16 fev Entrevista: “Morre muita gente pela falta de saneamento”, afirma engenheiro catarinense
“A falta de saneamento mata.” A afirmação do professor Afonso da Veiga Filho, 76, coloca no centro da discussão um dos itens mais básicos para o desenvolvimento humano e social, mas que ao longo de anos foi relegado por governos e sociedade. “Agora, estamos pagando o preço”, declara o professor. A falta de planejamento adequado, com soluções integradas, segundo Afonso da Veiga, coloca o Brasil em uma das piores situações globais. Apesar dos bons números na economia e dos altos índices de qualidade de vida da população, Santa Catarina é apenas o 18º do país em saneamento. Confira a entrevista.
Este ano a campanha da fraternidade lança tema sobre saneamento, com o lema “quero ver o direito brotar como fonte e correr a Justiça qual riacho que não seca.” O saneamento entrou de vez na ordem do dia?
Na realidade o saneamento tem um envolvimento forte com a área ambiental, com a ecologia, mas o saneamento em si, que inclui fornecimento de água, esgotamento sanitário, resíduos sólidos e drenagem urbana, não tem tido o mesmo destaque, por exemplo, que as questões ambientais. Não se debate saneamento no mesmo nível. Os acontecimentos na área ambiental são mais pesados, os desastres naturais são fatos que acarretam em grande número de mortes em um curto espaço de tempo. Por exemplo, o acidente da Samarco, que gera um debate diante da grandiosidade do acontecimento. A falta de saneamento mata quase que na mesma proporção só que ao longo do tempo e aos pouquinhos.
Quais os efeitos mais fortes causados pela falta de saneamento, ou diante de um saneamento não adequado?
Morre muita gente pela falta de saneamento. Muitas vezes pessoas de baixa renda, de comunidades desassistida. A falta de saneamento é problema de saúde pública. Se for feito um levantamento, veremos que 60% das mortes nos hospitais têm ligação com a falta de saneamento. O negócio é que o Brasil nunca se preocupou em ensinar ao povo os princípios básicos da autodefesa do saneamento. Ensina-se a escovar os dentes, lavar as mãos, mas não se ensina, por exemplo, a descartar o lixo corretamente, o porque de não deixar água parada. O problema do mosquito Aedes aegypti é reflexo disso. A autodefesa do brasileiro é ir ao hospital depois que fica doente. É uma questão cultural e vai ser muito difícil enfrentar isso.
É um problema nacional? Como Santa Catarina aparece neste cenário?
O Brasil só começou a ter algum interesse por saneamento na década de 1960. Digo água e esgoto, porque resíduos sólidos e drenagem sempre foram os primos pobres do saneamento. Naquela época, tivemos a presença da Fundação Sesp (Serviços Especiais em Saúde Pública), hoje Funasa, que era do Ministério da Saúde que trabalhava engenharia sanitária. Em 1970, a criação de um plano nacional de saneamento (Planasa) deu certa organização ao setor com a criação das empresas estaduais, como a Casan. Havia monitoramento do BNH (Banco Nacional de Habitação) e as companhias não eram usadas politicamente. A ideia da criação das companhias era tornar o serviço mais ágil e mais técnico, o que era difícil com um órgão do governo. Alocaram-se recursos para o setor e Santa Catarina, a exemplo do resto do Brasil, avançou bastante. Só que Santa Catarina não privilegiou o esgotamento sanitário e quase nada foi feito neste setor. Fizeram bastante pela água e hoje estamos pagando o preço por ter deixado de lado a questão do esgoto, pois a recuperação é muito pior. Imagina, estamos falando de situações da década de 1970. Mas aí em 1985 o governo Sarney extinguiu o BNH e aí virou bagunça. O controle, que era feito por órgão nacional, passou a ser feito pelos próprios Estados e aí cada governador deu o rumo que entendeu conveniente para as companhias. A grande maioria politizou.
Mas Santa Catarina é um Estado destacado pela economia forte e pelos bons índices de qualidade de vida, mesmo estando em 18º no país no ranking do saneamento. A falta de saneamento não afeta estas questões?
Isso é uma grande negação de Santa Catarina em relação ao resto de seu comportamento. Não podemos ser considerados um Estado com perfil de primeiro mundo justamente pela falta de saneamento. Nosso Estado é equilibrado na indústria, comércio, a agricultura é forte, grandes empresas nacionais nasceram aqui, mas somos atrasados em saneamento. Principalmente no esgotamento sanitário. A falta de saneamento impede de qualificarmos Santa Catarina como de primeiro mundo. Mas os problemas de saneamento não são exclusividade de Santa Catarina. Temos essa mesma fotografia em praticamente todo o Brasil, com cores um pouco diferentes.
Leia na íntegra em Notícias do Dia Online, 15/02/2016