Nova mudança de regras na concessão de licenças prejudica pesca industrial da tainha em SC

Nova mudança de regras na concessão de licenças prejudica pesca industrial da tainha em SC

Atrasos e polêmicas na liberação das licenças marcam novamente o começo da safra industrial da tainha. Ontem, quando os barcos já deveriam ter iniciado a captura, o governo federal publicou no Diário Oficial a autorização para os únicos 11 barcos catarinenses credenciados para essa pesca em 2017, entre os mais de 100 que integram a frota de cerco no Estado. Os armadores corriam contra o tempo para pegar o documento e enviar as embarcações ao mar. Este é um cenário que tem se repetido desde 2015, quando o Ministério do Meio Ambiente lançou um plano de manejo da tainha que, por suas características e restrições, aponta para a inviabilização da pesca comercial da espécie em Santa Catarina.

Novas regras criadas pela pasta tornaram a obtenção de licenças uma questão de sorte. Tanto para a pesca artesanal anilhada, que é feita mais distante da costa do que a tradicional, quanto para a pesca industrial, a escolha dos barcos que têm autorização para pescar foi feita por sorteio.

Essa seleção teve uma condicionante extra: alegando a necessidade de reduzir ainda mais o esforço de pesca para proteger o peixe, o ministério determinou uma redução no volume dos barcos, em comparação com o ano passado. O resultado é que, em vez das 32 licenças previstas para as regiões Sul e Sudeste, onde ocorre a pesca da tainha, foram liberadas 18, das quais 11 catarinenses. A prioridade foi para embarcações menores, e a mudança atingiu diretamente a frota de Santa Catarina, que tem barcos mais robustos.

– Foi uma coisa dirigida, não ocorreu em pé de igualdade. Foram tirando os barcos grandes e deixando os pequenos – diz Alexandre Esponjeiro, presidente do Conselho Nacional de Pesca e Aquicultura (Conepe).

De fato, o plano de gestão prevê uma redução gradativa do esforço pesqueiro como forma de proteger os cardumes do excesso de pesca. Esse documento, no entanto, não inclui a limitação de capacidade e a escolha por sorteio.

Sindicatos pesqueiros, entre eles o Sindicato dos Armadores e da Indústria da Pesca de Itajaí e Região (Sindipi), que é o maior do setor, questionaram judicialmente o modelo de concessão de licenças e o uso do volume de embarcações como parâmetro de seleção. O pedido de liminar, no entanto, foi indeferido pela Justiça.

Os armadores alegam que a demora do governo em definir parâmetros e as regras ¿surpresa¿ prejudicam o planejamento de uma indústria que movimenta 700 empregos diretos no Estado. Até ontem, ainda não havia uma avaliação de quantos pescadores podem perder o emprego, já que a mesma frota é usada na captura da sardinha e muitos permanecem, ainda, em alto-mar. O impacto deve vir após o término da safra da sardinha, em duas semanas.

– Se o objetivo é chegar ao ponto do peixe morrer de velho, ir tirando a frota faz todo sentido. Mas parece que o governo não sabe o que quer. Este ano foi diferente do ano passado, que foi diferente do ano anterior – diz o oceanógrafo Roberto Wharlich, pesquisador da Univali.

A dificuldade, diz o especialista, é equacionar a preservação do peixe e a manutenção da atividade socioeconômica.

– É muito mais fácil proibir do que desenvolver a pesca.

Imbróglio favorece pesca ilegal

Mais do que a redução no número de licenças, o que incomoda o setor é a falta de um espaço no governo para tratar de seus interesses e o descumprimento de questões básicas, como as avaliações de estoque. Desde outubro de 2015, quando o Ministério da Pesca foi extinto, o setor sofre um revés atrás do outro, da demora na emissão de autorizações até a inviabilização de exportações por atraso no envio de documentos.

Na avaliação de Monica Peres, presidente do Instituto Oceana no Brasil – entidade que atua na defesa da pesca sustentável em todo o mundo –, o cenário favorece a pesca ilegal.

– Essas medidas não cumprem a função de proteger a tainha, porque abrem espaço para o aumento da ilegalidade – afirma.

A situação é ainda mais grave porque, na pesca industrial, a tainha é um reforço de renda no período em que começa o defeso da sardinha. E esta é a pior safra da sardinha dos últimos anos em Santa Catarina, com capturas que correspondem a menos da metade do que era esperado.

Para completar, o governo proibiu que qualquer barco de cerco – mesmo os que não têm licença para a tainha – atue até 5 milhas da costa, no chamado corredor de proteção dos cardumes de tainha. A medida limita as embarcações que ainda estão em busca da sardinha, cuja safra termina no dia 15 de junho.

Temendo que os barcos pesquem ilegalmente, o Ministério Público Federal encaminhou ofício aos órgãos ambientais recomendando que reforcem a fiscalização sobre a pesca da tainha nas próximas semanas.

Na semana passada, o Ministério da Agricultura encaminhou nota à RBS TV em que sugere que a frota de cerco que não conseguiu licenças para a captura de tainhas se dedique às anchovas durante esse período. No entanto, a renovação de permissões para a captura da anchova também está atrasada.

Fim da pesca industrial impacta na exportação

O fato de os cardumes de tainha serem alvo de diferentes tipos de captura, artesanal e industrial, e de chegarem ao consumidor final por caminhos diversos torna difícil mensurar o retorno que o consumo do peixe, tão tradicional em Santa Catarina, traz ao Estado. Mas é possível calcular o que a tainha representa para o mercado internacional de ovas.

O cobiçado ¿caviar brasileiro¿ é enviado à Europa e à Ásia por cerca de US$ 50 o quilo. E o produto mais desejado é aquele que vem da pesca industrial. Cassiano Fuck, dono de uma exportadora de ovas, diz que a diferença está na qualidade.

– O peixe de praia fica no sol, na areia, é uma morte que faz o peixe sofrer muito. A ova fica vascularizada, vermelha. Na pesca industrial o peixe morre no gelo, por choque térmico. Ele não sente tanto e não faz essa vascularização. Para os importadores essa questão é muito importante – explica.

Anualmente, Santa Catarina envia em média 500 toneladas de ovas para o exterior. No ano passado, já com baixa captura da frota industrial, que teve licenças atrasadas e reduzidas, os exportadores tiveram prejuízo. Como a maior parte do estoque era de tainhas capturadas na pesca artesanal de arrasto, o preço baixou 60%.

(DC, 02/06/2017)