14 ago Santa Cruz do Saquinho é parte do universo de Franklin Cascaes
Da Coluna de Carlos Damião (Notícias do Dia, 12/08/2017)
“Uma cruz preta com um galo, ossos humanos e outros símbolos pode deixar intrigado e receoso quem vai até o Saquinho, no Sul da Ilha de Santa Catarina. Ainda existem outras cruzes dessas espalhadas pela ilha”. Interessado pela história da religiosidade cristã em Florianópolis, o advogado Robson Galvão, 38 anos, descreve sinteticamente o que encontrou na comunidade praieira da Capital.
Cruzando informações, descobriu que a cruz foi confeccionada e doada pelo pesquisador Franklin Cascaes, entre setembro e outubro de 1972. Mas a autoria da obra artística e religiosa não está destacada no local. Acredita que, devidamente valorizada, a cruz poderia se transformar numa atração cultural e turística, atraindo os visitantes para a pequena localidade próxima ao Pântano do Sul.
Conforme o advogado, paranaense radicado em Florianópolis há dois anos, “as cruzes pretas são um emblema cristão. Os símbolos inseridos referem-se à Paixão de Cristo. O galo lembra a negação de Jesus por São Pedro; a coroa de espinhos representa o flagelo; as canas serviram como cetro para a tortura; o martelo e os cravos foram utilizados para a fixação na cruz; com a lança foi transpassado o coração; a corneta anunciou a morte de um condenado; a escada foi utilizada para retirada do corpo; o torquês serviu para a extração dos cravos; no cálice foi recolhido o sagrado sangue de Cristo; o resplendor refere-se à luz espiritual; os ossos humanos, que seriam de Adão, teriam sido encontrados no Monte Calvário após a erosão causada pela tempestade ocorrida enquanto Jesus agonizava; e a inscrição INRI significa rei dos Judeus”.
Robson Galvão observa ainda que Franklin Cascaes, na década de 1960, registrou em desenhos 36 dessas cruzes espalhadas pela ilha. Numa carta escrita por ele ao então prefeito Ari Oliveira, datada de 13 de setembro de 1972, o pesquisador mencionou que estava doando uma cruz de madeira à comunidade do Saquinho, que em breve seria fixada e benzida pelo sacerdote. Na cruz consta a data em que isso aconteceu: 15 de outubro de 1972.
Festa tradicional
Robson Galvão lembra que “era tradição naquela localidade a realização de uma festa entre os dias 2 e 3 de maio, a Festa de Santa Cruz. Alguns estudiosos dizem que as cruzes e esse festejo, heranças dos açorianos, fariam alusão à primeira missa celebrada no Brasil. Porém, a tradição é mais antiga. A data de 3 de maio refere-se à recuperação da Santa Cruz por Heráclio, que a reconquistou junto aos persas e a levou a Jerusalém no ano 628”.
“Posteriormente a tradição passou a Roma, onde se celebrava a Invenção da Santa Cruz. A liturgia atual fixou o dia 14 de setembro para a festa única da Invenção e Exaltação”, completa o advogado, que dedica suas horas vagas a pesquisas históricas.
Ele entende que a tradição das Santas Cruzes na Ilha e em outros pontos do litoral catarinense tenha relação direta com as bruxarias e outras histórias fantásticas, intensa e apaixonadamente pesquisadas por Franklin Cascaes. “Em tese, as cruzes enfeitadas representam proteção ‘contra as coisas que andam à noite'”, diz. Na prática, significam uma forma de preservação cristã contra o universo espiritual desconhecido (e temido).
A carta de Cascaes
Confira a seguir o trecho da carta enviada por Franklin Cascaes ao prefeito Ari Oliveira, em 13 de setembro de 1972, arquivada no Museu Universitário da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina):
“Fiz presente de uma Santa Cruz de madeira para a localidade de Saquinho.
Quando ela vai ser fincada ainda não sei.
Eu levo a Vossa Excelência o meu convite particular para assistir a bênção dela pelo sacerdote lá no Saquinho.
Eu sei que Vossa Excelência enfrentará aquele caminho como bom amigo desta Ilha, pois foi e é um grande fã do excursionamento ilhéu.
Nos Barreiros já temos a presença de uma Santa Cruz e serviços espirituais para a população”.