15 maio Decisão do STF avaliza cobrança de taxa em terrenos de marinha na Ilha de Santa Catarina
A polêmica sobre a demarcação das áreas de marinha na Ilha de Santa Catarina voltou a ser tema de debates após recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). A mais alta Corte do país decidiu no último dia 27 de abril que as ilhas sedes de município também possuem os chamados terrenos de marinha. Na ocasião, o STF indeferiu pedido do Ministério Público Federal do Espírito Santo, que entendia que a Emenda Constitucional 46/2005, de autoria do ex-deputado catarinense Edison Andrino (PMDB), apontava a inexistência dessas áreas em territórios insulares que são sede de cidades.
A decisão judicial afeta diretamente Florianópolis, que se encontra na mesma situação de cidades como Vitória (ES) e São Luís (MA). Desde maio de 2015, uma nova demarcação das áreas de marinha feita pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU) traz apreensão aos donos de aproximadamente 42 mil imóveis da capital catarinense. Embora tenha sido disponibilizada há dois anos, a demarcação ainda não está homologada, portanto não tem caráter oficial. Mesmo assim, moradores já preparam as suas defesas. Na Capital, uma das localidades mais afetadas pela nova linha da preamar média do ano de 1831 (veja no mapa) é o bairro da Daniela, no Norte da Ilha. Por lá, aproximadamente metade das casas passará a pagar taxas para a União caso ocorra a homologação.
— Aqui, existem duas parcelas de moradores. Uma parte não acredita nas consequências, já que o assunto é discutido há muito tempo. E tem outros que já estão com as suas defesas adiantadas. Nós, da associação de moradores, estamos trabalhando em três frentes, com a mobilização comunitária, a mobilização legislativa e a mobilização jurídica — diz Ana Claudia Caldas, presidente da associação de moradores local (CCPontal).
Atualmente, as regiões central e continental de Florianópolis (veja no mapa abaixo) já possuem demarcações homologadas. Um dos 4.802 moradores da Ilha que já pagam a taxa anual para União é o aposentado Joe Freitas de Alencar. Desde 2002, ele mora em um apartamento na Avenida Beira-mar.
— Pago todo ano um pouco mais de R$ 350. Temos que manter as nossas obrigações em dia — diz.
Nas outras regiões da cidade, as cobranças estão suspensas há 12 anos. A demarcação dessas áreas de marinha começou em 2008 e levou mais de cinco anos para ficar pronta. Porém, não faltam críticas ao trabalho realizado pela SPU. Segundo o advogado João Manoel do Nascimento, especializado em terrenos de marinha, há erros grotescos na nova linha da SPU.
— A nova demarcação traz coisas absurdas como linhas de 90 graus, que não existem na natureza, ou retas com mais de um quilômetro — afirma.
Sonho que virou pesadelo
Há 18 anos, a arquiteta aposentada Rose Mary Antoniutti decidiu que queria comprar um terreno para construir uma casa no bairro da Daniela. Depois de muita procura, achou o terreno considerado ideal. Porém, ela não queria qualquer tipo de incômodo no futuro. Por isso, chamou técnicos do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF) e do Ibama para se garantir de que o terreno não estava em uma Área de Preservação Permanente (APP) ou em terrenos de marinha.
— Eles me garantiram que não era — diz.
Agora, seu terreno está entre aqueles que a SPU vai considerar como sendo área de marinha:
— É um sonho que está virando um pesadelo. Fiquei estupefata, já que sempre tive toda a documentação certinha.
Desde a notícia da demarcação, ela diz que não dorme direito. Tem sua defesa preparada, mas ao mesmo tempo teme não ter condições de bancar os impostos caso não consiga provar que a área não é de marinha.
Deputados se reunirão com Temer para pedir fim dos terrenos de marinha
No Congresso Nacional, deputados e senadores de estados litorâneos tentam há anos mudar a legislação para acabar com os terrenos de marinha. Na Câmara, todas as PECs (Proposta de Emenda Constitucional) foram reunidas em torno da proposta de número 39, de autoria do deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA), que tramita desde 2011. Segundo o parlamentar, há muita resistência do Planalto para acabar com as cobranças, que ele chama de “arcaicas”.
— A preservação da tutela da União sobre essas áreas é uma patologia jurídica brasileira. Espero que, ao fim e ao cabo, se chegue a uma conclusão para esse assunto — diz.
Uma comissão especial foi criada na Câmara para tratar do assunto. Ela é presidida pelo deputado catarinense Espiridião Amin, que também defende o fim das cobranças. Na próxima quinta-feira, está marcada uma reunião com o presidente Michel Temer para tratar do tema. Segundo Amin, ele vai apelar para o lado professor de Temer, que é especialista em Direito Constitucional.
— Vou falar para ele: “presidente, você pode deixar o governo com essa marca, de acabar com esse aracaísmo no Brasil” — diz Amin.
No Senado, a PEC 53 também pede desde 2007 o fim das áreas de marinha.
Prefeitura critica “chutômetro” da SPU
A prefeitura também é contra a nova linha demarcatória dos terrenos de marinha na Ilha de Santa Catarina. Segundo o secretário Filipe Mello, da Casa Civil, uma decisão da Justiça Federal de Florianópolis, assinada pelo juiz Marcelo Krás Borges, determinou que a prefeitura não pode atuar na defesa dos moradores da cidade. Foi feito um recurso contra a decisão, porém este ainda não foi julgado. Na prática, a legislação determina que as defesas administrativas devem ser feitas individualmente.
Em relação à decisão do STF, Mello afirma que ela já era esperada e que a prefeitura concorda com a existência de terrenos de marinha. A grande crítica da atual gestão, segundo o secretário, é quanto aos novos limites estabelecidos pela União. Ele defende a realização de uma perícia para estabelecer a “linha real”.
— A SPU está trabalhando no chutômetro. No Sul da Ilha, tem uma área em que a linha entra quase sete quilômetros na terra. Hoje não se tem de forma responsável o estabelecimento dessa linha — diz Mello.
SPU diz que demarcação pode ser alterada
O órgão estima em 42 mil o número de terrenos de marinha na Ilha de Santa Catarina. Destes, 9.904 estão cadastrados. Atualmente, 4.802 imóveis já pagam a cobrança anual na parte insular. Na região continental, são 2.138 terrenos cadastrados, sendo que 1.838 recebem a cobrança. Em relação às críticas à demarcação, a SPU diz que o trabalho preliminar está sujeito a adequação quando da apresentação de documentos para impugnação. O órgão afirma que continuará os trabalhos demarcatórios após a decisão do STF e que, dentro da área não homologada, a cobrança parou em 2005 em função da insegurança jurídica com a Emenda Constitucional 46. No ano de 2016, a União arrecadou R$ 7,5 milhões com taxas de marinha em Florianópolis, sendo que 20% do valor (R$ 1,5 milhão) foram repassados para a prefeitura de Florianópolis em fevereiro de 2017.
Como funciona a homologação da nova linha de marinha
A demarcação da nova linha começou em 2008 e foi finalizada em 2013. Em maio de 2015, foi feita a divulgação do trabalho da SPU. Segundo o órgão, com a decisão do STF, será dado prosseguimento ao processo, embora não tenham sido estabelecidos prazos. O primeiro passo consiste em lançar um edital de demarcação para, em seguida, notificar os ocupantes para o direito à impugnação da demarcação. O prazo para defesa é de 60 dias após a notificação. São três esferas administrativas: superintendência da SPU em Florianópolis, sede da SPU em Brasília e o Ministério do Planejamento. Caso o morador não apresente defesa após ser notificado, a demarcação passa automaticamente a ser válida. Em relação a isso, o advogado João Manoel do Nascimento alerta para uma questão interessante.
— Em uma rua da Daniela, por exemplo, caso um vizinho apresente defesa e outro não, é possível que o primeiro consiga a impugnação, enquanto o outro passará a ter de pagar a taxa de marinha. É absurdo.
Histórico das demarcações em Florianópolis
Em Florianópolis, a demarcação da região central da cidade — entre o Saco dos Limões e a região da Beira-mar Norte — foi homologada em 1979. Já na área continental, a homologação ocorreu em 2001. Em todas as outras regiões, que aguardam pela nova linha, a cobrança ocorreu até 2005.
O que é terreno de marinha?
Terrenos de marinha existem desde o período imperial no Brasil, tanto que a base para as demarcações é a Linha da Preamar Média do ano de 1831. Tecnicamente, as áreas de marinha ocupam os 33 metros seguintes, incluindo aí os acrescidos de marinha (aterros). O Ministério do Planejamento entende por preamar como a média das marés máximas, o que é questionado pela defesa de muitos ocupantes dessas áreas, que acreditam que o termo refere-se apenas à médias das marés altas.
Quais as taxas que são pagas?
Taxa de ocupação – é a cobrança anual para aqueles que ocupam terrenos de marinha. A alíquota é de 2% para as ocupações inscritas ou requeridas até 30 de setembro de 1988 e de 5% para as ocupações inscritas ou requeridas após esta data.
Foro – É a cobrança anual pela utilização do imóvel sob regime de aforamento, que ocorre quando o proprietário compra a maior parte do terreno, passando a ser dono de 83%. A alíquota é de 0,6% do valor atualizado do imóvel.
Laudêmio – É a cobrança sobre a negociação de imóveis em terrenos de marinha. Equivale a 5% do valor do terreno, excluindo benfeitorias.
(DC, 13/05/2017)