Nova demarcação dos terrenos de marinha em Florianópolis pode implicar na perda de títulos privados dos imóveis

Nova demarcação dos terrenos de marinha em Florianópolis pode implicar na perda de títulos privados dos imóveis

Você já imaginou dormir sendo proprietário do seu imóvel e acordar como mero ocupante? Provavelmente não… No entanto, é exatamente isso o que está prestes a acontecer com cerca de 30 mil moradores da capital, que residem em locais considerados terrenos de marinha ou acrescidos de marinha, pela nova demarcação que está sendo conduzida pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU).

Na capital catarinense, a SPU já concluiu o estudo de remarcação dos terrenos de marinha, o que fez saltar de quatro mil para 30 mil o número de imóveis atingidos, em relação ao antigo traçado da Linha do Preamar Médio de 1831. Ao contrário do propósito da demarcação do século XIX, que pretendia proteger o território nacional pelo litoral, atualmente a existência desta nova medição tem apenas função arrecadatória, já que a permanência nessas regiões só é viável por meio do pagamento de elevadas taxas anuais.

A grande polêmica e preocupação sobre esta nova demarcação diz respeito à Medida Provisória nº 691/2015, que está sendo analisada por uma comissão mista no Congresso Nacional, e que, se aprovada, permite a alienação de imóveis localizados em terrenos de marinha e abre a possibilidade de negociação das terras com base no valor de mercado. Ou seja, se já era preocupante a situação dos atingidos que passarão a ser meros ocupantes de seus próprios imóveis, conseqüência da nova demarcação local, agora, diante desta MP, o ocupante poderá ter que recomprar da União o domínio pleno sobre a propriedade.

A questão central é que as novas demarcações da Linha do Preamar estão ampliando as áreas correspondentes aos terrenos de marinha em todo o país. No Espírito Santo, por exemplo, praticamente todo o município de Vitória foi definido como terreno de marinha (ANEXO). O abuso nas novas delimitações tem afetado muitas regiões, em especial os municípios localizados em ilhas, como São Luís, no Maranhão, e Florianópolis, em Santa Catarina.

Para confrontar o estudo realizado pela SPU, moradores da Praia da Daniela encomendaram um estudo oceanográfico e geodésico privado. A diferença dos resultados entre os dois é discrepante. Ambos seguiram as mesmas normas técnicas e base de dados, porém as conclusões são distintas e impressionantes. Ao contrário do traçado da SPU, que engloba 450 residências na Daniela, apenas 3% deste total aparece na demarcação do estudo realizado pela empresa Engenharia Oceânica, Costeira & Portuária.

O advogado João Manoel Nascimento, do escritório Thompson Flores, Curi, Wildt & Silva Advogados Associados, responsável pela defesa deste grupo de moradores da Praia da Daniela, sustenta que “a apropriação destes bens pela União é absurda e infundada na maior parte dos casos”. Ele justifica que a elaboração deste laudo servirá para evidenciar as fragilidades da demarcação da SPU, consideradas “estranhas e merecedoras de explicação plausível”.

“Estamos envolvidos mais do que como advogados nesta causa. Cumprimos também nosso dever civil e social debatendo o resultado duvidoso da nova demarcação concluída pela Secretaria do Patrimônio da União. É provável que a nova demarcação possua erros, como apontou nosso estudo na Daniela. O ideal seria desenvolver um novo estudo em cada localidade da Ilha de Santa Catarina, com mais cientificidade”, conclui.

O questionamento dos proprietários é pertinente e legítimo, já que muitos dados do estudo da SPU apresentam interpretações subjetivas. Qualquer cidadão tem o direito de compreender e tentar aferir a nova demarcação, porém isto é impossível. Não se consegue reproduzir a mesma conclusão, ainda que aplicando base de dados idêntica, devido à utilização de elementos subjetivos por parte dos técnicos da SPU.

Outra abordagem interessante diz respeito ao levantamento de documentos históricos. A demarcação de uma parcela do Pontal da Daniela é também passível de contestação por meio de um mapa da Biblioteca Nacional de Portugal, datado de 1830 (http://purl.pt/26920/2/), que indica a existência de um Forte, com bateria de canhões, no local onde aparece apenas água no mapa da SPU. Estas controversas têm causado indignação em todos os cantos da cidade. No Bairro Carianos, por exemplo, os moradores utilizaram humor e acidez para reivindicar em uma simulação de reportagem (http://youtu.be/0aKcgRyofGU).

CARÁTER PROVISÓRIO

A nova demarcação, que atinge praticamente toda a Ilha de Santa Catarina, ainda não foi homologada pela Secretaria do Patrimônio da União e, portanto, é provisória. Com a entrada em vigor da Lei 13.139/2015 a partir do próximo dia 28 de outubro, a administração municipal de Florianópolis terá 30 dias para repassar o cadastro dos novos atingidos para a Superintendência do Patrimônio da União em Santa Catarina, que então emitirá as notificações individuais.

Os notificados terão 60 dias para defesa administrativa. Quem não impugnar a demarcação neste prazo estará concordando com ela, que passará a ser considerada definitiva.

Apesar do caráter provisório da nova demarcação local, a prefeitura de Florianópolis está negando os pedidos de consultas de viabilidade, aprovação de projetos, alvarás e habite-se de imóveis que serão atingidos pela remarcação. Para complicar, muitos moradores estão sendo orientados na própria prefeitura a ‘regularizarem’ a situação junto à SPU/SC, assinando documentos que implicam em renúncia ao direito de defesa quanto à nova demarcação.