Duas Floripas

Duas Floripas

(Por Sérgio da Costa Ramos, DC, 28/08/2015)

Na verdade existem duas Floripas: aquela que se vê do alto e que emocionou o aviador-escritor Antoine de Saint-Exupéry, no início dos anos 1930 – e aquela que se materializa aqui embaixo, no duro chão da realidade, em meio à barafunda do trânsito de mil novos veículos todo mês.

Produto de Deus, a Ilha que se enxerga do céu tocou a alma do lendário piloto de Voo Noturno e Correio Sul. A bordo do seu Breguet-Latécoère, ele seguia o tapete dourado das dunas até aterrissar no Campeche, ninho de seu pássaro, hipnotizado por tanta beleza.

O piloto teria se encontrado no Café Nacional, esquina da Praça XV com Felipe Schmidt, com o professor, humanista e francófilo Mâncio Costa, a quem teria feito uma declaração de amor à Ilha.

Verdade ou ficção, o elogio seria merecido… até que o aviador conhecesse a mediocridade dos que planejariam a capital no porvir daqueles anos de bela época.

Produto do homem, a Floripa que se vive em terra firme é cada vez mais uma antessala do inferno. O caos no trânsito está espancando a qualidade de vida da cidade. A qualquer ponto que se vá, a qualquer hora, o fluxo de veículos é lerdo, obturado, irritante. Isso numa cidade de pouco mais de 400 mil habitantes e… 350 mil veículos.

Em matéria de circulação urbana, estamos caminhando, céleres, para o colapso absoluto e para uma dramática catatonia – que é a morte em vida. Um plano diretor, concebido com o ânimo comunitário dos que se dispõem a construir – e não apenas obstruir – deveria ser a obsessão do Executivo e do Legislativo. Uma criteriosa, desapaixonada e desideologizada lei de ocupação do solo, com a expansão da cidade para o leste. A construção da Via Parque, debruando o Campeche até o Rio Vermelho, pela orla, marcaria uma interiorização controlada.

Mudança que seria assinalada pelo privilégio do transporte de massa – tanto marítimo quanto ferrocarril. Com a inovação de um metrô mais barato, ainda a céu aberto, sem linhas de subsolo, haveria algum desafogo no trânsito Ilha-continente. Coisa para uns 20 anos de maturação – e olhe lá… E com o centro da cidade chegando ao norte e ao sul da Ilha, não apenas por rodovias e túneis, mas pela via marítima.