não vai se repetir tão cedo, mas essa recuperação natural é lenta e depende de como a gente vai mexer na zona costeira. A natureza leva a areia, mas traz de volta.
A gente só não pode fazer mais besteira, como colocar pedra em tudo, porque isso pode contribuir ainda mais para a erosão no longo prazo – diz Carlos Eduardo Salles de Araújo, pesquisador da Epagri/Ciram do grupo de monitoramento costeiro.
Mudanças climáticas
Em São Francisco do Sul, o avanço do mar causou estragos não só nas praias mais urbanizadas, como também naquelas mais inóspitas. Se em Itaguçu, Ubatuba, Enseada e Prainha a erosão marítima afetou vias públicas, calçadões e a rede de iluminação, na Praia Grande e no Ervino, o mar engoliu parte da Avenida das Dunas, que chegou a ser interditada pela Defesa Civil municipal na altura do Parque Estadual Acaraí. Isso se explica por causa da sobreposição da maré meteorológica à maré astronômica, aliada às fortes ondulações de Leste na costa catarinense, mas há quem diga que é um sinal das mudanças climáticas que começam a dar as caras em todo o planeta como reflexo do aquecimento global.
– O que aconteceu com a Praia Grande, a quantidade de areia que o mar retirou, é uma coisa inexplicável. A gente via efeitos parecidos esporadicamente, mas não nessa proporção. Acredito que o ser humano vai ter que recuar. Não sei se vamos estar aqui, mas em algum momento vamos ter que subir a serra. A gente também nunca tinha visto a chamada maré seca, esse grande recuo do mar – conta Marcolino Ribeiro, morador da Prainha e comunicador que faz boletim de ondas há 18 anos.
Especialistas contestam que nível do mar está subindo
Apesar de reconhecer que as mudanças climáticas contribuem para eventos naturais mais extremos que o comum, especialistas evitam atribuir essa causa aos fenômenos vistos neste ano no litoral catarinense. De acordo com o físico oceanógrafo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Felipe Pimenta, a hipótese de que o nível do mar está se elevando tem que ser refutada neste momento.
– Se o nível do mar estivesse subindo, nós teríamos problemas em todas as praias. E não temos. O efeito é localizado, associado à orientação das praias e à maneira que elas interagem com ondulações e ventos atípicos. O ambiente tem a variabilidade natural e, de ano a ano, vai funcionar de maneira mais ou menos previsível, mas a gente sabe que existem alterações no clima que podem ocorrer a cada seis ou sete anos, como o El Niño, por exemplo. Então, é possível que, em determinado momento, certa praia responda de maneira repentina, mas depois volte ao seu ciclo natural.
É essa a esperança de quem vive na faixa litorânea, especialmente nos municípios de Itapoá, Barra do Sul, Barra Velha, São Francisco do Sul, Navegantes e Florianópolis, onde diversas praias foram atingidas pelo avanço do mar neste ano. Às vésperas de mais uma temporada de verão, oportunidade para muitos moradores aumentarem sua renda com o comércio, a expectativa é de que o mar recue para não prejudicar a movimentação de turistas.
– Fizemos uma pesquisa recente com as agências de viagens e não sentimos nenhuma influência (das ressacas) até o momento. A expectativa é de ter uma grande temporada, com aumento de 15% no número de turistas em relação ao ano passado (estimado em mais 8 milhões de pessoas em todo o Estado). (O avanço do mar) impactou, mas a natureza se recupera – afirma o secretário de Turismo, Cultura e Esporte de Santa Catarina, Leonel Pavan.
Apesar do otimismo do poder público, aqueles que vivem do comércio à beira-mar já começaram a sentir os efeitos das ressacas. Rita Ormond, de 51 anos, que é dona de uma loja de artigos de praia na Rua dos Tubarões lamenta a queda nas vendas. O comércio fica em um acesso à praia de Ingleses, que virou uma grande pilha de escombros.
– Tem uns quatro ou cinco meses que estamos penando. As vendas caíram cerca de 80%. O pessoal saía da praia e passava direto aqui, mas depois dessas marés, entramos em desespero.
O buxixo que a gente escuta é que vão limpar, então estamos esperançosas. Espero que mude até o verão, porque dependemos disso – afirma.
(DC, 11/11/2017)